A pergunta ecoou na mesa de bar, após a terceira ou quarta rodada, naquele estágio onde os participantes ainda desfrutavam de uma lucidez desinibida: ‘E se o Congresso Nacional fosse gente, que tipo de ser humano teríamos?’
‘Seria uma biscatinha sem valor!’, bradou o primeiro, ‘daquelas que topa qualquer parada por um trocadinho!’
‘Discordo!’, disse um segundo exaltado, ‘biscatinha, sim. Mas não ia se vender barato, não! Estamos falando de uma cortesã, daquelas que só comparecem se o cascalho for graúdo!’
A polêmica foi responsável por generosas gargalhadas. Foi quando interviu um terceiro, provavelmente mais sóbrio que os demais: ‘Seria um sujeito egoísta e altamente ganancioso, daqueles que só pensa em si mesmo e ignora todo resto ao seu redor!’. As risadas silenciaram, uma percepção clara de que o tom do amigo era mais sério.
‘Acho que não’, disse um quarto. ‘Seria um daqueles vendedores falastrões, que te promete mundos e fundos antes de vender, e quando você se dá conta da roubada em que se meteu, ele já sumiu’. A afirmação quebrou o gelo e recuperou algumas risadas.
‘Seria um agiota’, disse o quinto. ‘Ignora o sofrimento do seu interlocutor e te explora até a última gota de suor. No caso , a população é a vítima’. O assunto voltava a trilhar caminhos sóbrios. E quem disse que isso tem que ser engraçado?
‘Seria uma espécie de Kid Vigarista, aquele personagem do Corrida Maluca que se apresenta como herói, mas na realidade é um tremendo trapaceiro’, disse o sexto, despejando a boa ideia de comparações com a indústria do entretenimento.
‘O advogado do diabo’. ‘O quê?’, exclamaram quase instantâneamente os outros seis.
‘Lembram o filme em que o Al Pacino era o diabo e o Keanu Reeves um advogado que vende sua alma? Pois bem, o nosso Congresso seria esse tipo de gente, que vende a alma ao carcará!’. Sombrio, um tanto filosófico, mas suficiente para colocar mais lenha na fogueira…
‘Bem, se é para comparar com filme, nosso Congresso seria aquele personagem do Matt Damon que aplicava golpes em todo mundo e sempre saía ileso!’. Todos riram.
‘Perceberam que nenhuma analogia foi positiva?’, voltou a repetir o terceiro, aquele que impôs um tom mais sério à conversa.
‘Mas é uma corja de safados, acho até que pegamos leve!’, disse o primeiro, que colocou o Congresso no mesmo bordel da ‘biscatinha sem valor’….
‘Mas na verdade, o Congresso somos nós’, replicou o terceiro, que definitivamente estava uns dois ou três ‘copos’ atrás dos demais. ‘Somos nós que elegemos essa ralé. Nós somos a ralé!’
Silêncio na mesa.
‘Meu candidato não se elegeu’, tentou rebater o sétimo, aquele do advogado do diabo.
‘O meu se elegeu e está fazendo merda! Me enganou, o safado!’, disse o segundo.
‘Individualmente, não temos poder nenhum. Mas coletivamente, colocamos uns Tiriricas lá como se nada tivesse acontecido’, enfatizou o terceiro, que parecia ter bebido água.
‘Ôpa, o Tiririca até que está se saindo um bom deputado, não falta e não rouba. Com isso já está acima da média’, disse o quarto, aquele do vendedor falastrão. O humor havia ficado para trás e a conversa se encorpava de sobriedade.
‘O bloco dito governista votou a favor de uma CPI para investigar propinas na Petrobrás, derrubando o interesse do governo. Isso foi ontem!’
‘O pior é que sabemos que fazem não por ideologia ou por que julgam que há algo errado na situação. Fazem por casuísmo, para avisar ao governo de que estão ali, na espreita, esperando por cargos, favores, mais poder…’
‘Não valem nada…’
‘É assim há décadas. Lembram-se do escândalo dos anões do orçamento? Foi há quase vinte anos e continua atual…’. Sessão nostalgia, sacavam do báu um causo famoso de corrupção, onde inclusive um ex-presidente da casa, Ibsen Pinheiro, havia sido pego com a ‘boca na botija’.
‘E o Ibsen se reelegeu depois’, lembrou o segundo.
‘Assim como o Renan, Collor, Sarney, assim como os mensaleiros se reelegerão quando puderem, assim como o Maluf se reelege…’
‘Estamos na roça’.
‘O que me irrita muito no Congresso Nacional, mais do que nos poderes Executivo e Judiciário, é que nós os escolhemos. Exceto o chefe do executivo, o resto desse poder não é eleito. O Judiciário, via de regra, é concursado. Mas o Legislativo….está lá por que a população assim desejou. Nós malhamos impiedosamente o Congresso por que sabemos que eles são o nosso reflexo no espelho. Quando eu xingo essa corja que está lá, no fundo eu sei que estou fazendo uma auto-crítica, envergonhada e infeliz, a respeito da nossa incapacidade de gerar representantes que elevem o grau de civilidade do país. A média desse Congresso representa o brasileiro mediano. É por isso que renovam-se as legislaturas, e tudo permanece como dantes…mudam algumas caras, e os maus hábitos permanecem…’, esse foi o terceiro, definitivamente muito lúcido.
Silêncio.
Silêncio.
Mais silêncio.
‘Garçom!!! Traz mais uma rodada para os sete aqui!’
‘Vocês viram aquele pênalti no jogo de ontem?’
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Victor Loyola
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