Quando nascemos, recebemos conosco um mistério que permanecerá indecifrável durante toda nossa vida: a data de nossa partida. O fato de desconhecermos essa informação modifica completamente a perspectiva que temos sobre a estrada diante de nós.
Na infância, a partir do despertar da consciência plena – lá pelos 6, 7 anos de idade – até o auge da juventude, nos seus 20 e poucos anos, a noção de tempo é completamente inexata. A menos que sejamos acometidos de alguma doença grave ou que experimentemos essa situação ao nosso redor, temos a sensação da ‘imortalidade’. Tudo ainda está por viver e todos os sonhos são possíveis. O tempo, nesses casos, é uma ‘commodity’ muito barata, pois sua oferta é quase ilimitada aos nosso sentidos.
Mas à medida que ele passa, nossa perspectiva também se molda à nova realidade. Já na idade adulta, até a meia-idade, que seja entre 30 e 50 anos, sendo essa definição uma arbitrariedade minha, perdemos a sensação de ‘imortalidade’ que nos acompanhou pelos primeiros vinte e poucos anos…Percebemos também que nem todos os sonhos são possíveis (o que não nos impede de seguir sonhando), e aprendemos que muitas vezes o destino nos oferece caminhos completamente inesperados e que precisamos tomar decisões que jamais haviam sido cogitadas. Descobrimos que a oferta do tempo não é ilimitada, pois já sentimos a dor da partida de gente querida e próxima, e em algum momento passamos a crer que isso também pode acontecer conosco. O tempo se transforma de ‘commodity’ barata a metal precioso, justamente no período em que nossas responsabilidades aumentam e quando provavelmente temos a árdua tarefa de educar pequenos seres imortais que trouxemos ao mundo. Nessa fase, desejamos intensamente por mais tempo, mas muitas vezes não sabemos o que fazer com ele.
Não posso falar por experiência própria de como é a relação com o tempo no período mais maduro de nossas vidas, mas assumo que mesmo inconscientemente devemos valorizá-lo cada vez mais à medida que o temos cada vez menos. É a lei da oferta e da procura. Nessa época, os pequenos momentos – muitas vezes desprezados em nossa juventude ‘imortal’ – ganham mais importância e são mais apreciados. É por isso que nossos avós valorizavam tanto os almoços em família, enquanto muitas vezes o mesmo evento era tratado com certo desdém pelos mais jovens. Afinal, os últimos tem todo o tempo do mundo, e os primeiros sabem que não é bem assim…
Todos temos um ‘prazo de validade’, o detalhe é que ele é desconhecido. Pode ser amanhã, em um acidente banal, como pode ser aos 100 anos, vitimado pelo tão em voga Mal de Alzheimer. E se soubéssemos qual é o nosso? Eis aí uma informação com o poder de mudar dramaticamente a maneira pela qual encararíamos a nossa trajetória…
Perdi meu pai há 8 meses de maneira inesperada e repentina. Até então, sequer havia cogitado essa situação mentalmente, pois as estatísticas (que nos ajudam e também enganam) me tranquilizavam a respeito do assunto, afinal – meus avós, na média, ultrapassaram a barreira dos 80 anos. Quando eu iria imaginar que o ‘prazo de validade’ do meu pai nesse mundo expiraria aos 65 anos? E o que eu teria feito diferente se há 10, 15 anos eu soubesse disso?
Felizmente, eu não tinha nenhuma pendência emocional mal resolvida com ele, dessas que gostamos de cultivar inutilmente, vez por outra, com as pessoas que nos cercam, e que são a maior demonstração de como não sabemos aproveitar a nossa jornada. Porém, não tenho a menor dúvida de que o acesso a essa informação transformaria a minha vida, pois cada minuto de convívio seria celebrado com a máxima intensidade. Isso não implica em remorso sobre o que passou, mas na conclusão óbvia de que muitas vezes não aproveitamos todo potencial que o tempo nos oferece… Sou grato pelos diversos momentos felizes que passei com o meu pai, mas tenho ciência de que se o nosso ‘prazo de validade’ fosse uma informação conhecida, eles seriam muito maiores e melhores.
Ocorre que uma suposta informação sobre o nosso ‘prazo de validade’ não deveria alterar a maneira pela qual encaramos a vida. Se isso acontece, é por que não estamos tratando bem o tempo que nos foi concedido…
Tenho 39 anos e ‘prazo de validade’ desconhecido. Para esse tema em especial, eu não confio nas estatísticas, pois já fui traído por elas. Mas com três guris na fase ‘imortal’, espero que ainda tenha ‘lenha’ para queimar. Creio na imortalidade, mas a nossa vida, do que jeito que conhecemos, é finita; somente o fato de você já não ter contato físico com quem te acompanhou por décadas, modifica completamente o contexto da nova etapa, a que experimentamos quando o nosso prazo nesse mundo termina….
Por conta dessas circunstâncias, passei a me preocupar muito mais com a qualidade da jornada do que com planos com a próxima parada. Se a jornada for boa, tenho certeza de que me levará a um bom destino. Isso vale tanto na vida pessoal quanto na profissional, assunto que pode até ser aproveitado em outro texto. Felizmente, esse aprendizado ocorreu ainda em uma fase da vida onde pode ser aplicado. O tempo voa….mas não perdoa as coisas que você faz sem ele. Precisamos tratá-lo bem enquanto estivermos dentro do prazo de validade.
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Victor Loyola
Os textos refletem minha opinião pessoal sobre qualquer assunto, não há nenhum tipo de vinculo com corporações, grupos, ou comunidades. Comentários são extremamente bem-vindos. Me esforçarei ao máximo para fazê-lo um hobby permanente. No segundo tempo de minha vida, está definido que continuarei escrevendo. Se eu parar, de repente é por que eu surtei ou houve algum apagão de criatividade. Essa versão do blog está turbinada – é para ser mais agradável e acessível ao leitor. Há até um espaço para enquetes, uma maneira bem-humorada para encarar o mundo. Boa leitura!!!!!
11 Comentários
Mariana schulman
25 de fevereiro de 2012 em 12:44Victor, muito verdadeiro teu texto. Meu pai morreu 40 dias depois do amigo dele, teu pai. Tbem de repente, em viagem de ferias com a família… Passei a implicar menos com os defeitos das pessoas ao redor, tive coragem de recusar alguns trabalhos (mesmo precisando) e passei as ferias inteiras com meus três filhos e com minha mãe na praia! Estou numa crise de identidade enorme. Se eu morrer agora, o que deixarei como legado? Tinha tantos sonhos aos 18 e tinha certeza que conseguiria tudo o que quisesse… Dá tempo de mudar? Lógico que sim!! Acho que a vida nos dá estas porradas p gente acordar, parar de reclamar de bobagens e realmente fazer a diferença. Tenho certeza que foi isso que nossos pais nos ensinaram. Mariana
Carlos Augusto Maranhao de Loyola
25 de fevereiro de 2012 em 13:26Muito bom Zé…. Colocou em palavras boa parte dos nossos sentimentos…
A vida é curta… Temos realmente que priorizar nosso tempo!
Abraço!!
Nélia Zanetti
25 de fevereiro de 2012 em 14:54Victor, um dia, também achei que as pessoas eram imortais…..mas aproveitei o meu tempo com meus pais que também passaram dos oitenta e a cada dia que passa tento aproveitar o tempo com os filhos, genros, nora e netos da melhor maneira possível e “imortal”… Parabéns pelo lindo texto!!!
Marcio Guedes
1 de março de 2012 em 20:33Bem-vindo (de volta!) ao mundo dos Blogs, Vascaíno, e parabéns pelo seu.
Concordo plenamente que escrever seja uma atividade egoísta, mais prazerosa para aquele que a pratica do que para quem está na outra ponta. Conseguir que os Leitores tenham o mesmo prazer do Escritor é um golaço!
A história de teu Pai – que não cheguei a conhecer – me marcou muito, pelo contato com você mas principalmente pelo sentimento que você transmitiu a todos através do Facebook.
Ao contrário da maioria das pessoas, eu gostaria sim de saber meu prazo de validade. Mas isto é assunto para um almoço… ou um boteco!
Namaste. E boas escritas!
Marcia Silveira
2 de março de 2012 em 02:38Victor, a vida resolveu “renovar meu prazo de validade” ha exatamente um ano atras. Minha historia rompeu qualquer estatistica e a minha recuperacao surpreendeu ate os especialistas. O que eu acho? A vontade de viver era tanta, que eu nao poderia parar. O amor pela vida determina nosso prazo de validade, a gente pode tudo….
ana cardilho
15 de maio de 2012 em 17:02Um loiro atlético, cabelos bem curtos, de calção, senta-se sob uma chuva torrencial, olha para seu oponente e diz que é “hora, ou tempo, de desligar…”. Solta uma pomba branca que segurava entre as mãos ensanguentadas e simplesmente “desliga”. Acabava o tempo do líder replicante de Blade Runner e ele apenas lamentava que todas as maravilhas, todas as situações extraordinárias que seus olhos tinham visto iriam se perder como “lágrimas na chuva”. Lendo seu post revi a cena de Blade Runner e de repente me dei conta de que o que tento fazer hoje em dia é exatamente resgatar, guardar, reter um pouco dessas lágrimas que se perdem na chuva. Memórias. Enquanto temos tempo, enquanto nosso prazo de validade não chega ao final.
sonia pedrosa
8 de outubro de 2012 em 10:04Sempre achei a vida muito curta. Tudo passa muito rápido e tenho muita pena disso. Sofro com isso. Adoro o fato de estar viva nesse planeta, com essas pessoas que me rodeiam. Sempre valorizei cada momento que vivi. Mas, um dia, há 17 anos, uma Esclerose Múltipla me pegou de surpesa. Essa doença neurológica, autoimune e sem cura, eu só conhecia do Fantástico. E achei que meu prazo de validade estava vencendo dali a 2 meses. Entrei em desespero na hora que li o exame. Estava com o lado direito todo paralisado e sem falar direito. O meu desejo, na iminência da morte, era arrumar o meu armário e assinar alguns cheques. Sem conseguir fazer isso sozinha, eu entrei em pânico. Queria deixar tudo organizado. Duas horas depois, quando o médico pôde me atender, fiquei sabendo que era possível ter uma vida normal. E assim aconteceu. Mas, posso garantir que ter a morte como perspectiva muda completamente o comportamento da gente. Hoje, quando acordo, e percebo que estou enxergando, mexendo os braços e as pernas, agradeço a Deus. Se o dia for de sol, agradeço mais ainda.
Diogo Machado Oliveira
27 de outubro de 2012 em 06:03Victor, espectaculo de testumunho; foi o primeiro ‘artigo’ do seu blog que li e fiquei super fan. Vou comecar a acompanhar mais seu ‘e-thoughts’ 🙂 Aquele Abraco
Sandra Souza
6 de dezembro de 2012 em 07:01Traduzir sentimentos em palavras é para poucos…você é um desses poucos!! Parabéns, Victor!!!
Maria Helena Nicacio
6 de dezembro de 2014 em 11:28Esse é o ponto! Viver consciente de que todos temos o tal prazo de validade! A data é mero detalhe…
Elaine Santos
10 de dezembro de 2014 em 20:45Victor,
Deve ter um motivo pelo qual esta informação não nos é dada…. Motivo este que um dia saberemos…. Talvez a espécie humana não tenha atingido um estágio de evolução para lidar com esta informação. Enquanto isto vamos vivendo da melhor maneira, celebrando todos os momentos e a alegria de estarmos aqui! Adorei teu texto!!