Ganhei um dia em Londres, graças aos atrasos da British Airways ( veja artigo anterior). Na verdade, algumas horas, por que ‘seguro morreu de velho’ e planejava estar no aeroporto com bastante antecedência. De qualquer maneira, um tremendo presente: bater perna, sem compromisso. Quem acompanha esse blog sabe da minha admiração por essa cidade, capital do mundo, onde vivi nos longínquos anos de 2007-08. Reencontrá-la é sempre um prazer, apesar dos preços hostis à debilitada moeda brasileira.
Começo a manhã, surpreendentemente ensolarada, caminhando por Marble Arch. Entro no Hyde Park, o principal entre os inúmeros parques londrinos, e faço um trajeto em diagonal. Pretendia ir à região dos museus, em Kensington. A vegetação do lugar ativa a minha memória olfativa. Seria capaz de reconhecer a cidade mesmo vendado e com desvio de septo. Saio a área verde e tomo a Queens St. em direção ao museu de História Natural. As construções tradicionais ao estilo vitoriano não envelhecem. Londres tem poucos edifícios com cara de ‘anos 70’, horrorosos. Felizmente, prevalece a arquitetura que a torna especial. As ruas de casas todas em branco contrastam com as de tijolo à vista. Meu objetivo era pegar o metrô em direção a algum lugar, ainda não definido. Uma maravilha caminhar sem destino certo, mesmo que brevemente.
Antes de entrar no metrô, passo em uma ‘Pret a Manger’, a minha preferida entre as lojas/cafés com sanduíche natural, são várias marcas típicas na cidade (Starbucks, Café Nero, Costas, dentre outras). Um sanduíche de presunto parma, a sopa do dia (outra vantagem londrina, a fartura e variedade das sopas em qualquer lugar), uma limonada com gengibre e está feito meu almoço, revivendo o passado. Vou para estação South Kensington, compro meu chocolate britânico favorito, paladar também tem memória e saudade, e enfim resolvo o que fazer: tinha umas três horas, tempo suficiente para eu dar uma olhada no ‘Museum of Imperial War’, que havia visitado uma vez. Teclo no google e ele me indica o local próximo a estação Westminster, nem tão longe dali.
‘Mind the gap, between the train and the platform’. Quantas vezes não ouvi essa frase. Agora era minha memória auditiva sendo acionada, também pelo inconfundível barulho dos trens. Londres e seu transporte público fácil, democrático e eficiente. A primeira estação de metrô foi inaugurada em 1885. Melhor não fazer comparações. Saio diante do Big Ben, próximo ao Parlamento, e sigo o mapa. Não me recordava do museu naquela região, mas fui adiante. Três quadras depois, constato o erro. Estava diante do ‘Churchill War Cabinets’, uma unidade do museu que pretendia visitar, mas não o próprio. Era o bunker onde o notável primeiro ministro inglês permanecia com sua equipe durante os bombardeios alemães. Junto dele, um museu sobre Churchill. Já havia visto um documentário sobre o local recentemente e ainda não o conhecia. Cheguei por engano.
A entrada custa £19 e você recebe um áudio que lhe guiará através dos diversos cômodos subterrâneos, todos impecavelmente preservados com a mobília e decoração da época, complementados com a presença de bonecos muito bem caracterizados fazendo às vezes dos personagens históricos. Percebe-se que muitas das decisões mais importantes do século passado foram tomadas em ambiente frugal, de conforto mínimo, se comparado aos padrões atuais. Ali, em uma área limitada embaixo da Terra, Winston Churchill preparava os discursos que estimularam a resiliência britânica nos tempos mais difíceis da guerra, quando estiveram na iminência de sucumbir aos nazistas. Também podemos ver o pequeno balcão de onde ele conversava com outro gigante, Franklin D. Roosevelt, do outro lado do Atlântico, bem-vindo aliado que tornou-se protagonista após o ataque japonês a Pearl Harbour. Segundo Churchill, o maior amigo que o Reino Unido já teve. A franciscana sala de refeições, a apertada sala de conferências, uma modestíssima cozinha e outros cômodos estão lá, intactos. Tempos de guerra, sem nenhuma opulência. Não sabemos o que é isso. Não esse tipo de guerra. Também não sabemos o que significa preservar a história ( penso no Museu do Ipiranga, coitado, tão maltratado, ameaçado de cair e fechado até 2022…).
O local ainda nos brinda com um grande espaço sobre a vida do maior britânico de todos os tempos, segundo os próprios. Na entrada, um grande painel com o seguinte texto:
‘A segunda guerra mundial deu a Churchill o seu lugar na história.
Como Primeiro-Ministro, ele liderou o Reino Unido desde a quase derrota até a vitória final.
Nessa função, ele tornou-se símbolo do que deveria ser uma liderança forte.
Se sua vida tivesse terminado somente alguns anos antes, ele poderia ter sido lembrando como um brilhante equívoco, um político controverso que nunca atingiu seu pleno potencial, e fez tantos inimigos quanto amigos.
Essa exibição mostra o homem real por trás do mito’
Li os seus seis volumes sobre a segunda guerra, que lhe proporcionaram o prêmio Nobel de literatura. Foi de fato um personagem controverso e admirável. Um líder nato, particularmente em tempos de guerra. Não fosse por sua incontestável liderança, muito provavelmente o Reino Unido teria tombado diante dos nazistas, com consequências incertas para o futuro da humanidade. Outra vez, melhor não fazer comparações com a escassez de lideranças políticas pelas bandas tropicais. Nenhum que chegue perto da envergadura de um Churchill, nem de longe.
Talvez o elemento mais interessante de sua biografia tenha sido o fato de que foi alçado à condição de primeiro ministro no momento mais delicado da história britânica, aos 65 anos. É como se toda sua longa trajetória anterior, errática sem ser brilhante, tivesse existido somente com o intuito de prepará-lo para o seu tardio apogeu. E quando surgiu a oportunidade, ele a abraçou com excelência.
Nunca é tarde para fazer história. Nem para mudar a história. Londres e suas surpresas extraordinárias…
Abaixo as fotos do meu dia com Churchill. Um programa imperdível para quem for a Londres.
Telefone de onde Churchill conversava com Roosevelt
Dormitório do Primeiro Ministro
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Victor Loyola
Os textos refletem minha opinião pessoal sobre qualquer assunto, não há nenhum tipo de vinculo com corporações, grupos, ou comunidades. Comentários são extremamente bem-vindos. Me esforçarei ao máximo para fazê-lo um hobby permanente. No segundo tempo de minha vida, está definido que continuarei escrevendo. Se eu parar, de repente é por que eu surtei ou houve algum apagão de criatividade. Essa versão do blog está turbinada – é para ser mais agradável e acessível ao leitor. Há até um espaço para enquetes, uma maneira bem-humorada para encarar o mundo. Boa leitura!!!!!
8 Comentários
Márcia
25 de junho de 2016 em 17:08Parabéns…..além da brilhante habilidade para escrever, você tem um conhecimento incrível!!
Angelica
26 de junho de 2016 em 16:54Visitei os Churchill War Cabinets ha 3 anos atrás e foi um dos meus programas favoritos que fiz em Londres! Interessante que não recebe a mesma publicidade que as outras atrações turísticas por lá, mas me deu um ótimo insight sobre a WWII que eu não tinha. Valeu pela boas lembranças que o seu texto me trouxe!
Rolf Henrique
28 de junho de 2016 em 13:43Victor, excelente texto e reconhecimento a este grande vulto histórico. sou também um grande entusiasta da WWII e agradeço pelas fotos
Victor
29 de junho de 2016 em 12:50Rolf, ja leu Inferno – O mundo em guerra, de Max Hastings? Fantastico sobre a WW2
Ione Laruccia
28 de junho de 2016 em 18:38Me senti lá.
O toque nostálgico é típico de Londres.
Muito bem descrito.
Wagner victor
28 de junho de 2016 em 23:57Excelente museu. Algo que todos deveriam ir quando em Londres. Não há como dissociar a historia da WW2 e Churchill. A liderança no momento certo, garantindo o esforço de guerra britânico até o inicio da virada por parte dos aliados.
sonia pedrosa
24 de abril de 2018 em 13:49Que texto maravilhoso, Victor! Compartilho desse seu interesse por Churchill! Grande personagem!!!
Victor
25 de abril de 2018 em 03:16Obrigado, Sonia!!!