Paulo Guedes veio a público contar das maravilhas que o dólar nas alturas traz à economia, um contraste em relação ao tempo em que ele era o posto Ipiranga do candidato Bolsonaro e divulgava os benefícios do mesmo dólar mais baixo, caso a vitória do capitão se materializasse.
Soubemos que uma delas será aumentar o turismo de empregadas domésticas em praias nacionais, já que a Disney deixou de ser um lugar factivel pelos custos abusivos ao pobre real enfraquecido. Mas quem precisa de um Mickey Mouse quando se tem um Beto Carreiro em moeda local, não é mesmo?
Asneiras à parte, a questão do dólar alto abre um leque de discussões sobre sua serventia. Afinal, qual a taxa de câmbio ideal?
Um dólar nas alturas beneficia exportadores, visto que os produtos brasileiros se tornam mais baratos. Quem vende para fora do país está rindo à toa. Também protege os produtos nacionais da concorrência externa, o que pode ser bom para as empresas locais, mas é ruim para o cliente final, que deixa de ter acesso fácil a produtos estrangeiros. A menor concorrência estimula a inflação, também impulsionada pelo custo maior de importação, muitas vezes insubstituível por alternativas nacionais. Os ativos brasileiros, baratos, tornam-se mais atrativos ao investimento estrangeiro.
Por outro lado, um dólar baixo favorece importações, um santo remédio contra inflação e também estimula viagens internacionais. Os ativos brasileiros tornam-se mais caros, desestimulando investimentos externos. Esses são eventos desfavoráveis na balança de pagamentos. Como contraponto, importações facilitadas geram investimentos em máquinas e equipamentos, o que tende a melhorar a produtividade da economia. Empresas locais precisam ser mais eficientes para competir em pé de igualdade com os estrangeiros.
Nas últimas décadas, experimentamos de tudo, desde uma situação inferior à paridade com o dólar, pouco tempo depois do Plano Real, até a cotação extrema de 4:1 no início da era lulista, que reajustado aos dias de hoje seria equivalente a quase 8:1. No momento atravessamos um período de alta, mas que normalizado pelo poder de compra da moeda, está ainda longe do recorde histórico.
Determinar o ponto ótimo da taxa de câmbio é uma missão impossível, assunto para o qual é muito difícil obter a convergência de economistas. Aliás, dentre todas as variáveis macroeconômicas, o câmbio é provavelmente a mais imprevisível, pois está sujeito a inúmeros fatores exógenos, fora do controle da política econômica de governos e bancos centrais.
A taxa Selic, em seu momento de baixa histórica, está remunerando menos o investidor estrangeiro, que não vê compensação em trazer seus recursos ao país para um rendimento marginal. Existe a percepção de que o retorno do investimento não compensa seu risco. Por outro lado, taxas de juros nesse nivel sempre foram o sonho de consumo de qualquer governo brasileiro, que economiza bilhões com o serviço de sua dívida. Ou seja, o movimento de baixa na Selic, saudável para a economia, reduz a entrada de dólares no país, desestimulados pelo menor rendimento, e com isso pressiona o câmbio para cima. Trata-se de um efeito colateral decorrente da melhoria de fundamentos econômicos.
Também vivemos tempos de volatidade global: a guerra comercial entre China e EUA, o Brexit, o Corona vírus. Nesses períodos, o capital tende a fluir para portos seguros e abandonar os emergentes. Há, portanto, um fluxo natural para países de risco mais baixo, sendo os EUA o melhor exemplo. A situação também pressiona a desvalorização do real.
Não é um cenário que deve mudar no curto prazo. Seria inócuo o Brasil queimar suas reservas em dólar para proteger o câmbio, trata-se um período de alta, mas não descontrolado. Com o tempo, caso o Brasil consiga melhorar a percepção de risco, é possível reverter parte dessa tendência.
Um investidor sempre analisará onde colocar seu dinheiro sob a perspectiva do ‘risco x recompensa’, se a segunda for baixa, necessariamente o risco deve acompanhá-la. Nesse quesito, há muito por evoluir. É consenso que a economia brasileira é travada por um estado ineficiente. Reformas administrativa, tributária e microeconômicas são indispensáveis. A atual administração precisa ser reformista. Resta saber se estão dispostos a assumir o protagonismo de conduzir pautas complexas e desgastantes. A tentação de surfar a marolinha das notícias timidamente melhores é grande.
O governo simplesmente não tem controle absoluto sobre o câmbio e seu estágio atual é decorrente de notícias boas (juros baixos), passageiras e imprevisíveis (cenário externo) e uma percepção ainda negativa sobre a sustentabilidade das mudanças no país (‘risco x recompensa’), que só pode ser melhorada com mais reformas…
Não há um certo ou errado para o câmbio. Historicamente, difundiu-se a ideia de que dólar baixo é melhor. De fato, nos traz uma sensação de riqueza, particularmente quando viajamos ao exterior, mas também proporciona seus efeitos colaterais. A situação reversa também carrega boas e más notícias.
O exemplo das empregadas domésticas foi absolutamente infeliz e se prestou apenas a intensificar as manchetes negativas, debochadas e memes da oposição. O ministro caiu na armadilha das metáforas rasas, incapazes de explicar situações complexas. Que seja mais feliz em suas declarações futuras, pois na última semana mordeu a lingua em duas ocasiões.
E o câmbio? Deixemos ele flutuar, sem comemorações. O que importa são as reformas!
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Victor Loyola
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