“No final, tudo acaba bem. Se não for assim, é por que o final ainda não chegou.”
Essa frase, de um otimismo genuinamente brasileiro, pode ser utilizada como ferramenta motivacional para situações de difícil solução. Em alguns lugares do mundo, porém, o tal final parece não chegar nunca.
O Chipre, terceira ilha mais populosa do Mediterrâneo (depois da Sicília e da Córsega), com quase 1.2 milhões de habitantes, vive nesse estágio de imbróglio eterno. Obtida sua liberdade do Reino Unido em 1960, a quem se vinculava como protetorado desde a segunda guerra, a ilha tornou-se um estado soberano e desde então a convivência de duas etnias historicamente antagônicas nunca foi fácil.
Os cipriotas de origem grega, representando aproximadamente 80% da população, eram majoritários, e muitos deles pregavam a união com a Grécia. Uma cláusula constitucional determinava que a vice presidência fosse ocupada por um representante dos cipriotas de origem turca, que compreendiam quase todo restante do país.
Após um período tenso de convívio sob essas regras, com a eclosão de alguns conflito internos, em 1974 um golpe pró helênico foi impetrado, com o objetivo de unir o Chipre à Grécia. A Turquia não aceitou e em represália invadiu a ilha, ocupando sua porção norte.
O que se seguiu foi um grande êxodo populacional: cipriotas de origem grega foram expulsos do norte da ilha e o mesmo se deu com os de origem turca ao sul. A parte norte auto proclamou-se independente como República Turca de Chipre do Norte, até hoje somente reconhecida pela Turquia, que enviou ao longo dos anos milhares de imigrantes para ajudar a povoar e dar solidez à população do novo ‘país’.
A comunidade internacional não reconheceu o Chipre do Norte e oficialmente o Chipre segue como um país invadido, onde o invasor acomodou-se em uma região hoje autônoma e que ocupa 36% do território. A capital, Nicósia, fica na fronteira entre ambas as regiões, sendo a última cidade do planeta com um muro que a divide ao meio, separando o país e suas duas etnias majoritárias.
Talvez o exemplo mais interessante da atualidade do conflito seja a cidade fantasma de Varosha, balneário localizado na região norte, que teve sua população, majoritariamente de origem grega, expulsa para o sul naquele verão de 1974. Quarenta e três anos depois, a cidade segue intacta e inabitada, como se tivesse parado no tempo. São comuns as histórias de famílias que tiveram que sair às pressas de suas casas e nunca mais retornaram.
Em 2004, o Chipre foi aceito na União Europeia, e um plano de reaproximação patrocinado pela ONU foi rechaçado pelos cipriotas gregos, por considerarem muito favorável aos vizinhos turcos. A questão do Chipre também foi o maior entrave para aceitação da Turquia na União Européia, pois a primeira não abre mão de patrocinar e proteger a República Turca de Chipre do Norte.
Desde 2003, o controle das ‘imaginárias’ fronteiras entre as duas regiões está mais flexível. Pessoas podem cruzá-las quantas vezes quiserem, mas ambas as partes ainda vivem em um conflito negociado, de solução dificílima, se não houver concessões mútuas. Os cipriotas gregos deveriam abdicar de vez do sonho de unir-se à Grécia, talvez algo mais factível após a sua derrocada econômica, afinal, seria estúpido incorporar-se a um país falido. Além disso, teriam que aceitar a minoria turca e fazer concessões políticas para os ‘invasores’. Do outro lado, os cipriotas turcos deveriam assimilar o ‘status’ de minoria em um estado majoritariamente grego e abdicar do apoio que recebem do imponente vizinho que os patrocinam.
Em termos práticos, não parece haver solução para essa pequena ilha de praias paradisíacas do Mediterrâneo. Não deixa de ser lamentável e uma grande demonstração de atraso da humanidade que duas etnias próximas (apesar de historicamente antagônicas) não tenham sido capazes de conviver harmonicamente em um mesmo lugar. Um exemplo atual de que a mesquinharia prevalece sobre a racionalidade.
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Victor Loyola
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