Vivemos em tempos esfuziantes, procura-se desesperadamente pela disrupção. Há uma profusão de ‘start-ups’, ‘techs’, ‘fintechs’ em busca do unicórnio, uma ideia fabulosa que transforme completamente a maneira como se atua em um determinado negócio, tornando-o promissor, sustentável e imbatível.
Diariamente nos deparamos com publicacões diversas alardeando as boas novas do mundo digital, e o acesso ilimitado e democrático à informação é a grande novidade desse tempo.
Mas existe uma área da economia cujo coração continuará a ser regido pelos bons e velhos métodos tradicionais: o crédito. Ouso ir na contramão dos entusiastas do mundo novo e afirmo, sem medo de errar, que a contribuição das informações não estruturadas para uma decisão de crédito será sempre marginal.
Antes que receba a pecha de reativo e avesso à mudanças, explico a seguir minhas convicções, embasadas em duas décadas de experiência com o assunto.
Uma decisão de crédito leva em conta a probabilidade do tomador não pagar a dívida. Quanto maior for a primeira, maior será o risco envolvido na transação, que será precificado. Na avaliação dessa probabilidade, nenhuma informação é tão poderosa quanto o comportamento de pagamento do tomador, seja ele com a instituição que está avaliando o crédito, seja com o mercado.
A construção de um ‘score’, elemento essencial para qualquer avaliação creditícia, considera a correlacão de centenas de variáveis comportamentais e demográficas com os indices de calote. Seguramentente, as que incluem comportamento de pagamento terão alto poder de discriminação para determinar se um cliente é ou não um bom ‘pagador’. Saber que alguém já quitou um financiamento sempre em dia tem grande valor, assim como os registros de vários atrasos. Além disso, conhecer a renda do cidadão e seu endividamento são importantes na definição da linha a ser concedida (no Brasil, o endividamento frequentemente não é obtido por causa da ausência de um cadastro positivo robusto). No caso de empresas, a geração de fluxo de caixa, a margem operacional, a qualidade das garantias e sua alavancagem de curto e longo prazo são fatores essenciais na decisão de crédito.
Informações não estruturadas capturada nas redes sociais, em aplicativos ou na web não tem condições de substituir os elementos acima com a mesma assertividade. Sua contribuição para um score robusto já construído sobre as variáveis tradicionais é marginal, praticamente irrelevante. Essa tese já foi testada e comprovada.
Obviamente que o mesmo não pode ser dito para segmentos onde temos pouca ou nenhuma informação comportamental (sempre mais forte que a demográfica). Nesse caso, todo esforço para aumentar a capacidade preditiva de quem toma a decisão é válido. De qualquer maneira, nada garante que as informações do ‘big data’ sejam superiores às demográficas. Observe que mesmo para essa situacão, sua importância seria temporária, pois a partir do momento em que o novo entrante se torna usuário de crédito, a informação de comportamento recorrente passará a prevalecer sobre as demais.
Não é de surpreender, portanto, que as novas empresas que surgem no setor de crédito estejam inovando no processo e não nos modelos de decisão. A novidade surge em alternativas diferentes para encontrar potenciais clientes, métodos de autenticação, diversificação de canais de relacionamento. Porém, na hora de ‘assinar o cheque’, quem toma risco vale-se dos critérios tradicionais. Ainda não surgiu na nuvem um conjunto de informações que substitua o bom e velho comportamento de pagamento.
Isso não deprecia o valor do afamado ‘big data’, minha posição sobre sua superficial aplicação em decisões de crédito não me converte em um cético, ele pode ser extremamente útil para prospecção, marketing e vendas.
Um teste intuitivo bem simples: imagine que você emprestará metade do seu salário mensal a uma pessoa desconhecida. Prefere vasculhar o histórico de pagamentos que ela possui contigo e outros credores ou bastaria saber de seus hábitos nas redes sociais e afins?
A euforia proveniente das novidades frequentemente compromete uma análise aprofundada da situação. Já perdi a conta das vezes em que li ou ouvi profecias a respeito da revolucão do ‘big data’, incluindo equivocadamente o crédito como parte dos segmentos a serem levados pela onda. Observadas as exceções possíveis nos segmentos carentes da informação usual, os critérios de decisão de crédito não serão alterados por modismos. Quem viver, verá.
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Victor Loyola
Os textos refletem minha opinião pessoal sobre qualquer assunto, não há nenhum tipo de vinculo com corporações, grupos, ou comunidades. Comentários são extremamente bem-vindos. Me esforçarei ao máximo para fazê-lo um hobby permanente. No segundo tempo de minha vida, está definido que continuarei escrevendo. Se eu parar, de repente é por que eu surtei ou houve algum apagão de criatividade. Essa versão do blog está turbinada – é para ser mais agradável e acessível ao leitor. Há até um espaço para enquetes, uma maneira bem-humorada para encarar o mundo. Boa leitura!!!!!
4 Comentários
Cristina Arakawa
22 de julho de 2017 em 12:56Excelente abordagem. Eu acredito que empresas voltadas especificamente para a área de crédito e que estejam partindo para este caminho de Big Data, com processos e infraestrutura caríssimos, verão que estão dando um tiro no pé.
guilherme
22 de julho de 2017 em 23:29Muito bom seu post Victão. Acredito que os dados não estruturados não substituem, mas complementam as análises tradicionais de crédito.
Portanto, no meu entender, trata-se de um flerte que talvez com o tempo venha se configurar em algo mais sério. Se chega a casamento eu também não sei.
Abração!
Sérgio Calura
24 de julho de 2017 em 22:11Vitor, atualmente seu posicionamento está correto. Porém é preciso abordar a análise de crédito a partir de novas premissas, novas formas e combinação de várias tecnologias em ação num futuro próximo. A inovação vem principalmente com novas formas, e acredito que o modelo de score na avaliação de crédito de sofrer grandes mudanças e até eliminado, pela dificuldade de ser realizado e inacecivel para a maioria das empresas. Isso torna o modelo atual uma grande oportunidade para ser substituído por novas formas de se fazer a avaliação para concessão de crédito.
Victor
28 de julho de 2017 em 00:46Sergio, esse é o ponto. Para dar crédito para alguém, vc precisa saber qual a probabbilidade de calote. E nao existe nenhuma outra informacao que substitua o conportamento de credito e renda aa altura. Acho muito dificil que algum substituto surja, na melhor das hipoteses, outras aternativas para encontrar as mesmas informacoes.