No dia 20 de Agosto de 2000, o então diretor de redação de um dos mais importantes jornais do Brasil, Antonio Pimenta Neves, resolveu dar cabo à vida de sua ex-namorada, a jornalista Sandra Gomide. O assasssinato ocorreu em um haras da família da vítima (em Ibiúna/SP), que foi alvejada pelas costas, com um tiro na cabeça e outro no ouvido. O homicida estava transtornado pelo fim de seu relacionamento, encerrado à sua revelia quatro semanas antes. Ali começava um emblemático exemplo brasileiro de impunidade e frouxidão.
Apesar de ser réu confesso, Pimenta Neves permaneceu em liberdade até o seu julgamento, que em primeira instância somente ocorreu inacreditáveis seis anos depois. Condenado a 19 anos de prisão, passou seis meses recluso e obteve o direito para recorrer da sentença em liberdade, pois segundo o Judiciário não representava ameaça à sociedade. Em Setembro de 2008, o Superior Tribunal de Justiça manteve a condenação e num arroubo de generosidade, reduziu a pena do assassino para 14 anos e três meses. Valendo-se da nossa legislação leniente, a defesa do homicida insistia na estratégia de protelar a decisão pelo maior tempo possível. Em outra deliberação suave, o Superior Tribunal de Justiça concedeu ao réu o direito de permanecer livre até que se esgotassem todas as possibilidades de recurso. Somente em Maio de 2011, quase 11 anos após o crime, o Supremo Tribunal Federal encerrou o caso, decretando a esperada e tardia ordem de prisão ao ex-jornalista. Àquela altura, a situação já era um exemplo veemente de impunidade
Após cumprir 1/6 da pena e com reconhecido bom comportamento, todo condenado tem direito à mudança do regime prisional para semiaberto. É a lei. Amena, mas a lei. Dessa forma, não foi surpresa a decisão judicial de conceder o regime semiaberto ao ex-jornalista assassino na semana passada. Assim, 2 anos e 3 meses depois de ser encarcerado por um crime cometido há 13 anos, Pimenta Neves desfrutará da parcial sensação de liberdade.
É isso. Não sou especialista no assunto, mas não me espantaria se o condenado desfrutasse de outras benesses até o final da pena branda a que foi submetido. Na minha cabeça simplista, um crime covarde como esse valeria pelo menos 30 anos de cadeia, sem atenuantes. O ex-jornalista, assassino aos 63, teria sorte se saísse vivo da penintenciária aos 93. Mas isso seria em um outro país.
No Brasil da impunidade e das leis frouxas, a Justiça também é desigual. É improvável que um réu de origem humilde e sem condições de contratar advogados de primeira linha conseguisse protelar a decisão final por tanto tempo. Por outro lado, é provável que nessas circunstâncias o mesmo réu receberia uma pena mais severa. Em qualquer situação ocorreria a progressão para o regime semiaberto após o cumprimento de 1/6 da pena. Hoje, para obter o mesmo benefício, são necessários 2/5 dela. Ainda é pouco. Não deveria haver mudança de regime para crimes hediondos. Tão simples quanto isso.
No Brasil, 8 em cada 100 homicídios são resolvidos. O assassinato de Sandra Gomide pertence a essa grupo. Desconheço as estatísticas sobre o desdobramento dos casos solucionados, mas a situação de Pimenta Neves, que nesse momento deve estar confortavelmente instalado em sua casa, nos dá boas pistas de como seriam…
Eu nutro uma série de incompatibilidades com várias práticas brasileiras, sendo que nosso caráter absolutamente tolerante com o malfeitio é de longe o que mais me irrita. Nosso código penal permissivo reflete esse viés cultural. O caso do Pimenta Neves conceitualmente é parecido com as intermináveis discussões sobre maioridade penal, tema onde somos campeões mundiais da mansidão. Infelizmente, não se vê no horizonte nenhuma possibilidade de mudança. No Brasil reina a impunidade e quando ela é destronada, tarda. Em um cenário como esse, há pouquíssimo espaço para a discussão da ‘assertividade’ das leis. Indignar-se, nesse caso, é como murmurar no deserto.
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Victor Loyola
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