Durante pouco mais de três anos, entre o final de 2005 e 2008, tive oportunidade de viver na Europa, inicialmente na Grécia e depois na Inglaterra, no período que antecedeu o pior cataclisma financeiro desde 1929 e permeado por um contagiante otimismo em todas as esferas da economia. Na época, ideias borbulhavam, iniciativas de novos negócios eram apresentadas a todo momento, a gastança nas empresas era nababesca. Havia a sensação de que qualquer empreendimento seria um êxito. O mundo estava fadado ao crescimento. Nunca experimentei nada tão próximo ao clima de euforia corporativa quanto naqueles tempos áureos.
A Grécia em que vivi certamente não é o mesmo país que atualmente namora a bancarrota. Seu crescimento no biênio 2005-06 foi algo em torno de 3.5%, dentro da zona do Euro somente inferior ao da Irlanda. Não havia sinais no horizonte de que em 2 anos o país estaria de joelhos, implorando por auxílio externo. Os gregos estavam muito otimistas em relação ao futuro…
A minha mudança para a Inglaterra deu-se também em decorrência desse período de ‘êxtase’. Eu trabalhava no Citibank da Grécia e em meados de 2006 o ‘head’ do banco na Europa assumiu a função de CEO global no britânico Barclays, que na época tinha planos de reforçar a sua ‘globalidade’. Logo a primeira leva de executivos do Citi se associou ao Barclays, atraídos por essa proposição expansionista e por pacotes extremamente ‘vistosos’ do ponto de vista financeiro. Eu surfei na segunda onda. Foram dezenas de executivos em condições similares. Pelo calibre das contratações, estimo que o banco britânico tenha gasto centenas de milhões de dólares, um montante inimaginável para os dias de hoje, que naquela época se justificavam pelas ambições desproporcionais de crescimento. Em condições normais, é muito difícil você conseguir dobrar a sua compensação em um movimento desse tipo. Mas não eram tempos normais, e sim de euforia.
E no dia a dia dos tempos de euforia, nada era frugal. Reduções de despesa não estavam em pauta. As convenções corporativas – e elas proliferavam – eram espetaculares. Fui a eventos em castelos, museus, até show de fogos no deserto próximo a Dubai eu presenciei. Tudo isso era parte da agenda desses encontros, onde dezenas de pessoas se reuniam por alguns dias para discutir os rumos do negócio. O auge foi um jantar de luxo no museu Rodin, em Paris. Apesar dos exageros, bastante associados à personalidade do CEO, essa fartura espelhava o humor corporativo da época. Vivenciei isso na Europa, mas imagino que em maior ou menos escala, o mesmo se passava ao redor do mundo.
Em Setembro/08, tudo mudou. A água cristalina tornou-se turva, o molho azedou, o vinho transformou-se em vinagre. Imediatamente após a quebra do Lehman Brothers, o mundo entrou em depressão profunda. Eu testemunhei essa metamorfose a partir de reações que desprovidas do contexto catastrófico que as explicassem, pareceriam esquizofrênicas. Pouco antes do Lehman ir à lona, recebíamos mensagens do CEO (ele novamente) em nosso ‘Inbox’, cobrando energicamente por maiores volumes de negócio. Algo do tipo ‘vendam mais, vocês não tem vergonha de apresentar esses números!’. Muito bem. Uma semana após o fatídico evento, a nova orientação era para resumir em não mais que uma página as ações a serem tomadas com o objetivo de ‘parar’ os negócios em todas as frentes. De ‘vender muito mais’ para ‘não vender nada’ em uma semana.
Estávamos diante do crepúsculo de uma era. Surpreendentemente, números horríveis descortinavam-se dos balanços das instituições financeiras. Como ninguém havia percebido isso antes? Talvez os poucos avisos não tivessem obtido a devida audiência. Todos se esbaldavam na balada da euforia, ninguém dava ouvidos a ‘ pessimistas’. O fato é que terminava ali era da suntuosidade. Grandes bancos, outrora poderosos e símbolos de credibilidade, tinham sua existência ameaçada por suas próprias debilidades ou pela interferência do governo, que em muitas ocasiões prestou a assistência que evitou o último suspiro.
O que se viu nas semanas seguintes foi um aperitivo do que seriam os piores anos da Europa desde os tempos da segunda guerra. Reduções de quadro, projetos adiados, cortes de custos, entre outros elementos de uma agenda puramente negativa, permeavam todas as organizações. A euforia deu vez à depressão. Até hoje, cinco anos depois, o cenário permanece pouco promissor. O período de otimismo irracional funcionou como uma maré cheia, que quando se retraiu deixou à vista inúmeros ‘acidentes geográficos’. Apesar da dita ‘marolinha’, o Brasil não ficou imune às consequências da bebedeira na fonte da euforia: temos exemplos domésticos bastante educativos, basta lembrar do desempenho da Petrobrás e das empresas do grupo ‘X’, casos mais conhecidos dentre uma dúzia de histórias parecidas.
Uma grande lição desse período: desconfie da euforia. Ela normalmente não caminha junto com a racionalidade e antecede períodos de grande turbulência. Se individualmente esse é um conselho relativamente simples, sob a ótica de uma empresa, trata-se de um desafio maior. Como não participar da festa? Ser comedido quando todos prometem expansão? Como explicar ao mercado o fraco desempenho de suas ações em virtude da falta de ambição? Não é tarefa simples remar contra maré. Mas pode ser recompensador. Enquanto quase todos estiverem sofrendo com a ressaca após o fim de festa, poucos estarão colhendo os frutos da lucidez do dia anterior.
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Victor Loyola
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