Dez reflexões para um futuro expatriado

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Por quase seis anos vivi fora do país. Foram três países (EUA, Grécia, Inglaterra), muitas histórias e uma experiência impagável. Retornei em 2009, quando o Cristo Redentor decolava como foguete do morro do Corcovado e o Brasil era o cisne do mundo globalizado. Na época, quem estava fora queria voltar. Seis anos depois, o cisne se transformou em patinho feio. Hoje, muita gente deseja ir embora. A expatriação é uma alternativa ao raquitismo econômico e a desesperança instalados no país. As dificuldades desse processo tornam-se evidentes somente depois que a euforia da decisão desaparece. É aconselhável refletir com antecedência sobre os altos e baixos de uma empreitada como essa, para prevenir surpresas desagradáveis.

1 – Seu momento de vida é adequado?

Se você estiver solteiro (a), sem maiores vínculos que o prendam e disposto(a) a encarar grandes mudanças, a decisão é simples. À medida que o tempo passa e você cria mais raízes, aumenta a sua complexidade, que muitas vezes não envolverá apenas uma pessoa. Recém casados tem mais facilidade que casais com filhos. Crianças novas são mais adaptáveis que adolescentes. Filhos adultos não são um problema, pois geralmente não lhe acompanham. Por outro lado, nessa fase da vida já é improvável que surjam oportunidades decentes. Se a decisão envolver mais de uma pesssoa, é fundamental que todas as partes estejam em acordo verdadeiro sobre a mudança. Se isso não ocorrer, paga- se um preço alto no futuro.

2 – A janela de oportunidade está apropriada?

Em sua carreira, há momentos mais favoráveis a uma expatriação. Muitas vezes as pessoas agarram-se à primeira oportunidade que aparece e nem sempre essa é a melhor decisão. Consideremos aqueles que começaram a trabalhar no Brasil. O passo mais lógico é ingressar em uma multinacional, pois isso ajuda a superar a burocracia. A obtenção de um segundo passaporte também é uma saída, nos casos em que a descendência permite. Via de regra, o melhor período para essa empreitada não é no início da carreira, onde falta-nos quilometragem. Mercados maduros são mais estáveis e dificultam o crescimento acelerado que os emergentes podem proporcionar nos primeiros anos de trabalho. Esperar muito pode ser complicado, pois à medida que você escala posições de maior senioridade dentro de uma organização, as boas oportunidades fora do país também começam a rarear, e o que surgir provavelmente será inferior à sua posição atual. O normal é que a janela de oportunidade esteja mais amplamente aberta entre os 28 e 40 anos.

3 – Se você for muito seletivo em relação ao lugar, pode terminar no Brasil

Conheço muita gente que se diz interessada em uma experiência de expatriação, mas só se for em Nova York ou Miami. Nesse caso, o interesse genuíno não é pela experiência internacional, mas sim pela possibilidade de morar nos EUA. Quem realmente deseja o selo de ‘cidadão global’ no currículo não pode ser seletivo e deve estar disposto a encarar algumas alternativas não usuais. Lembre-se que uma vez fora do país, outras portas se abrirão. Em algum tempo, seu nome estará nas pesquisas de head hunters como elegível à mobilidade, sua história não se restringirá ao primeiro destino, que pode muito bem ser apenas uma etapa antes de um outro melhor. Enfim, você pode não ter a primeira oferta dos sonhos nos EUA, mas se ficar esperando por ela, pode deixar passar uma tremenda oportunidade na Colômbia que lhe seria muito mais útil no longo prazo.

4 – Não pense na expatriação como uma forma de enriquecer, pois isso não vai acontecer por causa dela

Foi-se o tempo em que os benefícios de um expatriado lhe permitiriam poupar bastante a ponto de fazer um pé de meia a uma velocidade muito maior que em seu país de origem. As empresas estão cada vez mais parcimoniosas na concessão de vantagens no pacote de quem trabalha fora. Se você estiver dentro do grupo dos que são tratados como ‘ international staff’, experimentará algumas vantagens como o subsídio escolar, viagens de retorno anuais e uma moradia em padrão superior ao que você usualmente usufruiria em seu país. Se não estiver dentro desse tipo de programa, vai navegar como qualquer outro nativo no oceano corporativo do lugar. Via de regra, se o objetivo é fazer um pé de meia, lugares menos civilizados até podem ser mais promissores, pois com a moeda fraca são mais baratos para quem ganha em US$ (no caso de programas de expatriado).

5 – O maior desafio não é o trabalho, mas a adaptação da família

Na maioria das vezes, os casos de insucesso nas experiências internacionais não ocorrem por uma questão de adaptação ao novo ambiente de trabalho ou à falta de habilidade para exercer a nova função. Adaptar-se ao ‘escritório’ é facílimo. A cultura corporativa é a mesma e o ambiente nas empresas acaba por assimilar os forasteiros. Se apenas um no casal está trabalhando, a parte que não o faz é que estará sob altíssima pressão, pois é quem foi deslocada do seu cotidiano, que pode sentir mais falta da família e que também pode estar sujeita à sensação de improdutividade. Existe um risco de não adaptar-se e passar a odiar o lugar. Isso contaminará a rotina de quem trabalha, a ponto de torná-la miserável. Por isso, é altamente desaconselhável fazer esse movimento sem que o objetivo familiar de superar esses obstáculos seja genuíno.

6 – Desconecte-se do Brasil e experimente a vida lá fora

Não é fácil desconectar-se da Globo Internacional. Mas é melhor. Não precisa deixar de assiná-la, afinal trata-se de uma pechincha, só que a riqueza plena de uma experiência fora se dá quando você observa e vivencia a cultura local, e para isso, quanto menos tempo de Brasil, melhor. Isso tende a acontecer naturalmente. Quando eu vivia em Londres, em determinado momento me dei conta que às vezes passava dias sem acessar os periódicos  brasileiros. Na Grécia, era mais difícil evitar a nossa TV, uma vez que a televisão em grego não era compreensível. Apesar da distância muito maior, estive mais perto do Brasil enquanto vivi na Grécia. Soa estranho, mas é a realidade.

7 – Seus melhores amigos serão estrangeiros expatriados e brasileiros. Isso é normal

É comum escutarmos a conversa fiada de que a maioria das amizades nos casos de mudança se dá com pessoas que também são de fora, e normalmente ela vem permeada de reclamações e avaliações de que os locais são fechados. Errado. Os locais são normais. Em qualquer lugar do planeta Terra, inclusive em cordiais terras tupiniquins, os forasteiros tendem a se agrupar. Como poderia ser diferente? Estrangeiros vivenciam uma situação semelhante à sua, é razoável supor que exista uma convergência de estilo de vida e interesses. Se os filhos frequentarem escolas internacionais, essa situação se amplifica. Aproveite a diversidade e não reclame.

8 – Não chegue pensando em voltar. Nem em ficar.

A princípio, o expatriado é um cigano corporativo.  Se desejar o estabelecimento de raízes em algum lugar, assumirá sua condição de imigrante permanente. Chegar pensando em voltar faz sua vida ser controlada por um cronômetro em contagem regressiva, imagino que isso diminui a conexão que o sujeito cria com a nova cultura com a qual está se ambientando. Por outro lado, fixar a ideia da permanência desde o primeiro dia pode fechar portas que se abririam para mentes simpáticas  à novas experiências. Meu primeiro destino como expatriado foi Miami, paraíso dos latinos. Jamais pensei em ficar por lá para sempre, acabei fazendo uma mudança radical para Grécia. De lá experimentei um tremendo salto de qualidade e fui parar em Londres. Voltei antes de pensar em criar raízes. Simplesmente aconteceu, sem planejamento prévio.

9 – Abrace a experiência

Qualquer viagem de trem ou deslocamento de ônibus deve ser encarado como uma novidade. Um restaurante, um prato típico, uma conversa com um taxista ou no Café, uma caminhada em um parque, um jogo de futebol, tudo isso faz parte de um diverso emaranhado de situações que lhe farão crescer como indivíduo. Você perceberá sua pequenez diante desse mundão e o quanto suas eventuais preocupações ‘provincianas’ não representam nada. Saberá respeitar as diferenças e talvez entenda que o ambiente muitas vezes molda os seus hábitos. Com isso não se surpreenderá com o fato de que o nosso tradicional e saboroso brigadeiro pode ser rejeitado pela ampla maioria das crianças estrangeiras, por o considerarem demasiadamente doce. E aí, em uma situação tão banal como essa você descobre que o paladar ‘brazuca’ está tão acostumado ao doce quanto o mexicano ou indiano à pimenta…

10 – Não se arrependa

Uma vez tomada a decisão, case com ela e não se divorcie. Conviva com a saudade sem autoflagelar-se. Mudar de país certamente está entre as atitudes mais corajosas que pode ser tomada em vida e uma mudança tão radical não vem desacompanhada de inúmeros obstáculos, alguns já mencionados no texto. Não esmoreça. Ao final da jornada, terá valido muito a pena.

 

 

 

3 Comments
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3 Comentários

  1. Bia monteiro

    2 de maio de 2015 em 10:41

    Nao poderia ser melhor descrito! Muito legal!!! Abs

  2. Marcia Catherine Wright

    19 de outubro de 2015 em 08:12

    Em Set 10, 2015 compartilhei na página do FB “Next 121 Practice Mentoring Workshops” um artigo que resulta da análise dos ddos que usuários publicam no LinkedIn que, além dos principais destinos, indica qual o tipo de expertise mais vem sendo contratado e em quais industrias/setores.
    Agora, quem ali busca dicas que complementam os workshops que conduzimos e que centram no amadurecimento de talentos dirigentes e consequente desenvolvimento de suas carreiras, sob o aspecto profissional (vide artigo ali publicado sobre a diferença entre mentoring e coaching) também encontrará um link para este artigo que efetivamente complementa o tema, não a toa, um dos caminhos alternativos discutidos durante a sessão “Avante” durante a qual esboçamos um roadmap a ser detalhado pelo mentee com o apoio de especialistas.
    Afinal, me parece que continuamos alinhados quanto à necessária postura de agir sim, porém sempre que possível de maneira não reativa, dentro de uma visão de carreira (e não de emprego) de curto, médio e longo prazos onde a expatriação figura sim, como uma opção inteligente se e quando não motivada pela postura de “bombeiro” que vê no aeroporto a saíd mais fácil para momentos de crise, na base do “Bye, bye Brasil”.
    Parabéns Vitor Hugo! Importante alerta pra que não acrescentem ao conteúdo das malas, expectativas distorcidas – muitas vezes fruto de uma percepção de inferioridade do Brasil vs países “desenvolvidos” – e assegurem que a expatriação seja de fato fruto do bom uso de uma oportunidade E de uma decisão ponderada. O travesseiro, esteja onde estiver, agradeçerá!
    Good job! (kkk)

  3. Rolf Henrique Neubarth

    15 de dezembro de 2019 em 15:38

    Mais um excelente texto

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