O Brasil e o desperdício de tudo

Água, energia e alimento. Pode-se dizer que os três constituem o tripé da sobrevivência humana. O Brasil, agraciado pela natureza, os possui em abundância. E como se fizesse descaso de seu privilégio, os desperdiça como nenhuma outra nação.

Temos 12% das reservas de água potável do planeta, com índice pluviométrico quase sempre superior ao mínimo aceitável na maioria das regiões (800mm por ano), e mesmo assim ouvimos com frequência noticias de racionamento de água aqui e acolá. Superamos em larga escala o consumo médio diário recomendado pela ONU, de 110 litros por habitante. Em nosso mundão tropical, cada indivíduo usa em média 166 litros por dia, 51% a mais que o necessário. Não bastasse isso, o desperdício pela rede de distribuição chega a 38%, quatro vezes maior do que em países desenvolvidos. Infraestrutura precária, vazamentos, técnicas de irrigação inadequadas e a falta de educação de consumidores e empresas são os grandes detratores dessa história. A necessidade de investimento para melhorar a qualidade da distribuição é colossal, algo estimado entre R$20-30 Bilhões.

Segundo o relatório “Sustentabilidade no Século 21 – Oportunidades e Desafios”, 20% da energia elétrica produzida no Brasil se perde ao longo das linhas de transmissão até os grandes centros urbanos, um índice muito maior que no Chile (6%) ou na Europa (7%). Para piorar, o desperdício no consumo chega a 10% do total, (43 Terawatt-hora) o suficiente para abastecer o estado do Rio de Janeiro por um ano (36 Terawatt-hora). Na Alemanha, esse indicador não passa de 4%. Sistemas industriais, de refrigeração, aquecimento e iluminação obsoletos, além da ausência de automação, corroboram para essa situação. O estado, que arrecada um caminhão de dinheiro com uma das energias mais sobretaxadas do planeta, faz vistas grossas.

Nosso agronegócio é respeitado no mundo inteiro por sua alta produtividade, dentro da porteira das fazendas. Uma vez realizada a colheita do produto, seja ele qual for, começa o o tradicional show de desperdício. Estima-se que o Brasil jogue fora 30% da produção nacional de frutas, quantidade suficiente para encher 625 mil caminhões. Reportagem da Globo estimou que para 2kg de salada na mesa dos brasileiros, 700 gramas foram lançadas no lixo, o que torna a situação das hortaliças ainda mais crítica. Especialistas sugerem 5% como perda aceitável nesses casos.

Ainda sobre o mesmo tema, cerca de 10% de nossa festejada produção de grãos (perto de 230 milhões de toneladas na última safra) desaparece entre a porteira e seu destino final. Armazenamento inadequado, estradas esburacadas, pouco e improdutivo uso de transportes hidro e ferroviários, gargalos burocráticos e operacionais no sistema portuário, transformam o campeão da produtividade em gigante do desperdício. Também nesse caso, há um montante bilionário de investimentos para o país tirar o atraso na infraestrutura.

Os exemplos acima concentram-se em áreas essenciais e certamente repetem-se em quaisquer outras situações. Se fosse gente, o Brasil seria um sujeito de classe média baixa desgraçadamente perdulário, que desperdiça diariamente sua possibilidade de ascensão social por negligência no trato das pequenas coisas do cotidiano.

Não causa surpresa nossa posição constrangedora nos rankings de produtividade. Com esse nível de desperdício, aliado à nossa insuportável burocracia, o resultado não poderia ser outro. Em ano de eleição, quem está falando no assunto? Quais os partidos ou candidatos o colocam no centro dos debates? A dificuldade em encontrar uma resposta a essas perguntas é diretamente proporcional ao tamanho da encrenca. Se ao menos o assunto fosse discutido, já seria um bom começo…

0 Comments
0

Deixe uma resposta

Send this to a friend