Complacência

No pacote anti crime sancionado por Jair Bolsonaro no ano passado, havia uma ‘jabuticaba’ que tratava da renovação das prisões preventivas, que deviam ser reavaliadas a cada 90 dias. O então ministro Sérgio Moro solicitou seu veto e não foi atendido pelo presidente.

A :boa nova’ permite que as preventivas impetradas contra os corruptos ‘caduquem’ ou sejam reavaliadas à luz de novas evidências da necessidade de manutenção da prisão. Em tese, cabe à Polícia ou ao Ministério Público solicitar sua prorrogação para que o juiz a avalie.

Foi com base nessa lei que o ministro Marco Aurélio concedeu um habeas corpus de soltura a um dos traficantes mais perigosos do Brasil, que tomou chá de sumiço assim que saiu da prisão.

O ministro, que deferiu o pedido feito pelo escritório de advocacia onde um ex-assessor seu é sócio, alega o cumprimento estrito da lei e tal como Pilatos, lava as mãos. ‘A culpa é de quem não solicitou a prorrogação da preventiva’.

Ele tem um ponto. Afinal, o que estavam fazendo os responsáveis pelo pedido de prorrogação, dormindo? Nada justifica essa negligência quando se trata do caso de um dos criminosos mais perigosos do Brasil.

Por outro lado, o ministro Luiz Fux, na condição de presidente do STF, cassou o habeas corpus de Marco Aurélio, baseando-se na alta periculosidsde do indivíduo. Mas já era tarde demais, o criminoso estava foragido. Marco Aurélio acusou Fux de legislar e jogar para a plateia, normalmente um argumento comum quando existe a contrariedade em relação à manutenção de bandidos na cadeia. Sou leigo no assunto, mas imagino que no vasto arcabouço de 180 mil leis que nos guiam e uma Constituição que é a segunda mais extensa do planeta não haja uma brecha que permita manter um bandido perigosíssimo atrás das grades.

A verdade é que essa história reflete bem o que somos, uma sociedade complacente com o crime.

Uma sucessão de erros culminou com a temporada de soltura de bandidões do tráfico, devidamente respaldados por bons advogados. Há poucos meses, situação idêntica ocorreu em São Paulo: quando o colegiado cassou a decisão monocrática de um desembargador, o traficante já era um foragido.

O Congresso não devia ter proposto essa lei. Se o objetivo era proteger quem está preso indefinidamente sem razão, bastava melhorar o texto, separando o joio do trigo, evitando assim que criminosos de alta periculosodaxe se beneficiassem da medida.

À época, o presidente devia ter dado uma demonstração de coragem, vetando-a.

O MPF ou a Polícia deveriam ter sido diligentes e proposto a prorrogação da preventiva para esse traficante.

Marco Aurélio devia ter negado o habeas corpus.

A leniência generalizada libertou mais um chefão do PCC, desperdiçando tempo, energia e recursos da Polícia e tornando a população mais desprotegida.

Não é a primeira, nem será a última vez que seremos agraciados com esse tipo de decisão. Somos tolerantes com pequenos e grandes delitos e esse comportamento se reflete no Congresso, no Executivo e nas altas Cortes do país. Afinal, por essas bandas tropicais, prisão é para quem não pode contratar um bom advogado. Importante dizer que se a prisão em segunda instância estivesse valendo, nada disso teria acontecido.

E seguiremos desse jeito, resmungando de tempos em tempos, sempre que um caso parecido vier a público. Espasmos de indignação e nada mais.

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