Chegou a hora: às ruas, cidadãos!

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Já não há mais governo. Os escombros do que um dia foi a administração da ex-gerentona constituem um melancólico crepúsculo da era petista. A presidente está só, abandonada por aliados e pelo próprio partido, ancorando-se em seu criador, hoje mais preocupado em manter sua liberdade de ir e vir, ameaçada pela operação Lavajato, do que investir tempo e energia em seu projeto de eternização no poder. Mesmo sendo motivo de chacota e desgosto em todo país, ele ainda goza de alguma popularidade junto à população, construída em décadas de discurso demagógico e ilusionista. Apesar de ter perdido a maior parte de seu capital político, o bravateiro de São Bernardo é o último anteparo de Dilma antes da queda.

Quis o destino que o dia 13 simbolizasse o princípio do fim do criador e sua criatura, indissociáveis um do outro. O número que marcou a ascensão de um grupo que prometia uma nova maneira de fazer política coroará o maior movimento popular já registrado na história do Brasil contra um governo. Em tempos mais pueris, ouvi de muitos não petistas a afirmação conformada de que ‘pelo menos eles são honestos’. Havia a esperança de que as práticas na gestão pública fossem mais transparentes. Quanta ilusão. A roubalheira foi industrializada e as alianças espúreas tornaram-se lugar comum. O PT cooptou antigos desafetos para a sua base, não é possível esquecer dos Collors, Malufs, Sarneys, Barbalhos, Renans, entre outros, todos abrigados despudoradamente no ninho da estrela vermelha, que em troca lhes concedia o direito de explorar uma boquinha aqui e outra ali, mordendo nacos  do estado brasileiro impiedosamente tomado de assalto. Foi assim, na surdina, que se construiu um gigantesco sistema de corrupção, plantado no coração das estatais (alguém duvida que outras, além da Petrobrás, também foram vampirizadas?) e patrocinada por um cartel de empreiteiras, corruptoras que nunca se deram ao luxo de questionar se não participar do conluio criminoso era uma opção. As elites políticas do Brasil, capitaneatas pelo ex-combatentes em prol da ética lambuzaram-se com a ilimitada oferta de pixulecos e acarajés. Foram anos de fartura onde malas de dinheiro viajavam nas sombras e contas secretas recebiam depósitos milionários. Mesmo com o Mensalão descoberto, julgado e com alguns protagonistas condenados, o esquema não arrefeceu. Sabe-se hoje que era uma espécie de filhote do Petrolão, e não seu precursor. Enquanto o STF julgava José Dirceu e sua trupe, a bandalheira seguia correndo solta…

Os antigos paladinos da moral tiveram sorte em seu passado. A primeira gestão de Lula foi marcada pelo estrondoso crescimento chinês e estouro no preço de todas as commodities. Jorrou dinheiro nos cofres brasileiros sem que qualquer esforço de melhoria estrutural ou produtividade fosse realizado, como se o país tivesse ganho sozinho na mega sena acumulada. Empurrado pela bonança mundial, que praticamente quadruplicou o preço unitário do que exportávamos, o Brasil surfou a onda, embevecido pelo discurso populista de seu timoneiro boquirroto, então ganhando contornos de santo-homem. Agraciados por uma oposição fraca e fraticida e impulsionado pela boa onda global, o PT reelegeu seu guia em 2006 e reinou tranquilo até 2010, ano em que a economia cresceu 7.6%, reverberando a demanda reprimida no ano anterior, que refletiu a crise financeira internacional, estagnado. Era a época de dar vida a postes. Falando neles, é bom que se diga que durante o período de ouro da era lulista, a América Latina cresceu mais que o Brasil, assim como inúmeros outros países do mundo tiraram milhões da miséria. Foram tempos de inclusão social em todo planeta, e ouso dizer que qualquer poste bem comportado daria conta do recado. Luiz Ignácio teve muita sorte.

Os problemas começaram a despontar no horizonte quando surgiram ventos adversos da economia global. Dona Dilma, cercada por uma péssima equipe escolhida a dedo e com a mesma mentalidade nacionalista e desenvolvimentista que nos acompanhou durante o regime militar, fez tudo errado e os amplificou. Meteu-se com o obeso e ineficiente estado brasileiro onde não devia, gastou desenfreadamente como se não houvesse amanhã, não investiu em reformas estruturais, não mexeu no vespeiro do sistema previdenciário e tributário, manteve o receituário anti-cíclico aplicado em 2008-09, como se o mundo lá fora estivesse parado no tempo. O remédio perdera a validade. Teimosa, não ouviu os avisos de que a situação brasileira caminhava a passos largos rumo à desgraça, e foram vários. Preferiu valer-se da contabilidade criativa e pedaladas fiscais para transmitir à população a falsa impressão de que tudo ia bem, estratégia que pode lhe custar o cargo como principal catalisadora do processo de impeachment. Ao invés de encarar a difícil missão de convencer o Congresso a aprovar medidas transformadoras, mas potencialmente impopulares, preferiu construir com o marqueteiro João Santana, hoje preso,  um mundo de fantasia onde o Brasil seguia em seu nirvana. Mentiu muito. O nível de emprego ainda não havia sido afetado até 2014 e foi o último dos pilares macroeconômicos a ruir. Eleita na margem de erro, Dilma deixou para si uma herança maldita, um país vulnerável, com uma administração pública incapaz de reagir. Completamente desprovida de habilidade política, dona Pinóquia colheu sucessivas derrotas no Congresso. Não foram poucos os espetáculos circenses promovidos por sua equipe e pela capitã do time.

Vítima de sua própria incompetência, a atual gestão verá o Brasil encolher 10% em dois anos, sem que se tenha certeza de que o fundo do poço já chegou. Engolida pelo multibilionário esquema de corrupção que tragou inclusive seu criador para o olho do furacão, Dilma está à deriva. Já não governa, apenas sobrevive. E não há chance de que venha recobrar o mínimo nível de energia necessário para ser reconhecida como ‘presidente’ de fato. Dia sim, e outro também, recolhe-se no Palácio do Planalto com os assessores mais próximos para reuniões de emergência. Suas falas de improviso fazem corar de inveja os maiores comediantes de stand-up. Enquanto isso, o Brasil definha aqui fora.

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A queda de um governo corrupto e incompetente é necessária para o Brasil recobrar os sentidos. Mas não se iludam, o impeachment ou a cassação nem de longe resolverão nossos problemas, será apenas um passo de uma longa e árdua jornada. Qualquer que seja seu sucessor, será temporário, ao estilo Itamar Franco, altamente vigiado e com o objetivo de tentar arrumar minimamente a casa para que alguém assuma o gigantesco desafio em 2018. Receberá um país muito pior do que era em 2010.

O governo atual tem aprovação de 8%, 75% o consideram ruim ou péssimo, 67% apoiam o impeachment e 90% a operação Lavajato. Com um contingente tão grande, é óbvio que encontraremos nesse universo pessoas de caráter duvidoso, canalhas inclusive – o que não invalida a causa. A pressão popular pode mover montanhas e servir de exemplo para futuras gestões. Se não andarem na linha, o fantasma das ruas poderá assombrá-los e até derrubá-los. Que seja sempre assim de agora em diante. Aos nostálgicos que adoram citar FHC para justificar um erro com outro e sugerir que a justiça é seletiva ou partidária, apenas lamento que no milênio passado não houvesse ainda instituições tão amadurecidas, uma magistratura e um ministério público combativos e redes sociais que levassem notícias e opiniões a todos em tempo real. Se o petismo deu sorte ao governar o Brasil em um período de bonança global em seus primeiros anos, deu azar em locupletar-se de poder em um tempo onde as instituições e sociedade são menos permissivas. Dançou, e não foi por causa da oposição, frouxa e omissa como quase sempre. Não é o tucanato que lhes causa dor de cabeça, mas os milhões de anônimos que vão às ruas hoje para dizer: Basta!!

Que seja um dia de civismo pacífico e simbolize um ponto de inflexão na história do Brasil, para melhor. Às ruas, cidadãos.

 

 

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