Capitalismo de compadre: sob fogo cerrado

O capitalismo de compadre, modelo econômico vigente no Brasil desde os primórdios, parece estar ameaçado pela primeira vez na história. Através dele, empresários privilegidos irrigam os bolsos de agentes do estado em troca de benefícios para suas empreitadas. A propina passa a ser o meio para obtenção de negócios escusos, camuflados em obras superfaturadas ou desnecessárias. Os agentes do estado, em quaisquer dos poderes, se acostumaram a um ambiente onde a partilha de um naco do bem público em beneficio próprio faz parte da normalidade, o conhecido patrimonialismo, praga que nos acompanha desde os tempos coloniais, herança de nossa terra mãe.

A combinação entre o capitalismo de compadre e nossa cultura patrimonialista gerou esse sistema arcaico patrocinador de um estado obeso, ineficiente e infestado de sanguessugas que sobrevivem às custas de maracutaias. No Brasil de sempre, os empresários eleitos e espertos eram reconhecidos como grandes homens de negócio, admirados pela malta e venerados pela mídia. Os agentes de estado que recebem os benefícios do mecenato criminoso enriquecem ilicitamente e usualmente, quando políticos, se reelegem às custas de campanhas caríssimas bancadas sob o fornecimento quase ilimitado de caixa dois, embasado na máxima do ‘é dando que se recebe’.

E assim viveu-se por séculos em terras tupiniquins, até que a operação Lavajato colocou um fim à farra, de maneira surpreendentemente assertiva e rápida, no melhor estilo ‘puxo um fio de cabelo e vem uma peruca’. Poucas vezes se viu tamanho apoio popular a uma causa pública, graças à ação resiliente e precisa da força-tarefa, que hoje se tornou incontrolavelmente sagrada à população. Para o desespero da politicalha e da banda podre do sistema, a Lavajato é imparável.

O fato de grandes expoentes do empresariado nacional, personagens bilionários e com egos não menos superlativos, estarem limpando latrina em presídios, sem previsão para sair, compartilhando de sua sina com políticos outrora poderosos e sem mandato, é uma clara demonstração de evolução. Ainda que envolto no caos, é possível sentir a esperança de que esse nosso lugar um dia ainda há de civilizar-se.

Está clara a ameaça ao capitalismo de compadre. Desde o Mensalão e agora com o Petrolão, fica evidente que os corruptores da iniciativa privada tem muito a perder. São presos com mais facilidade (não tem foro privilegiado) e imputados com penas maiores. Será que a mensagem não está explícita aos potenciais novos criminosos? O risco de punição severa aos que ousarem cruzar a fronteira da legalidade cresceu muito. Vale a pena arriscar? A resposta a essa pergunta pode comprometer o futuro antes sempre estável e previsível do capitalismo entre compadres. Uma parte do compadrio está pagando seus pecados no xilindró, e isso nunca esteve nos planos. Seremos eternamente gratos à Lavajato.

Porém, não há sinal de que do outro lado, a cultura patrimonialista tenha arrefecido. Agentes públicos continuam agindo como se o estado lhes servisse. Exemplos não faltam, para ficar em um simples e contraditório: o próprio poder Judiciário, sob o qual cresceu a operação Lavajato, é o poder que mais se vale de benefícios aqui e acolá que incham a folha de pagamentos de seus servidores a níveis completamente obcenos. O assunto, cada vez mais público, não é capaz de enrubecer a cúpula do poder em Brasília e nos estados. O que seria isso senão uma alta dose de patrimonialismo embutida na cultura da sociedade?

Resolver o problema do patrimonialismo levará tempo. Diferentemente do capitalismo de compadre, sob fogo cerrado, o primeiro sobrevive em nosso inconsciente coletivo. São séculos em que o estado serviu a interesses particulares, mudar essa cultura requer tempo e paciência. Nesse caso, o melhor remédio é diminuir o hospedeiro de tamanho: um estado enxuto e distante de negociatas reduz sensivelmente a epidemia de corrupção.

Precisamos seguir espancando o capitalismo de compadre até ele morrer, e ao mesmo tempo em que reduzimos o tamanho do estado, combater incessantemente a cultura patrimonialista. Assim, quem sabe, tenhamos um novo país em poucas gerações. Vida longa à Lavajato!!!!

1 Comment
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1 comentário

  1. Celso Recchioni

    2 de fevereiro de 2017 em 12:44

    Victor, como de costume um excelente texto que resume o cenário atual com precisão. Acredito que a visibilidade e apoio à Lavajato devem-se, entre outros fatores, à velocidade com que as informações são difundidas em redes sociais e outros meios de comunicação, além de políticas de compliance e mecanismos de rastreamento que facilitam o entendimento da transferência ilegal de recursos.
    Apesar de termos presenciado alguns episódios lamentáveis de “queima de arquivo”, é impossível ocultar o que já tenha sido publicado ou mencionado em delações.
    Concordo que estamos no início de um processo de aprendizado e ainda há um longo caminho a percorrer, mas estamos na direção certa.

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