É tempo de regeneração

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Quinta-feira, 12/05/2016.  Depois de 13 anos, cinco meses e doze dias, o Brasil acordará sob nova direção, livrando-se do jugo lulo-petista. Acabou a era de aparelhamento do estado. A história registrará que o impeachment somente se viabilizou pela voz estrondosa das ruas, que em poucos meses transformou uma causa descartada inclusive pela oposição em uma realidade apoiada por 75% do Congresso.

O governo repete incessantemente a falácia da narrativa golpista, com o objetivo de embaralhar a mente dos mais inocentes, mas logo o argumento cairá no esquecimento, de tão patético. A Suprema Corte do Brasil já chancelou o processo em várias ocasiões e rejeitou todas as chicanas impetradas pela AGU. Como poderia o STF, guardião da legalidade, endossar um golpe? Como um processo conduzido pelo Congresso, com o respaldo do Supremo e com amplo direito de defesa pode ser considerado golpe? De tão primário, o discurso mentiroso nem merece contra-argumentação. Algumas viúvas do petismo alegam ainda que não é legítimo contrariar a vontade dos 54 milhões de eleitores, como se uma votação, qualquer que seja, fornecesse carta branca ao eleito para fazer o que lhe der na telha. O choro é livre, mas poderia ao menos ser embasado com um mínimo de consistência. Não é o caso.

Chegamos a esse momento histórico por duas razões: um governo altamente impopular, com menos de 10% de aprovação e uma gigantesca pressão das ruas, apinhadas de gente em todo país, que aos milhões manifestaram espontaneamente sua indignação em várias ocasiões. A impopularidade do governo é fruto de sua própria incompetência, construída em uma trajetória contínua de escolhas erradas. Sua reeleição foi viabilizada a partir de mentiras subsidiadas por números maquiados e pedaladas fiscais, que ironicamente serviram como justificativa técnica para o seu impedimento. Some-se a isso os múltiplos esquemas de corrupção bilionários, onde a presença de políticos da base governista é praxe, e temos todos os ingredientes para provocar o surpreendente ronco do asfalto. Nunca a pacata e usualmente conformada população brasileira manifestou-se tanto: nas ruas, nas redes sociais, nas buzinas ou nas panelas. Não houvesse a combinação desses dois elementos, o governo Dilma ainda estaria de pé. A maioria da população é que está patrocinando o impeachment. O crime de respondabilidade em questão, na prática é um mero detalhe. Não fossem as pedaladas, fatalmente outras razões seriam encontradas que o justificassem. O menu de opções é amplo. Governos em regime democrático submetidos a esses dois fatores simplesmente caem.

Começaremos uma nova etapa com alguns avanços que devem ser preservados e serão muito importantes na transformação do Brasil em um país melhor para as futuras gerações. A população abraçou a causa do combate à corrupção. Mérito da disruptiva operação Lavajato, capitaneada pela gurizada competente da República de Curitiba. Eles não estão sozinhos. Outras operações da Polícia Federal causam pesadelo a corruptos e corruptores. O brasileiro, acostumado a séculos de impunidade e uma justiça frouxa e leniente, de repente se vê diante de um trabalho conjunto entre a Polícia, Ministério Público e Judiciário que investiga, prende e julga rapidamente, condenando figurões da República que em outros tempos passariam ilesos. A sensação é a mesma que a de um mau aluno que de uma hora para outra, com um pouco de esforço, começa a tirar notas altas e toma gosto pela coisa. A satisfação com o bom desempenho retroalimenta sua motivação para estudar e o aluno passa de mau a exemplar. Esse é o Brasil que emerge da Lavajato, hoje patrimônio da população, e nesse momento, ‘imparável’. O combate à corrupção ainda será alvejado em várias frentes por defensores do status-quo travestidos de legalistas, mas não podemos abdicar dessa conquista, das mais valorosas da nossa sofrida história de país em desenvolvimento. Doa a quem doer.

Outro avanço inquestionável é a capacidade de mobilização da população. Verdade que os tempos atuais são muito favoráveis a esse fenômeno, impossível há alguns anos, quando as redes sociais ainda engatinhavam. Hoje, decisões estapafúrdias são revertidas rapidamente quando repudiadas pela opinião pública. Exemplo recente ocorreu com a decisão da Anatel em permitir a ampliação da cobrança de dados. Durou pouco mais de um dia, tamanha a repercussão negativa. Nos últimos dois anos, o país presenciou inúmeras manifestações gigantescas concebidas e disseminadas no universo virtual. A conectividade, muitas vezes cansativa, é um catalisador de civilidade. Nesse contexto, benéfica, particularmente em um país carente de engajamento político. Também aqui não haverá retrocesso.

Quem diria que um dia no país que já foi do futebol (hoje pobremente jogado em nossos estádios), as pessoas não saberiam a escalação da seleção, mas seriam capazes de listar o nome de todos os ministros do Supremo, bem como divagar sobre suas decisões. Quem diria que boa parte da população  sacrificaria horas de seu final de semana para assistir a sessões da Câmara dos deputados, do Senado ou acompanhar madrugada adentro os votos dos ministros do STF. Se é verdade que esse comportamento está vinculado às classes média e alta mais escolarizadas, não menos verdadeiro é o fato de que ambas sempre foram historicamente acomodadas e despolitizadas, além de serem naturalmente formadoras de opinião. É extremamente bem vindo esse repentino interesse por temas relativos aos três poderes, pré-requisito de sociedades desenvolvidas. O debate muitas vezes ainda é superficial, mas os assuntos estão nas pautas da grande mídia e geram mais tráfego que fofoca – ouvi isso de um editor de um grande jornal brasileiro. Gradualmente, avançamos.

Então, quando o sol nascer amanhã na terra do cruzeiro do sul, teremos diante de nós a possibilidade de um recomeço, a chance da regeneração. A intolerância obsessiva com a corrupção, a capacidade de mobilização e o crescente interesse por temas da vida pública serão ativos importantes na continuidade dessa longa jornada. São avanços inquestionáveis. Apesar do ambiente turbulento e dos traumas causados pelo processo de impeachment, o Brasil e suas instituições saem fortalecidos. Seja bem vindo, 2016! Que nos traga boas surpresas, ainda há tempo.

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