Na semana passada eu postei um artigo do WSJ em que o autor criticava a efetividade dos ‘lockdowns’ como estratégia de contenção da pandemia, a partir de dados coletados nos 50 estados americanos. O texto foi bastante comentado e compartilhado, mas alguns deles colocavam no mesmo balaio o ‘lockdown’ e o ‘distanciamento social’, o que é um grande equívoco.
Mesmo nos países que não adotaram ‘lockdowns’ estritos como Suécia, Coréia do Sul e Japão, as recomendações de distanciamento social foram disciplinadamente seguidas pela população. Então, não vamos confundir as coisas. Na Suécia, por exemplo, aglomerações com mais de 50 pessoas nunca foram permitidas e regras de distanciamento e lotação foram adotadas desde a eclosão da pandemia em bares e restaurantes, para ficar nos exemplos simples.
Também é verdade que no Brasil não houve um ‘lockdown’ tão rígido quanto nos países do hemisfério norte, mas na opinião desse escriba, foi feito o que era possível. Países do hemisfério Norte não tem metade da população sem saneamento nas residências. Há de se compreender que para muita gente em nosso mundão tropical, confinar-se nunca foi uma alternativa viável.
O ponto alto do artigo, mesmo fazendo parte da ‘engenharia de obra pronta’ é contestar as verdades absolutas. Descobrimos tardiamente que o conhecimento sobre esse vírus ainda é baixíssimo, tal qual a fórmula correta para contê-lo. Há poucos meses, qualquer voz dissonante contra o então senso comum era criticada como heresia. Onde já se viu contrariar a ciência? Pois bem, quando a própria ciência não tem certeza de nada…
Agora, é importante dizer que em nenhum momento houve qualquer dúvida sobre a necessidade de distanciamento social em uma situação de pandemia como essa. Somente quem está fora do seu ‘juízo normal’ poderia contestar essa recomendação. Mesmo não havendo confinamento, todos os cuidados protocolares deveriam ser adotados para evitar a disseminação da doença.
Houve também quem afirmasse que Bolsonaro estava com a razão, no que discordo amplamente. Primeiro, porque em nenhum momento o governo federal apresentou qualquer alternativa ao que se configurava nos estados, preferiu a retórica à prática. Mesmo que a deliberação final sobre mobilidade estivesse nos estados e municípios, quem tem a chave do cofre é o governo federal e um plano razoável, com boa influência, poderia ser bem aceito. Segundo porque o presidente algumas vezes se misturou à população sem o menor cuidado, incentivando aglomerações completamente desaconselháveis. Foi no mínimo irresponsável (Hoje o DF caminha para ser uma das piores unidades da federação em óbitos acumulados). E finalmente, em nenhuma ocasião o chefe de estado mostrou empatia pelas vítimas – que devem ultrapassar logo a fronteira dos 150 mil – o que corrobora para a tese dos que negligenciam a severidade da pandemia, cujo excedente fará o total de óbitos no Brasil incrementar +15% no período, algo bastante grave para ser ignorado.
Então, os bolsonaristas que me desculpem, mas o presidente sairá dessa pandemia menor do que entrou, por mais que os índices de popularidade digam o contrário, turbinados pelo auxílio emergencial. Me refiro ao aspecto ‘liderança institucional’, que na minha opinião, deixou muito a desejar. Isso obviamente é uma opinião pessoal e não reverbera na maioria da população, que avalia os governos sob a ótica do impacto imediato no bolso.
Voltando ao artigo do WSJ, ele também informa que os estados que fizeram a reabertura mais intensa não tiveram repiques indesejados de uma segunda onda até o momento. Isso traz luz às nossas preocupações atuais com as aglomerações em bares e praias Brasil afora. Vivemos hoje uma situação parecida com a experimentada pela Europa em Junho, quando as pessoas literalmente saíram da ‘toca’ para aproveitar o verão. Já rompemos o mês de Setembro e embora tenha havido incremento no número de casos em vários países, o que é normal, uma vez que o vírus não vai embora, o aumento nos óbitos tem sido irrelevante. Então, se a segunda onda se restringir a um aumento de infectados e quase nenhuma letalidade, podemos nos considerar em ‘águas tranquilas’. É sensato esperar algo parecido para o Brasil, a ver como caminham os indicadores nas semanas seguintes a esse feriado da independência.
Talvez o ‘fechamento’ das cidades tenha sido muito rigoroso e pouco efetivo. Ações ‘horizontais’ que envolvem toda população de forma irrestrita normalmente são piores do que as ‘segmentadas’. A decisão dos ‘lockdowns’ foi tomada sob grande pânico em relação às notícias que vinham da China e depois da Itália, com pouquíssima informação consistente em mãos, algo que poderia ser utilizado nas Américas, impactadas algumas semanas depois. Preferiu-se a receita de bolo adotada por quem sofreu antes.
É compreensível a confusão por se tratar de situação inédita em nossos tempos, mas espera-se que tenhamos aprendido ao longo dessa pandemia para que erros significativos não voltem a se repetir no futuro, e possamos evitar sempre a ‘ditadura dos donos da verdade’, que surgem aos montes com a legenda de ‘defensores da ciência’, mas que em boa medida entendem tanto do vírus quanto o cidadão comum de física quântica.
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Victor Loyola
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