Semana passada, o STF decidiu por 7 votos a 4 que condenados em segunda instância devem começar a cumprir pena na prisão. Até então, podiam apelar em liberdade aos tribunais superiores (STJ e STF), período em que corria o prazo de prescrição. Essa situação, alinhada às inúmeras brechas protelatórias existentes na legislação e o excesso de processos na fila de espera para serem julgados, tornavam o Brasil um campeão de morosidade na justiça e paraíso da chicana para os mais ricos. Não mais. Apesar de polêmica, a nova interpretação do Supremo vai na contramão da nossa quincentenária cultura de impunidade.
A decisão gerou ruído. Muitos juristas se manifestaram contrários à nova realidade. Vale a pena contrapor seus principais argumentos. O mais robusto deles baseia-se no inciso LVII do artigo quinto da constituição, onde está escrito que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Se o trânsito em julgado ocorrer somente após a decisão das cortes superiores, então a nova interpretação seria inconstitucional. Me parece, contudo, que há espaço para uma melhor definição do que significa ‘trânsito em julgado’. Se o mesmo vier com o veredicto da segunda instância, esse argumento torna-se inócuo. O plenário do STF que tomou a decisão confirmaria essa lógica. A questão da constitucionalidade, apesar de legítima, é mais uma discussão de forma que de conteúdo.
Também temos a alegação de que o encurtamento do prazo para o início do cumprimento da pena reduziria o direito de defesa. Conversa fiada. Na terceira instância, não é mais possível agregar novas provas aos autos do processo. As partes já exauriram seus argumentos na duas anteriores. A partir desse estágio imperam as artimanhas protelatórias, espertamente utilizadas por advogados muito bem remunerados e privilégio dos clientes abastados. Os mais pobres, coitados, dificilmente conseguem acessar as cortes superiores. A nova interpretação do Supremo também tem o mérito de equalizar a aplicação da justiça, independentemente de classe social.
Se estudarmos o direito penal de outros países, constataremos que em praticamente todos eles, o início da pena sempre ocorre até a decisão em segunda instância, algumas vezes após a primeira. O caso brasileiro era uma anomalia com a qual estávamos acostumados e que enriqueceu muitos advogados convertidos em mestres na arte de protelar.
Há a alegação esdrúxula de que o sistema carcerário no Brasil está falido e superlotado. Nesse caso, soltemos então os presos. Que tal começarmos pelos milhares de ladrões de galinha que não tiveram a oportunidade de apelar da sentença? Ou então deixemos de condenar. A partir de agora, por causa da precariedade do sistema prisional, até os culpados serão inocentes. Tampouco é verdadeiro o argumento. Como dissemos, apenas a fração rica da população tem condições de bancar a continuidade do caso às cortes superiores. Essa turma não moverá o ponteiro da lotação das nossas cadeias.
Sentenças são revertidas na terceira instância, o que poderia ocasionar a prisão injusta de muitos inocentes. Já vi estatísticas que sustentam que 95% das decisões são mantidas, mas a questão aqui é outra. Em algum momento a sociedade tem que definir quando vale um veredicto. Se uma sentença proferida por um juiz de primeira instância pode suscitar dúvidas quanto ao grau de certeza da decisão, sua revisão por um colegiado mais experiente minimizaria possíveis erros. Nesse caso, quanto maior o número de ‘revisões’, menor a probabilidade de erro. A sentença perfeita talvez se desse em dez instâncias apelatórias. Seria perfeita e inaplicável. Eis uma situação em que o ótimo é inimigo do bom. Será que a sociedade brasileira não pode dar um voto de confiança aos tribunais estaduais e regionais? Se eles não são confiáveis, por que o STF e o STJ seriam?
Considerando que os beneficiários do modelo vigente até semana passada são os mais ricos, afeitos principalmente a crimes de colarinho branco, e que as protelações ocorrem em questões relacionadas a ritos processuais, desencadeando a desagradável sensação de impunidade e a triste constatação de que o crime compensa no Brasil, o envio mais rápido dos gatunos à prisão será imensamente bem recebido pela população. Hoje, o sujeito é condenado em primeira e segunda instâncias e agraciado com o direito de permanecer em liberdade. Acabou a mamata. A justiça será menos discriminatória.
A despeito da preocupação dos que defendem a manutenção do status quo, a decisão do Supremo é um sopro de esperança ao Brasil que anseia por um país mais justo. É bem verdade que o Judiciário tem diversas outras debilidades e seguirá sendo extremamente ineficiente, não é essa medida que resolverá por decreto seus múltiplos problemas, mas pontualmente trata-se de um grande avanço. É uma rasteira em nossa excessiva tolerância – já transformada em omissão, e um golpe duro desferido contra a impunidade.
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Victor Loyola
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