No último dia 6 de Agosto, o primeiro ataque nuclear da história da humanidade completou 68 anos. Ele foi desferido através da bomba nomeada ‘Little Boy’ sobre a cidade de Hiroshima, no Japão. Três dias depois, a ‘Fat Man’ foi despejada contra a cidade de Nagasaki. Ao todo, estima-se que ambas mataram instantâneamente mais de 220.000 pessoas, sem contar as dezenas de milhares que faleceram posteriormente, em decorrência dos ferimentos e efeitos colaterais da radiação. Após esses incidentes, o império japonês rendeu-se incondicionalmente e estava encerrada oficialmente a Segunda guerra mundial.
O dia do primeiro ataque é muitas vezes conhecido como o ‘dia da infâmia’, pela quantidade de vidas que ceifou e também por ser o marco inicial da era atômica, a partir da qual o planeta poderia ser reduzido à cinzas de uma hora para outra. Porém, é injusto simplesmente atribuir como infame um evento permeado por um dos maiores dilemas morais já experimentados pela humanidade.
Em Agosto de 1945, a guerra na Europa estava encerrada, com a Alemanha nazista derrotada e dividida entre soviéticos e os aliados ocidentais. Apesar do final do conflito, a situação permaneceu dramática por muitos meses, em decorrência da ampla destruição na maioria das cidades que foram palco de batalhas e bombardeios e pela presença de dezenas de milhões de refugiados e ex-prisioneiros, oriundos de todas as partes, que iniciavam um sofrido retorno à sua terra natal, sem nenhuma certeza do que poderiam encontrar. Além do problema humanitário, havia uma grande tensão no ar pela crescente zona de influência comunista. A URSS já havia tomado conta de todo leste europeu e princípio de guerras civis eclodiam em países como Itália e Grécia, por conta da ruptura entre os simpatizantes do regime de Moscou e seus opositores. Para alguns analistas, a terceira guerra mundial entre os aliados ocidentais e a URSS era uma questão de tempo.
No front do Pacífico, o Japão resistia bravamente e mesmo acuado, não entregava os pontos. Apesar de já ter perdido todos os territórios conquistados após o ataque à Pearl Harbour, as ilhas japonesas permaneciam indevassáveis e seus soldados, conhecido por sua feroz resiliência, mantinham o mesmo espírito combativo do início da guerra. Não havia sinais de que o Império do Sol Nascente fosse anunciar sua rendição, mesmo que a derrota parecesse provável e iminente.
Conforme acordado pelos três grandes aliados (EUA, Grâ-Bretanha e URSS), os esforços de guerra somente poderiam ser encerrados quando o inimigo declarasse sua rendição incondicional, termo que foi amplamente debatido pelas três potências desde sua primeira conferência em conjunto, ainda no período em que nazistas e japoneses detinham a supremacia no teatro da guerra, e não houve ressalvas à sua aplicação. O objetivo era eliminar em definitivo os partidários do nazismo, sem permitir qualquer tipo de condicionante. Isso foi seguido à risca na Europa, com a Alemanha nazista prostrada de joelhos e destruída, e esperava-se que os Estados Unidos, líderes dos aliados na guerra do Pacífico, impusessem o mesmo tipo de derrota ao Japão.
É nesse cenário, com um inimigo que teimava em não ceder diante de si, e um aliado que posicionava-se cada vez mais como adversário em um futuro próximo, irradiando um regime de governo cujos valores eram diametralmente opostos aos americanos, que os Estados Unidos testaram pela primeira vez a bomba atômica, em Julho de 1945, após anos de desenvolvimento ultra-secreto. Eis então o dilema moral dos mais complexos, para o qual não há resposta fácil, diante do então Presidente Truman e sua equipe de auxiliares mais próxima:
Não fazer uso da nova descoberta significava estender a guerra, talvez por mais de um ano, pois uma invasão ao Japão seria necessária. Segundo especialistas, isso implicaria em centenas de milhares de baixas americanas e provavelmente mais de um milhão de vidas japonesas. A indefinição da guerra no Pacífico também favoreceria o crescimento da simpatia pela URSS junto à opinião pública mundial e particularmente aos países periféricos da Europa. O exército Vermelho era tido como o principal responsável pela derrocada dos nazistas. Quanto mais tempo os EUA levassem para finalizar a guerra, mais a balança de forças políticas penderia para o lado soviético.
Por outro lado, utilizar a bomba implicaria em uma rendição imediata dos japoneses e encerraria o conflito em definitivo com um número bem menor de vítimas do que a opção da guerra prolongada, e ao mesmo tempo colocaria os EUA um degrau acima de todas as outras potências militares, por ser a única detentora (até aquele momento) de uma arma de destruição em massa tão poderosa, o que certamente conteria o ímpeto soviético na Europa.
Os críticos da ação americana argumentam que a rendição incondicional japonesa era provável, e que cedo ou tarde ocorreria sem que houvesse necessidade de lançar as bombas letais. Não há indícios de que essa fosse mesmo a realidade. Os próprios americanos esperavam pelo anúncio da rendição após Hiroshima. Como ela não veio, reincidiram com a operação em Nagasaki. Estivessem os japoneses inclinados a render-se, isso ocorreria após o primeiro ataque. O fato de silenciarem por três dias, mesmo após tamanha tragédia e demonstração de inferioridade bélica, é um sinal de que a rendição não teria ocorrido por vias normais e que as batalhas seguiriam por meses a fio.
Qualquer que fosse a decisão, seria constestada. Tivessem os EUA protelado o uso da bomba e prolongado a guerra, com efeito direto na morte de milhões adicionais, seriam alvejados por críticas dos mesmos que hoje lamentam o dia da infâmia.
Toda guerra é infame. Nenhuma se justifica. Mas uma vez no meio dela, qual das abordagens é mais aceitável: a pragmática, que elege o ‘menos pior’ como alternativa, ou a virtuosa, que evitaria a todo custo ações que determinassem vultosas perdas massivas e imediatas de vidas? E se você fosse o Presidente Truman, qual decisão tomaria?
Relacionado
Victor Loyola
Os textos refletem minha opinião pessoal sobre qualquer assunto, não há nenhum tipo de vinculo com corporações, grupos, ou comunidades. Comentários são extremamente bem-vindos. Me esforçarei ao máximo para fazê-lo um hobby permanente. No segundo tempo de minha vida, está definido que continuarei escrevendo. Se eu parar, de repente é por que eu surtei ou houve algum apagão de criatividade. Essa versão do blog está turbinada – é para ser mais agradável e acessível ao leitor. Há até um espaço para enquetes, uma maneira bem-humorada para encarar o mundo. Boa leitura!!!!!
1 comentário
Sergio Corrêa
8 de setembro de 2013 em 21:39Victor, parabéns mais uma vez!
Novamente você traz a reflexão de olharmos a história sob uma perspectiva diferente daquela tão obvia apresentada nas escolas medianas (por ‘mais uma vez’, refiro-me ao texto “o dilema de Petain”).
Acredito que, quanto mais exercitarmos a capacidade e criarmos a competência de enxergar diferentes perspectiva, melhores seremos para tomarmos decisões (sejam pequenas, grandes, pessoais ou profissionais).
Quanto a decisão que eu tomaria? Honestamente, agora já não sei… Seu texto influenciou meu modo de pensar!!! Kkkk
Abcs