Certo dia, quando eu voltava do trabalho em Londres, caminhando da estação de metrô até minha casa, no tranquilo bairro de Chiswick (zona oeste da capital britânica), fui surpreendido por uma placa amarela, relativamente grande, instalada na esquina da quadra onde eu morava, com uma frase que dizia mais ou menos assim: ‘Ontem, nesse local, uma mulher foi rendida por quatro homens, que a jogaram no chão e roubaram a sua bolsa. Estamos trabalhando para encontrá-los, caso você tenha alguma informação útil a respeito desses delinquentes, favor entrar em contato com a polícia’. Essa placa ficou instalada no mesmo local por quase uma semana, e na minha memória para sempre.
A primeira sensação que eu tive foi de espanto. Em 36 anos, jamais havia visto algo semelhante. Depois, veio a satisfação. Afinal, eu pagava impostos no Reino Unido, e no mínimo aquele episódio me dava a impressão de que eles eram bem utilizados. Finalmente, veio a frustração. Imaginei a mesma prática em São Paulo, no Rio ou em qualquer grande cidade brasileira, e concluí com certa contrariedade que teríamos pouca calçada no meio de muitas placas.
Isso não significa que a polícia encontrou os assaltantes. Do mesmo modo, a ideia de que não há crimes no primeiro mundo é equivocada. Não faltam batedores de carteira nos metrôs das principais cidades européias. Eu inclusive tive meu carro arrombado quase na frente de casa, em Londres. Porém, é fácil constatar que segurança, nesses casos, é uma questão de Estado, e não religiosa.
Segurança é uma questão religiosa?
Sim. No Brasil, por exemplo, como o Estado não cuida do assunto, estamos mesmo nas mãos de Deus.
De acordo com informações fornecidas pelo Ministério da Justiça brasileiro, somente 8% dos casos de homicídio são resolvidos. Nos EUA a resolução atinge 65%, para citar uma comparação com um país desenvolvido. Se extrapolarmos essa estatística para o percentual de assassinos que efetivamente são presos, julgados, condenados e que permanecem encarcerados por pelo menos 10 anos, teríamos vergonha dos nossos números. Melhor nem tocar no assunto, pois chegaríamos a conclusão de que no Brasil, a probabilidade de um homicida passar uma temporada de alguns anos no xadrez é estatisticamente irrelevante.
Em um ranking de quase 120 países sobre taxas de homicídio, liderado por El Salvador, o Brasil ocupa a ‘desonrosa’ 14° colocação entre os mais violentos do planeta, com 23 homicídios para cada 100k habitantes. No Japão, o antepenúltimo da lista, esse índice é de somente 0,4. Há mais de 80 países onde se respeita a vida, com o indicador no máximo igual a 5 homicídios para cada 100k habitantes. E para sossegar os simplistas ideológicos que insistem na teoria fajuta de que a violência é causada pela miséria e desigualdade social, nessa lista de 80 países, boa parte é pobre e desigual. Ou esse não seria o caso da Índia, Turcomenistão, Azerbaijão, Líbia, Marrocos, Armênia, entre outros?
Obviamente que em um país de dimensões continentais como o Brasil, as variações são grandes. Na capital e estado mais violentos (Maceió e Alagoas, respectivamente), a taxa de homicídio é de 67, próxima a de El Salvador. Já o melhor desempenho de um estado fica por conta de Santa Catarina, cujo índice é 12,9 e, pasmem, São Paulo é a capital menos violenta, com índice de 13. Ambos os casos não indicam ainda um nível ‘civilizado’, mas merecem mais elogios que críticas, pela formidável evolução, principalmente no exemplo paulistano (redução de 80% no índice de homicídios em uma década). Os papagaios da miséria e desigualdade como causa da violência também são derrotados pela realidade brasileira. Nos estados do Norte e Nordeste, regiões onde a renda mais subiu e a desigualdade mais caiu nos últimos anos, experimentou-se uma escalada sem precedentes na quantidade de homicídios.
Se houvesse um indicador denominado ‘índice de respeito à vida’ e que fosse composto pela taxa de homicídio, probabilidade de resolução do crime, do criminoso ser preso e de permanecer preso por ao menos uma década – ou seja, uma conjunção de quatro situações, eu não tenho dúvida de que o Brasil apareceria entre os piores classificados no mundo. Alguém discorda? Fica a sugestão do indicador para teses de sociologia e ‘bureaus’ de informação. Aliás, o governo bem que poderia utilizar algo similar como parâmetro para estabelecer metas ousadas na redução da violência. Mas aí já seria esperar demais…
Esse é o tema que mais incomoda aqueles que retornam aos trópicos após uma temporada no exterior, gerando inclusive um questionamento íntimo sobre a decisão do retorno. Eu particularmente me pergunto por quantas gerações ainda iremos conviver com essa aberração. Infelizmente, em contraste com o custo de vida no caríssimo Brasil, o ‘valor da vida’ aqui é baratíssimo!!! Até quando?
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Victor Loyola
Os textos refletem minha opinião pessoal sobre qualquer assunto, não há nenhum tipo de vinculo com corporações, grupos, ou comunidades. Comentários são extremamente bem-vindos. Me esforçarei ao máximo para fazê-lo um hobby permanente. No segundo tempo de minha vida, está definido que continuarei escrevendo. Se eu parar, de repente é por que eu surtei ou houve algum apagão de criatividade. Essa versão do blog está turbinada – é para ser mais agradável e acessível ao leitor. Há até um espaço para enquetes, uma maneira bem-humorada para encarar o mundo. Boa leitura!!!!!
3 Comentários
Paulo Sampaio
3 de março de 2012 em 12:52Eu acredito que assaltos, furtos, roubos e a violência de forma geral tem como pano de fundo a desigualdade social e a pobreza. Mas homicídios são causados essencialmente por conta da impunidade. Em outros países onde as leis são rígidas e a justiça e a polícia são eficientes, assaltos até acontecem. Mas raramente terminam em morte. Veja o exemplo que você citou de Londres. Os ladrões “jogaram a mulher no chão e levaram a bolsa” e isso é chocante para os londrinos. Aqui no Brasil a polícia provavelmente nem faria o BO e daria risada de um caso banal (para o brasileiro) como esse. A nossa plaquinha, se existisse, diria algo assim: “jogaram a mulher no chão, estupraram e mataram”. Por aqui, o assaltante aperta o gatilho por diversão e por saber que nunca irá para a cadeia.
Flora
3 de março de 2012 em 16:26Estamos sim, na mão de Deus! O que mais me deixa surpresa com a volta de executivos ao Brasil e justamente o quisito segurança. Creio que eu passaria por qualquer privação lá fora pra ter este bem tão precioso. No Brasil creio que além da desigualdade social , a corrupção e os baixissimos salários da política colaboram subtancialmente. Agora a situação está num nivel que vejo a banalização da violência. Já nos acostumamos com quase tudo e perdemos a indignação para muita coisa. Espero que os seus filhos e os meus netos possam viver uma situação bem melhor.
Homero Souza
15 de julho de 2013 em 07:36Caro Vitor,
Excelente análise. O Brasil carece principalmente de políticas efetivas. A constituição de 88 acreditou que a definição de patamares de investimentos resolveria as chagas, e aos políticos restaria somente viajar com os jatos da FAB.
O Brasil precisa começar a pensar suas políticas sobre segurança, saúde, educação, fiscal e industrial urgentemente.
Abs
HOMERO