Reflexões covidianas IV – A curva achatada com pico no infinito e o vírus que fugiu da Europa…

Já são quase três meses de confinamento. Antes de tudo começar, junto com o ‘fique em casa’, ouvíamos também que precisávamos ‘achatar a curva’ para que o sistema de saúde pudesse se preparar e nenhum doente fosse deixado à margem de atendimento adequado. Todos compraram a ideia e muita gente incluiu a figura da ‘curva achatada’ nas fotos das redes sociais. Era um mantra.

Oitenta e cinco dias depois do caso 150 registrado no Brasil, a curva foi achatada em quase todos os estados. Pode-se verificar tanto no comparativo dos óbitos/MM do Brasil com outros países, como em gráficos comuns entre o estado de São Paulo e a Espanha.

O que não foi dito com tanta clareza é que a curva achatada implicava em uma subida mais demorada, ainda sendo percorrida, com uma descida provavelmente na mesma toada lenta. A agonia é estendida.

Hoje, não se fala mais da curva achatada. A mídia preferia, até há pouco tempo, destacar a pouca adesão da população ao confinamento. O nosso teria sido ‘meia boca’. Eu vou na contramão dessa conclusão e diria que o confinamento brasileiro foi realizado dentro das limitações inerentes a um país pobre onde muita gente não tem condições de moradia adequadas. E ruim ou bom, a curva foi achatada. Não era esse o objetivo, afinal? Por que não lembramos mais dela?

O ‘fique em casa’ também andou perdendo força com as crescentes manifestações mundo afora, criando aglomerações incompatíveis com o estágio da pandemia. Na Europa, recém saída de sua fase mais aguda,, pessoas se juntam em bares, parques, praças e praias, como se nada tivesse acontecido. Agora todos ‘são Suécia’. Nos EUA, há manifestacão dia sim e outro também, aglomerando milhares. E o vírus, alguém sabe dele?

A tal imunidade de rebanho, que segundo especialistas seria atingida quando 70% da população fosse contaminada, está muito longe de acontecer nesses países. Então se em pouco tempo não houver uma segunda onda de internações por la, há algo muito inusitado e desconhecido na progressão dessa doença que ninguém ainda entendeu.

Esse mistério seria somado aos pouquíssimos óbitos em território chinês, menos de 5000 e ponto final. Dá para acreditar? Equivale a poucos dias de óbitos no Brasil, EUA ou qualquer país mais populoso da Europa…

O vírus zomba dos especialistas que projetam sua trajetória. Tido como implacável matador, foi responsável por pouco mais de 30 mil óbitos na Itália, quando as previsões mais pessimistss apontavam para 300 mill. Ainda faltam 10 pandemias da mesma magnitude para se atingir esse número. E assim tem sido em todos os lugares.

No Brasil, embora tenhamos um quadro gravíssimo de saúde pública, com alguns estados em situação europeia de óbitos, estamos muito longe do apocalipse pregado antes da pandemia e mesmo assim estudos são liberados periodicamente prevendo algo muito pior do que a realidade nos desenha. Apesar dos sucessivos erros, ainda reverberam pela imprensa.

Projeções de que o nosso sistema de saúde iria colapsar até o final de abril foram feitas pela Harvard e até pelo ex ministro da saúde. Com raríssimas exceções, não colpasamos. Jáestamos em Junho sem sinal de que isso acontecerá.

É fato, porém, que essas notícias não áliviam nossa situação. A curva achatada com pico no infinito não dá sinais claros de arrefecimento. Seguimos a nossa sina. O vírus bem que podia nos dar um tempo e puxar o carro. Ou ficar mais fraco, como alguns alegam ser o caso na Europa.

A verdade é que cada vez mais fica evidente que a covid – 19 está humilhando governos, academias e especialistas. A impressão que se tem é que ninguém sabe nada e todos tem uma opiniao. Sobra convicção e falta informação e não raro ela chega enviesada.

Se a progressão da doença no mundo daqui para frente é incerta, a trajetória da economia é bem conhecida, será um desastre sem precedentes. Essa talvez seja a única certeza que a covid nos traz. Viveremos um pós guerra.

Por aqui, ainda no aguardo da descida. A notícia de 1382 óbitos em um Domingo é um baque e tanto. Enquanto isso, o site do Ministério da Saúde indica 505. Estamos à luz de velas, perdidos. Sabe-se lá o que virá na semana. Um hora esse maldito passa. Um dia a menos para o final da crise.

5 Comments
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5 Comentários

  1. Adriana

    8 de junho de 2020 em 09:49

    Perfeito!
    Não sei se acredito nos números da China, mas eles fizeram algo que outros países incluindo o Brasil não pensaram em fazer até agora..DESINFECÇÃO. pode ser trabalhoso mas não é impossível.
    Que usem fumacê, aviões, helicópteros que ao invés de produtos contra insetos ou água para apagar fogo, estejam carregados com produtos pra LIMPAR o virus do ambiente.
    China e Dubai fizeram isso.

  2. Christina Luna

    8 de junho de 2020 em 10:13

    Muito bom!

  3. Mozart Nino

    8 de junho de 2020 em 10:58

    O Osmar Terra, o Antony Wong entre uns poucos outros alertaram sim para o fator “tempo”, prologando a agonia. Salvando vidas? Talvez! Levando outras a óbitos? Muito provavelmente.
    Ouvi o dr Roberto Kalil falando de alas hospitalares com vagas e óbitos de pacientes com comorbidades várias em suas casas.
    Eles sempre defenderam a quarentena seletiva e a HCQ + ACT + Z.
    Quantos de nós “isolados” – e quando – iremos nos contaminar/imunizar? E aí estaremos nos 80%, 15%, 4% ou até o 1% da população dos quais a Bélgica está a 0,08% e nós abaixo de 0,02% de óbitos?

  4. Sergio Amed

    8 de junho de 2020 em 17:00

    Caro Victor,
    Parabéns pela análise sensata e pela pena leve. Obrigado por sua dedicação a esse tema tão espinhoso e por servir de luz em um ambiente de trevas.
    Abraço!

  5. Fabrizio

    8 de junho de 2020 em 21:07

    Victor, viva a liberdade! Desde que com responsabilidade.
    Estou na linha de frente, como anestesiologista, com perda financeira por conta do cancelamento de cirurgias eletivas.
    Uma das coisas piores que me acontecem é ver gente empinando o nariz e dizendo: “a vida é minha e faço o que quiser dela” e/ou ainda “não sei p/ que usar máscara, isolar-me, etc”.
    Visto o ocorrido na Itália, Espanha, EUA, etc e considerando nossas favelas, digo: que bom que a coisa não tem sido como julgamos poderia ser!
    Mas, pergunto: e não poderia estar ainda melhor se tivéssemos tido conduta mais sóbria de não subestimar o visto?
    Não nos esqueçamos que aqui no Brasil tivemos/temos sim locais caóticos.
    A coisa não terminou. O inverno está chegando (mais gente tossirá). Os números não estão em franco descenso.
    Que seja momento de desabafo teu.
    Questionamentos assim, parecem-me indução a menosprezar a gravidade.
    Vários países arrasados com as guerras, reergueram-se. A Alemanha por duas vezes!
    Só não se reergue, quem morre.
    O lockdown, isolamento, máscara, alcoolgel, espírito coletivo, etc, não são sinônimos de morte. Né?
    A Itália já experimenta novo grande aumento de casos, por reabrir o turismo.
    Minha bisavó contava que nunca achava que a guerra chegaria a Düsseldorf. Teve que um corpo cair do céu, quase em sua cabeça, para se convencer de que era melhor se proteger.
    Assim, o que mais falta para não cantarmos vitória antes da hora?

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