Quando passamos um tempo nos chamados países desenvolvidos, logo vem à cabeça algumas comparações com o Brasil. A depender do gosto de quem avalia, o resultado delas pode variar, mas em um aspecto perdemos de goleada, independente das preferências individuais: a violência urbana.
Não sei exatamente quando nos convertemos em um país violento, que está no topo dos rankings dessa natureza em qualquer critério, mas a julgar pelos indicadores, foi uma escalada que veio junto com a urbanização e crescimento acelerado das grandes cidades.
De qualquer maneira, é um desafio sociológico explicar essa nossa natureza, sendo um povo conhecido por sua cordialidade. A violência, ou o medo dela, influenciam nosso comportamento cotidiano, sem que percebamos.
Casas de classe média protegidas com grades, portões com duas entradas, arames farpados, muros altos, seguranças particulares. Morar em uma residência de rua sem proteção beira à irresponsabilidade, algo absolutamente trivial pelas bandas civilizadas.
Carros blindados? Típicos das regiões em guerra, comuns também no Brasil, onde uma indústria se desenvolveu ao redor desse conceito.
“Não use o celular na rua ou na calçada, ou melhor, não o deixe à mostra” . “Como assim, não usar um celular na rua” ? Perguntaria um morador do hemisfério Norte, que também seria desaconselhado a andar com relógios caros no pulso…
Assalto à mão armada, sequestro relâmpago, fraudes, quem nunca foi vítima de algum desses crimes no Brasil? Infelizmente, após alguns anos de vida adulta, é praticamente certo que já tenhamos passado por isso ou na melhor das hipóteses, conheçamos gente próxima que vivenciou algumas dessas situações.
A violência faz parte da rotina no Brasil e estamos ‘conformados” com ela, tomamos como usual situações inaceitáveis em lugares mais civilizados. “Ah, mas ouvi de amigos que foram furtados na Europa, etc’. Verdade, trombadinhas, batedores de carteira e similares estão por toda a parte, mas a referência desse artigo se dá no aspecto” violência”, ou seja, a pessoa ser agredida ou ter a vida ameaçada por uma arma. Quem já passou por isso sabe o quanto essa situação é desagradável e mexe com o nosso emocional.
Voltando ao cerne da questão, porque somos uma sociedade violenta? A conversa da desigualdade social, comumente usada para justificar o problema, cai por terra diante de alguns fatos incontestáveis: há países mais pobres e tão ou mais desiguais que o Brasil com indicadores muito melhores que os nossos. O Nordeste, região em que houve ao longo das últimas décadas o maior crescimento de renda (e diminuição da desigualdade) também foi a que mais experimentou degradação nos indicadores de criminalidade, as cidades mais violentas do Brasil estão lá.
Também não adianta falar em posse de armas, as estatísticas sobre esse fator comparando diversas regiões mais flexíveis ou severas em relação ao assunto são completamente inconclusivas.
Tampouco compro a tese de que o brasileiro seja naturalmente mais criminoso, desonesto, fraudador que outros povos, uma explicação que para mim tem mais a ver com o nosso “viralatismo” do que com a realidade, esse complexo de inferioridade que por vezes torna-se mania nacional.
Embora o assunto mereça uma profundidade que não cabe em um simples artigo como esse, tal é a sua complexidade, eu arrisco um palpite: nossa violência urbana quase endêmica pode ser em grande parte justificada pela equação “risco x recompensa” .
Seres humanos racionais são inibidos a agir fora das regras quando tem ciência de que o risco de punição por infringi-las é alto. O inverso também é verdadeiro, a ausência de “castigo” ou o baixo risco de sofrer represálias por um mau comportamento, seguramente é um catalisador da criminalidade. A nossa complacência com pequenos e grandes delitos certamente é uma das causas raiz do problema.
Mas, se sempre fomos complacentes, porque somente de uns tempos para cá nos tornamos uma sociedade violenta? Eis uma pergunta dificil, cabe um palpite: com uma densidade populacional menor, pouca concentração urbana e um índice de interação social mais baixo havia menos oportunidades para florescer a criminalidade.
O fato é que temos diante de nós provavelmente o maior motivo de vergonha dentre todos os possíveis indicadores sociais disponíveis e comparáveis, e o que é pior, estamos ‘bovinamente’ acostumados com ele.
Não vejo no horizonte nenhuma perspectiva de melhoria, o que é bastante desanimador. Estamos a “Deus dará”, pois na prática é a providência Divina que determina nosso destino nesse assunto. Em terras brasileiras, com pouca exposição a lugares “pacíficos” , tudo parece dentro da normalidade. Basta um breve período experimentando o que é de fato normal para que essa faísca de indignação ganhe força. Não podemos jamais nos esquecer que nossa situação de violência urbana é inaceitável e injustificável, por mais que tenhamos que conviver com ela…
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Victor Loyola
Os textos refletem minha opinião pessoal sobre qualquer assunto, não há nenhum tipo de vinculo com corporações, grupos, ou comunidades. Comentários são extremamente bem-vindos. Me esforçarei ao máximo para fazê-lo um hobby permanente. No segundo tempo de minha vida, está definido que continuarei escrevendo. Se eu parar, de repente é por que eu surtei ou houve algum apagão de criatividade. Essa versão do blog está turbinada – é para ser mais agradável e acessível ao leitor. Há até um espaço para enquetes, uma maneira bem-humorada para encarar o mundo. Boa leitura!!!!!
1 comentário
Sonia Pedrosa
26 de abril de 2023 em 08:09Eu não tenho mais esperança dessa violência ter um fim, especialmente, quando governo e bandidagem se confundem. A gente não sabe quem é o mocinho e quem é o bandido. Estamos órfãos, abandonados, não temos a quem recorrer. A justicinha mequetrefe totalmente comprometida… enfim, só nos resta a fé em Deus e acreditar que Ele sabe tudo e só vai acontecer o que precisa acontecer.
Ainda assim, posso dizer que nunca sofri um roubo ou assalto em terras brasileiras. E olhe que eu morei no Rio por 15 anos e em São Paulo por 7. Mas já fui roubada em Atenas, num trem na Itália e em Berlim, quando entraram no nosso quarto do hotel e levaram o laptop de João Miguel, todos os documentos e remédios.