A ameaça de um processo de impeachment rondava o Palácio do Planalto há meses e tornou-se realidade essa semana, após a sinalização de que a chantagem de Eduardo Cunha sobre o governo seria em vão. Poucos são os ingênuos que acreditam nos interesses republicanos do presidente da Câmara, encrencado até o pescoço com a operação Lavajato e em vias de ter a cassação de seu mandato votada em plenário. Mas o fato do processo ter sido ativado por uma vingança pessoal não invalida o conteúdo do pedido. Fosse assim, não existiria a delação premiada, sempre capitaneada por um criminoso. Elimina-se então o primeiro argumento da turma do ‘mimimi’, que vocifera contra o processo de impeachment desqualificando a integridade do ‘mensageiro’.
Impedimento tampouco é golpe, como alardeiam superficialmente os governistas. O vitimizado PT entrou com processo de impeachment contra todos os presidentes da república não petistas. Cabe ao presidente da Câmara avaliar a solicitação com base nos preceitos constitucionais e ao seu plenário, e posteriormente o do Senado, julgá-la. Tudo previsto na Constituição. Ou será que Fernando Collor foi vítima de um golpe perpetrado pelo então adversário e hoje aliado PT?
O pedido do impeachment baseia-se na acusação de que o governo descumpriu a lei da responsabilidade fiscal em 2014, atrasando bilhões em pagamentos a bancos públicos para maquiar a contabilidade oficial. É fato, a lei foi descumprida e em larga escala, como nunca antes na história desse país. Para essa verdade, os defensores do governo contrapõem dois argumentos: o primeiro, tradicionalíssimo, é que todo mundo pedalou, e que trata-se de uma prática corriqueira. A velha retórica do caixa-dois utilizada no Mensalão; já que todo mundo faz, deixa para lá. Se for assim, para que existe a lei? O fato dela ser frequentemente descumprida a anula? Obviamente que não. A impunidade, em um caso desses, simplesmente tornaria inócua a lei da responsabilidade fiscal e abriria precedentes perigosos para o futuro. ‘Mas a perda de mandato é uma punição muito severa’, bradam alguns. Ok, um puxão de orelha na Dilma estaria de bom tamanho então. Poupem-nos. Em um país institucionalmente forte, o governante que descumpre a lei perde o mandato. O segundo argumento é de um ‘juridiquês’ rasteiro: como o crime foi cometido no mandato anterior, a pena não pode ser aplicada no atual, por se tratarem de gestões distintas. Se isso valesse, estaria legalizada a ‘farra’ no último ano de mandato para todos os governantes do Brasil. Não tem cabimento. De qualquer maneira, a peça produzida pelo jurista Helio Bicudo também inclui as pedaladas cometidas pelo governo no primeiro semestre de 2015, já no mandato atual. Ou seja, mesmo ciente do descumprimento da lei em 2014 e da ameaça de reprovação em suas contas, o governo insistiu nas suas práticas ilegais. É pouco?
Dito isso, está claro que há elementos para o impedimento e que os mesmos são muito mais relevantes que um Fiat Elba usado para lavar dinheiro, fato que deflagrou a queda de Collor. Mas, como sabemos, esse processo é eminentemente político. Apesar de estar respaldado por acusações incontestáveis de contravenção, sua aplicação ainda depende da (duvidosa) maioria de 341 parlamentares para ser aprovada na Câmara e depois ser ratificada no Senado.
Muitos temem que o maior beneficiário de uma possível queda da Dilma seria o ex-presidente Lula, crendo no mito de sua infalibilidade no imaginário popular. É a ‘lulofobia’, mal que atinge muita gente sensata. Eis um medo desnecessário. O ‘ex-descobridor’ do Brasil não é mais o ‘cara’. Voltemos um pouco no tempo. Lula reelegeu-se em 2006 no segundo turno, após a oposição, frouxa como sempre, ter passado a mão na sua cabeça por ocasião do Mensalão. Não contavam com a recuperação econômica, fundada nos mesmos pilares utilizados no período FHC. Em 2010, com a economia pujante e impulsionada por uma década de ‘boom’ das commodities, a mobilidade social e a sensação de bem-estar tornaram o petista um ‘midas’ da política, a ponto de criar e eleger postes. As circunstâncias da época realmente lhe concederam o poder de escolher quem quisesse para sucedê-lo. Foi aí que começou sua derrocada. Dilma não herdou um país em frangalhos, mas o despedaçou ao longo de quatro anos. Se o Lula um dia foi o ‘midas’ da política, sua sucessora foi o ‘midas’ às avessas da economia; onde ela tocava, estragava. Mesmo assim, até o final de 2014, o nível de emprego manteve-se resiliente, apesar da economia já estar estagnada. Esse fator, aliado ao latifundiário tempo de TV, obtido de uma aliança tão ampla quanto a quantidade de envolvidos no diversos escândalos de corrupção, e uma propaganda tão eficiente quanto mentirosa, concederam o segundo mandato à Dilma, por uma vantagem mínima. A crise econômica atual, a mais grave desde 1930, foi plantada pela presidente e endossada por seu criador, cuja imagem estará eternamente vinculada à criatura. Todos sentem seu efeito. O petrolão e suas derivações escancaram as práticas ilícitas do petismo e se aproximam perigosamente do pai da crise. Não há lenda que resista. Estando ou não no poder, Lula e o PT seguirão na vitrine ao longo dos próximos anos, alvejados pelas sucessivas acusações de bandalheira. Em 2018, o PT não terá muito tempo de TV e será a ‘Geni’ das eleições. Não há João Santana que dê jeito. E Lula, se ainda estiver gozando de saúde e liberdade, não será sombra do que já foi um dia. Seu discurso ‘bravateiro’ do ‘nós x eles’ não tem mais efeito, envelheceu. As pessoas estão cansadas do mar de lama que as cercam e impactadas pela crise, cuja paternidade é conhecida. Portanto, amigos ‘lulófobos’, não temam. O Brasil pode até insistir em opções erradas, mas elas passarão longe do petismo.
Há ainda a teoria do ‘ quem pariu a crise que a embale’, que baseia-se na crença de que seria mais instrutivo ao país sofrer até 2018 para que não haja a mais remota possibilidade de reeleger o petismo. Há um quê de ‘ lulofobia’ nesse argumento, que seria diferente se o ex-pai da nação estivesse fora da cena política. Esse pensamento sustenta que é mais legítimo surrar o PT nas urnas daqui a três anos, após estarmos exauridos com a pior administração da história do Brasil, do que removê-los hoje. Esse governo, como já sabemos, é incapaz de debelar a crise. Sua líder, incapaz de gerenciar. A manutenção dessa administração seria uma agonia lenta e dolorosa para todos. Não resta dúvida de que o petismo chegaria ao final do mandato desprovido de qualquer possibilidade de protagonismo eleitoral, e nem com toneladas de mortadela conseguiria mobilizar a militância, mas eu divirjo dos defensores dessa tese por entender que não podemos perder mais tempo. Urge mudar e rápido, existe uma possibilidade institucional e legal que nos permite essa oportunidade. Vamos abraçá-la.
Uma outra ‘fobia’ relaciona-se ao potencial discurso de vitimização do PT e das possíveis nefastas consequências institucionais do afastamento de uma presidente sob alegações de que foi injustiçada. A postura de ‘coitados’ e ‘perseguidos’ seria amplificada nos meios de comunicação e redes sociais e isso proporcionaria uma recuperação da imagem do PT e quem sabe poderia alçá-los à condição de favoritos para eleição de 2018. Considero essa leitura equivocada, além de exagerada. A crise econômica e moral não pode mais ser dissociada do PT, mesmo que eles deixem o governo pelas portas dos fundos. Lembrando que uma vez alijados do poder, o petismo não mais será detentor da máquina pública, que costuma proporcionar benesses em períodos pré-eleitorais. Sem essa boquinha e tomando pedrada de todas as direções, o destino lhes reservará um desempenho pífio..
Cabe ainda comentar o argumento de que um governo capitaneado pelo PMDB não seria confiável. Ok. Mas e daí? Quem é confiável hoje em dia? O discurso do ‘são todos iguais’ perpetua a mediocridade. Em que pese o fato do PMDB ser um partido conhecido por seu fisiologismo e apego desmedido ao poder, em um governo de transição teriam que buscar apoio de todos os setores da sociedade e seriam extremamente vigiados. Não tenho a menor dúvida que a filosofia do Tiririca se aplica a qualquer governo sem o PT: pior que está, não fica. Por outro lado, mantido o status-quo, piorará mais antes de melhorar.
O Brasil já enfrentou esse processo há 23 anos e o superou com facilidade. Hoje, suas instituições estão muito mais sólidas. Não há motivo para achar que elas seriam traumatizadas. É claro que sempre é melhor não passarmos por isso, mas não podemos esquecer de quem nos trouxe até aqui: um governo incompetente, fraco e impopular.
De qualquer maneira, apesar da janela de oportunidade para encurtar o nosso sofrimento estar aberta, o impeachment dificilmente vingará se não houver um massivo apoio popular. Se as ruas não soltarem a voz em alto e bom som, a maioria pró-impeachment não atingirá os 341 votos necessários e retomaremos a vida como antes. É inegável que as opções futuras como alternativa de poder são escassas e aquém do que o Brasil necessita, particularmente em uma situação tão difícil, quando as lideranças são colocadas à prova a todo momento. Mas com limões só é possível fazer limonada e a que temos hoje está azeda demais. Hora de mudar os limões. Às ruas, cidadãos.
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Victor Loyola
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