O infiltrado – Parte I

Comecei a sinalizar que gostaria mudar para a Europa após o meu segundo ano em Miami. Eis que meses depois, surgiu uma oportunidade. Tudo levava a crer que seria  a Bélgica a minha próxima parada. E foram umas duas semanas de campanha pró-Bruxelas em casa: capital da Europa, próximo de tudo, a uma hora de Paris. Confesso que tive que me apegar muito aos pontos positivos, pois considero a capital belga bem sem graça. Depois de muita saliva e demonstrações em ‘websites’, chegamos ao consenso de que seria uma boa alternativa. Bruxelas estava devidamente ‘comprada’. Corria o ano de 2005, e o mundo vivia a euforia do crescimento. Nada a ver com a sombria situação financeira dos tempos atuais. Em Julho daquele ano fui a Londres, para a primeira sessão de entrevistas do que seria o início da minha saga européia.

Foram conversas iniciais ainda sem nenhum tipo proposta formal, mas ficou claro para mim que os planos haviam mudado: os executivos regionais desejavam que eu fosse para Grécia. Em um primeiro momento, demonstrei minha preferência pela Bélgica, mas logo percebi que não seria uma boa ideia remar contra a maré. Meus planos de visitar Bruxelas, a duas horas de trem de Londres, foram cancelados. À noite, ao ligar para casa, a conversa seguiu pelo rumo já esperado:

‘E aí, você vai para Bélgica amanhã?’

‘ Não’

‘Mas por que?’

Respondo ressabiado…’Bem….na verdade…o pessoal quer que eu vá para Grécia, e não para Bélgica…’

Silêncio do outro lado da linha. Uns 10 segundos de um desconfortável silêncio. Afinal, Bruxelas já havia sido ‘comprada’.

‘Grécia? É muito longe! Você já viu no mapa? Atenas está mais perto de Bagdah do que de Paris!’

‘Eu sei’

E mudamos de assunto. Eu já previa mais algumas semanas de resistência. Afinal, o trabalho de convencimento sobre Bruxelas já havia sido difícil, mas dera um bom resultado. Agora teria que ir um pouco mais para o leste, já na borda da Europa, e buscar argumentos suficientes que justificassem a mudança da ensolarada, latina e tranquila Miami, com altíssima qualidade de vida, para a longínqua e desconhecida Grécia.

Mas a providência Divina provou estar ao meu lado. Dali a dois dias aterrisava no aeroporto de Miami, pronto para a nova saga de convencimento. Como vender a Grécia? Afinal, o ponto de equilíbrio para uma vida expatriada é a família. Os maiores problemas encontrados por executivos que trabalham fora não estão vinculados aos temas profissionais, e sim à adaptação familiar ao local. Eu já esperava o momento de tocar no árido assunto grego, quando começamos um diálogo absolutamente inusitado:

‘Você não vai acreditar! Sabe aquele restaurante de comida mediterrânea que vamos na Lincoln Road? Abriu aqui em Aventura. Fui lá com o Erik ontem’

‘É tão bom quanto o de Miami?’

‘É igual. A gerente do lugar é uma brasileira, gente boa. Começamos a conversar e eu disse que já moramos aqui há mais de dois anos, mas que agora provavelmente iríamos para Europa. Disse que estava meio ‘passada’, pois ao invés da Bélgica parece que vamos para Grécia, bem mais longe. E essa gerente já morou na Europa por muitos anos, acredita?

‘ É? Ela conhece a Bélgica e a Grécia?’

‘ Não só conhece, como morou em ambos os lugares! E disse que a melhor coisa que poderia nos acontecer é ir para a Grécia, que na opinião dela é muito, mas muito melhor que a Bélgica. E me explicou o porquê….’

A conversa seguiu e eu respirei aliviado. A parte mais difícil do trabalho de convencimento havia sido feito por uma desconhecida, em um restaurante de ‘fast-food’. Deus é pai. Daquele momento em diante, a busca em websites, referências, publicações sobre a Grécia se acentuou bastante em casa, e devo admitir que intimamente eu nutria receio pelo que estava lendo. Era um mundo muito diferente daquele em que vivíamos.

Passaram-se uns dois meses de negociações, até que finalmente eu fui para a Grécia pela primeira vez. Sozinho. A tal visita de reconhecimento, onde eu me reuniria com meus futuros chefe e pares e visitaria bairros e casas. Quatro dias de viagem. Estávamos em Outubro de 2005. A viagem era longa, e incluía uma escala em Londres. O vôo da capital britânica até Atenas demorava quatro horas. Perdi minha conexão e o próximo avião partiria somente às 20 horas, com previsão de chegada em Atenas às 2 horas da manhã, considerando a diferença de fuso horário. Houve atraso e aterrisei no aeroporto Elefthérios Venizélos às 3 horas da manhã. Dali a poucas horas, às 7:30, começaria uma série de reuniões na sede do banco em Atenas.

Tomei o táxi para o hotel e naquele momento caía a primeira ficha de quanto estava alterando o rumo da minha vida: no trajeto para o hotel, música grega no rádio. Um estilo similar aos ritmos do Oriente Médio. Nas ruas, os ‘outdoors’em grego me lembravam meus tempos de engenharia: uma sucessão de alfas, betas, gamas. Chegando no hotel, mal consegui dormir. Estava muito ‘adrenado’. Até hoje me lembro do clip do Intercontinental que passava no canal três da TV, de tão marcante que foi aquele momento.

Acordei bem cedo e fui caminhando do hotel à sede do banco, no centro da cidade. Eram umas cinco quadras de distância, aquela era uma parte especialmente feia de Atenas, e a primeira impressão foi péssima. Chegando ao banco, as instalações também não eram lá essas coisas. O dia foi longuíssimo. Inúmeras reuniões, todas em inglês, mas intercaladas por conversas paralelas em grego. Que idioma era aquele? No meio de frases ininteligíveis, surgia alguma palavra cujo significado era o mesmo em várias línguas. Eu seria o único estrangeiro em posição gerencial na empresa, de um total de mais de 1.600 colaboradores. Um infiltrado, designado pela sede regional para aterrisar no longínquo solo grego. Enfim, minoria na definição mais exata da palavra.

Retornei ao hotel exausto. Ao chegar no quarto e ligar a TV no mesmo canal três, experimentei um surto convulsivo de choro. Foram 15 minutos descarregando o stress das últimas 48 horas. Questionava-me por que estava mudando tão drasticamente a vida da minha família, de uma confortável situação em Miami, para esse outro mundo, tão distante e diferente, na Grécia.

Desafios. Experimentar o novo. Sair da zona de conforto. Aquilo me atraía enormemente, me proporcionaria experiências que me fariam crescer pessoal e profissionalmente. Eu praticamente estava zerando o cronômetro, algo que faria novamente dali a uma ano e meio na minha mudança para Londres. Ninguém na Grécia me conhecia, eu tinha apenas boas referências e teria que provar meu valor. Somente isso já seria razão suficiente para abraçar a causa. Mas o desconhecido também traz o medo, a insegurança. Sair da zona de conforto não é nada fácil, ainda mais quando envolve aspectos familiares e outras vidas, que não a sua.

Nos dias seguintes, fui explorar algumas regiões e conhecer as casas. Foram três dias em que eu não cheguei a me acostumar com a cidade. Retornaria a Miami sem que a má primeira impressão fosse revertida.  E não há segunda chance para se causar a primeira boa impressão. Começaria oficialmente em Novembro, ainda em caráter ‘vai e vem’. A primeira viagem da família para Atenas se deu em Dezembro. Houve coincidência de primeiras impressões.

Minha aventura na Europa começaria no berço da civilização ocidental. Jamais em minha vida imaginei que iria viver na Grécia. A adaptação foi gradual, não há nada na vida com que não possamos nos acostumar, e assim aconteceu com a minha vida grega, cujos detalhes serão compartilhados em textos posteriores. Cuidado com o que você deseja, pois você pode alcançar e se surpreender. Afinal, fui eu quem buscou a mudança para a Europa, e ela ocorrera conforme a minha vontade…

2 Comments
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2 Comentários

  1. ana cardilho

    21 de maio de 2012 em 18:14

    “Cuidado com o que você deseja…” Acredito plenamente que atraímos tanto o que desejamos quanto o que precisamos para nossa evolução. Não demore para postar a segunda parte da “saga na Grécia”. Seus leitores querem mais!

  2. sonia pedrosa

    30 de maio de 2012 em 23:44

    Realmente, é uma mudança brusca… um susto. Se pelo menos a mudança se desse em maio…junho..no calor, quero dizer… e para uma das ilhas, seria mais fácil. Mas as experiências são válidas!

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