Complexo de viralata: contentar-se com a mediocridade

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Tempos quentes no Brasil. Na véspera de sediar o mais badalado evento esportivo do mundo, o receio é grande de que nossas debilidades de infra-estrutura atrapalhem o bom andamento da organização e causem constrangimento diante do planeta, que estará com as atenções voltadas para a Copa por 30 dias. Mais adiante, em Outubro, uma eleição majoritária que tende a ser a mais acirrada desde o reinício do processo democrático. Os ânimos estão exaltados e são catalisados pelas sempre presentes redes sociais, que nem de longe detinham esse ´share´ do nosso tempo no pleito de 2010; além de uma economia titubeante, com inflação no limite do descontrole, um modelo econômico que se exauriu, e uma sucessão de escândalos de corrupção provenientes de todas as esferas da administração pública. A população está cansada e quer mudanças. Todos falam em capitaneá-la, inclusive o governo.

Há dois grupos que polarizam qualquer discussão: os que não se cansam de criticar o ´status-quo´, muitas vezes atribuindo ao governo federal a culpa de todos os males do país, a despeito do seu poder de influência ser inferior ao que lhe é conferido, e os que colocam panos quentes sobre nossas mazelas, destacando o avanço dos últimos anos como exemplo claro de que o Brasil está na direção certa. Tanto para um grupo quanto para outro, os que lhes opõem estão cegos de paixão e jogam contra o país.

O complexo de vira-lata é um sentimento antigo do brasileiro, que se sente inferiorizado em relação ao que vem de fora, particularmente do mundo desenvolvido. Há um DNA lusitano nesse comportamento, que se aplica em praticamente quaisquer áreas, exceto no futebol, onde nos vestimos com a superioridade, e às vezes, soberba,  a partir da geração de Pelé. Na avaliação dos que defendem o ´status-quo´, criticar o Brasil, falar mal dos nossos problemas e por tabela nos compararmos aos países desenvolvidos seria parte dessa síndrome, a prova concreta de que o brasileiro não tem autoestima e não sabe valorizar seus feitos.

viralata3Hoje, informações sobre qualquer assunto fluem instantâneamente, se o sujeito quiser descobrir qual o índice de saneamento básico do Vietnam, consegue em dois clicks. Ficou muito fácil estabelecer comparações e elas são lançadas na nuvem a todo momento. Também fomos bombardeados em passado recente pela propaganda que o Brasil, enfim, decolara. Por um par de anos o país foi o queridinho da comunidade internacional, a próxima quinta economia do mundo, o melhor dos BRICS. O conto de fadas se esvaiu, e obviamente que o despertar para a realidade de que nosso caminho rumo ao mundo desenvolvido é longo e árduo também gera um descontentamento naqueles que acreditaram na tese do ‘agora, vai’.

As comparações geralmente são desfavoráveis ao Brasil. Ocupamos uma posição mediana na maioria absoluta dos rankings relevantes nas áreas de saúde, educação, infra-estrutura, produtividade, ambiente para negócios, entre outros. Obviamente que estar no meio da tabela desperta sentimentos contraditórios: de um lado a frustração por estar distante do topo, por outro o alento de estar distante da base. Tudo é uma questão de expectativa.

Os otimistas, para quem os críticos do Brasil não passam de rabugentos controlados por setores permissivos da mídia, consideram que estar no meio é adequado e que os avanços recentes provam que o Brasil trilha o caminho do êxito. O problema é que os tais avanços em termos absolutos geralmente não são traduzidos em ganhos significativos em termos relativos. Outros avançaram na mesma proporção e via de regra, a evolução brasileira nesses rankings foi tímida, o que basicamente significa que andamos de lado, ou na melhor das hipóteses, a passos lentos.

Então no fundo existe uma dissonância sobre qual senso de urgência que devemos abraçar para acelerar o passo nos ajustes que nos ajudariam a mudar de patamar dentro de um mundo cada vez mais ‘globalitivo’ (globalizado e competitivo). Para alguns, a velocidade atual é adequada. Para outros, mais inconformados, é insuficiente.

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Eu me incluo no segundo grupo e também por já ter experimentado a vida em países desenvolvidos, nutro um sonho talvez utópico de ver o Brasil alcançar um patamar de civilidade que seja nivelado aos melhores do mundo e consequentemente possa oferecer condições sustentáveis de vida digna a todos os seus habitantes. Estamos longe disso e não considero que os progressos recentes, apesar de factuais, sejam suficientes. O Brasil tem potencial para muito mais e não pode se contentar com a mediocridade.

Por conta disso, não me cansarei de reclamar, criticar, sempre que julgar que são posições justas e considero o policiamento anti-crítica completamente totalitário. A livre expressão é um dos pilares de uma sociedade democrática. Assim como a opinião dos que consideram o passo brasileiro de tartaruga nervosa adequado merece ser respeitado, a crítica ao status quo também. Existem poucos lugares onde o monópolio do pensamento é um direito do estado: Coréia do Sul, Cuba, algumas republiquetas e monarquias africanas e do Oriente médio seguem essa infeliz trajetória, a Venezuela vai por esse caminho e a Argentina já embica nessa direção. Eis exemplos a não seguir. Se não gostar: critique, reclame, convença alguém, e sobretudo, aja no dia a dia conforme o seu discurso. Complexo de vira-lata é contentar-se em estar no ‘meião do mundo’.

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