Até onde vai a privacidade do poder?

Essa semana Ricardo Lewandoski foi interpelado por um passageiro dentro de um avião, que de posse de seu celular gravou a breve conversa, em que ele referiu-se ao STF como uma instituição que o envergonhava. O ministro, demonstrando uma arrogância típica dos que se consideram supremos, questionou se o cidadão queria ser preso. Panos quentes colocados pela tripulação, o ‘repórter por um dia’ teve que prestar depoimento à Polícia Federal após a aterrisagem.

Como não poderia deixar de ser, o vídeo viralizou e se tornou candidato à treta da semana, possivelmente superado pelo causo do motorista de Flávio Bolsonaro, suscitando debates interessantes sobre o respeito à privacidade alheia em tempos onde todos podem ser fotógrafos, jornalistas e cinegrafistas.

Até que ponto é correto abordar figuras públicas, cujos atos desprezamos, em sua rotina? Meu entendimento é que agressões, sejam elas verbais ou fisicas, ultrapassam a fronteira da convivência civilizada e não devem ser toleradas, mas e quanto a uma simples abordagem?

No caso, o passageiro não foi grosseiro nem ofendeu o ministro, apenas expressou seu sentimento em relação ao STF, que aliás é compartilhado pela maioria da população. Não fosse o entrevero gravado, passaria desapercebido.


Mas é aí que entram os detalhes do mundo contemporâneo, onde tudo é compartilhado e disseminado como praga, em tempo real. Seria ético expor uma pessoa publicamente dessa maneira, com o objetivo oculto de viralizar seu ‘conteúdo’? Se fosse uma pessoa desconhecida, diria que não. As vidas dos anônimos não nos dizem respeito. Além disso, eles não trazem audiência, e dificilmente convertem-se em protagonistas desse tipo de situação.

E por que seria diferente com figuras públicas? No limite, uma sociedade que não se manifesta em relação aos atos de seus ‘poderosos’ transforma-se em boiada. No Brasil de hoje, esse ônus recai sobre políticos de toda ordem, juízes, promotores, administradores públicos, delegados. Eles estão na chuva. Vale então gravá-los em sua rotina, sem seu consentimento, e divulgar nas mídias sociais?

Essas são as perguntas-chave, cuja resposta é bastante difícil, pois a definição de quem deveria ser ‘confrontado’ é subjetiva. O que é correto para uns, não é para outros. E então?

É importante discorrer sobre um assunto paralelo que subsidiará a resposta. Hoje, a privacidade é uma utopia. Quando avaliamos essa situação sob a ótica da sua invasão, estamos tomando como referência um mundo que deixou de existir, sem ‘smartphones’ ou ‘redes sociais’. Ignorar essa situação é manter-se preso ao passado.

Em outras palavras, é impossível conter ou censurar esse tipo de evento. É mais fácil esperar que as pessoas reajam adequadamente quando ocorrer. Gilmar Mendes por exemplo, o mais alvejado dos ministros do STF, ignora solenemente todas as tentativas públicas de intimidá-lo, reação muito mais elegante e inteligente que a de seu colega.

Dito isso, não recrimino o advogado que interpelou e gravou o ministro. Ele foi polido, não cruzou a fronteira da civilidade. Isso não quer dizer que eu faria o mesmo se estivesse em seu lugar; para falar a verdade eu não sei como reagiria. Talvez simplesmente ignorarasse o personagem, a quem tanto já critiquei em meus textos. Realmente não sei.

Mas prefiro que o Brasil não se converta em uma grande ‘boiada’ dos trópicos. Que manifestações críticas e civilizadas sejam sempre possíveis. E tudo bem se forem gravadas e compartilhadas. É o mundo em 2018. Quem está na chuva…

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