O Brasil é um caso de encefalite letárgica

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O Brasil sofre de encefalite letárgica.

A doença foi abordada no filme ‘Awakenings’ (Tempo de despertar), indicado ao Oscar em 1990, estrelado por Robin Willians (Malcom Sayer), sempre piegas como um médico sofrido, meio trapalhão e um tanto abobalhado e Robert DeNiro (Leonard Lowe), há décadas inerte e adormecido em uma cama, até ser escolhido como cobaia para um novo medicamento descoberto por Sayer, que poderia curá-lo. A droga surte efeito e Lowe desperta aos poucos do seu estado letárgico e começa a recuperar o tempo perdido, aproveitando intensamente seu novo momento. O êxito da experiência com Sayer faz com que o tratamento seja estendido à outras pessoas com a mesma enfermidade, e os resultados são idênticos. Porém, inesperadamente a droga começa a causar efeitos colaterais e aos poucos os pacientes retornam ao estado de apatia, até serem vencidos pelo sono profundo.

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Atualmente são pouquíssimos os casos registrados dessa doença, que já foi responsável por um surto epidêmico entre 1917 e 1928 que infectou cinco e matou um milhão de pessoas. Não há tratamento que leve à cura e tampouco suas causas são conhecidas. Os doentes permanecem em estado parecido ao de coma, com raras reações esporádicas (para se alimentar ou ir ao banheiro), seguidas do retorno ao ‘sono’. Podem ficar assim por décadas, como foi retratado no filme.

É possível considerar o  Brasil como um caso de encefalite letárgica. O tal gigante adormecido, que contempla o tempo passar sem exercer seu pleno potencial. Casualmente, algum ‘medicamento’ gera espasmos no país, que reage, se indigna, cobra, e depois volta a dormir.

É assim quando ocorre algum crime hediondo cometido por um menor de idade. A indignação é generalizada, e mesmo com a sociedade protetora dos menores infratores buscando abafar as vozes da indignação, noventa por cento da população apóia a redução da maioridade penal. E o que acontece? Nada. É possível contabilizar mais de uma dezena de crimes nessas circunstâncias nos últimos anos e o assunto somente volta à tona quando um evento novo ocorre, para ser engavetado na sequência. O gigante acorda com o crime, depois volta a dormir.

A ação penal 470, o popular mensalão, acumulou 6 anos e milhares de páginas até ser levada à Corte, onde foi julgada em 4 meses. A sensação de regozijo que muitos podem ter experimentado com a resolução, mesmo que tardia, de mais um caso vergonhoso de roubalheira, talvez tenha sido em vão. Depois de uma novela tribunalesca com o julgamento dos recursos da decisão, embargos infringentes para lá e para cá, a pena de muitos bandidos foi atenuada. A cobertura midiática do mensalão também foi uma dessas drogas que devolveram ao país um pouco de ‘energia’, logo vencida pelo sono. Também pudera, são tantos os escandâlos e as denúncias de corrupção, que esses medicamentos já estão perdendo o seu ‘poder de fogo’ para despertar o gigante.

brasildorme2As mobilizações populares que assustaram os políticos e colocaram o Brasil de cabeça para baixo no mês de Junho de 2013 pareciam ser uma novidade medicinal capaz de não somente despertar o gigante, mas mantê-lo permanentemente ativo. Infelizmente, o medicamento obteve o resultado usual e o país voltou a adormecer. Como efeito colateral, esse novo remédio nos trouxe o convívio com anarquistas arruaceiros, criminosos mascarados que fazem da baderna e da depredação suas razões de existir, cujas ‘causas’ são tão difíceis de decifrar quanto a inoperância policial para contê-los.

O governo acuado jogou para platéia: quis fazer um plebiscito sobre reforma política, trouxe médicos cubanos, aumentou o tempo de duração do curso de Medicina, entre outras medidas periféricas, sem atacar as causas-raízes do descontentamento. Por outro lado, respirou aliviado quando o gigante retomou seu estado de apatia. A encefalite letárgica do país é uma dádiva àqueles que se aproveitam dele.

Veio a reeleição da Pinóquia e pouco depois as gigantescas manifestações pelo impeachment, ancorada no descontentamento com a crise econômica e mais um gigantesco esquema de corrupção sendo desvendado. A contraparte também foi às ruas, em quantidade dez vezes menor. Era ao menos um Brasil que ecoava seu ponto de vista; outro espasmo.

Deposta a mais incompetente, assume seu vice, enrascado até o pescoço nas maracutais que o PMDB e seu ex-sócio PT tramaram ao longo de 13 anos. A Lavajato avançou como um tsunami sobre todos os partidos que estiveram no centro ou na periferia do poder, gente graúda sem mandato parlamentar mofa na cadeia, sem dúvida um avanço institucional.

Mas o sistema reage: a Suprema corte se acovarda diante da canalhada, solta corruptos, não julga ninguém, a menos que sejam casos de vaquejada. O Congresso cumpre seu papel corporativista e age nas sombras para solapar a Lavajato, pois quem perder o mandato corre o risco de ir para cadeia. Os ministros do STF, especialistas em mudar de opinião de acordo com a direção do vento, preparam um golpe fatal na Operação, se revisarem a prisão em segunda instància.

E o gigante, como está? Dormindo, acometido mais uma vez pela crise perene de encefalite letárgica, sob o risco de endossar a continuidade dos canalhas de sempre, nas eleições gerais de Outubro/18.

‘Deitado eternamente em berço esplêndido’, o Brasil segue a sua rotina de sono profundo, despertado por instantes em algumas discussões menores nas redes sociais. Modelo de conformismo e tolerância, o país se acostumou…onde está o remédio??

 

3 Comments
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3 Comentários

  1. AMBROGHYO MITOKONDRYO

    21 de abril de 2014 em 17:53

    NÓS BRASILEIROS, TEMOS QUE PASSAR UMA BORRACHA EM NOSSA
    TRISTE HISTORIA FEUDO/COLONIALISTA,COMEÇANDO PELOS SIMBOLOS
    IMPOSTOS PELOS LIRICOS LUSITANOS….
    NO PAVILHÃO… ORDEM,TRABALHO E PROSPERIDADE ..
    NO HINO…EM PE, DESPERTO, PARA UM FUTURO ESPLENDOROSO…

    D A I…

  2. Robynson

    24 de outubro de 2017 em 12:41

    Gostei disto Victor… abordagem que retrata nossa realidade. Parabéns !!!

  3. Marcelo Leal Santos

    26 de outubro de 2017 em 08:41

    Infelizmente a resposta é paradoxal o remédio necessário é amargo – Reforma Tributária e na Previdência para pôr o país nos eixos, o que afetará muitos setores já descontentes direta ou indiretamente, e para levar o próximo pleito a tendência da maioria da população é votar em em quem tiver promessas populistas e imediatistas. Então em 2018 já sabemos nada de Sasá Mutema !!!!

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