Brasil: fonte inesgotável de inspiração

O Brasil é mesmo um lugar à prova de tédio. Deveria ser disciplina obrigatória para qualquer estudante de jornalismo no planeta um estágio de seis meses nesse mundão tropical. Nem o Trump com suas fanfarronices consegue ser páreo no quesito geração de manchetes bombásticas.


Em uma semana curta, de apenas três dias, foi produzido material suficiente para forrar por um mês as páginas dos jornais de lugares, digamos, mais monótonos. Senão vejamos:

Começamos com uma ação inédita da Polícia Civil de São Paulo, que eliminou dez bandidos de uma quadrilha que costuma assaltar casas e saquear caixas eletrônicos em São Paulo. O evento se deu no bairro do Morumbi, a dois quilômetros do Palácio dos Bandeirantes, quando os criminosos, munidos de fuzis, colete à prova de balas e carros blindados, acabavam de aterrorizar mais uma família. Surpreendidos com a presença policial, os assaltantes confrontaram a polícia, que em superioridade numérica, fez a sua parte. Quatro deles ainda conseguiram escapar.

Foi uma ação inédita e efetiva, não me recordo de tamanho êxito policial em confronto, e teve aprovação da imensa maioria da população, absolutamente farta da sensação de insegurança e impunidade. Os detratores da ação também deram o ar de sua graça: a polícia usou 140 balas (como se houvesse limite de balas por policial), força desproporcional (como se para enfrentar criminosos em flagrante tivessem que se equiparar em número), exagerou na dose (a ser investigado, como contraponto o fato de que a quadrilha passou meses aterrorizando famílas sem gerar nenhum sentimento de indignação nos bonzinhos). Enfim, o direito à manifestação das opinões é livre, mas não me parece que confrontar bandidos com uma bandeira branca e um pedido de rendição seja o procedimento mais adequado. Parabéns à polícia civil de São Paulo.

Ainda na seara da criminalidade, a Polícia Federal descobriu dezenas de malas e caixas de dinheiro guardados em um apartamento em Salvador, utilizadas supostamente como ‘bunker’ do ex-ministro Geddel Vieira Lima, já em prisão domicilar pela Lavajato. O apartamento, obviamente em nome de um amigo – os imóveis de criminosos brasileiros estão sempre em nome de amigos – tem as digitais já identificadas de Geddel em seu interior, e era utilizado por ele, segundo o dono. Algumas horas foram necessárias para contar as cédulas, que totalizaram mais de R$ 51 milhões. A imagem das malas forradas de dinheiro, compartilhadas à exaustão nas redes sociais, é um tapa na cara dos brasileiros honestos e símbolo de um país de ladrões, corruptos que não se cansam de saquear nossos bolsos e permanecem impunes. O acusado, até o momento, se mantém em silêncio. Ex-ministro de Lula, Vice Presidente da Caixa na gestão Dilma e ex-ministro de Temer, Geddel transitava serelepe pelos bastidores do poder desde 2002.

A população, enojada, aguarda ansiosamente pelas explicações, certamente criativas, de como essa dinherama foi parar lá. Quem sabe não iremos ouvir algo do tipo:

‘Eu não sei de nada. Esse dinheiro não é meu, não conheço o dono do apartamento, forjaram minhas digitais.’

‘Tudo não passa de uma conspiração contra mim. Não há provas.’

‘Ganhei de herança.’

‘Tenho um irmão gêmeo que está foragido. Foi ele.’

‘ Tive sorte na loteria.’

‘ É dinheito honesto ganho em palestras e consultoria.’

Também tivemos fofoca, capazes de preencher várias edições da Revista Contigo. Diálogos etílicos entre o açougueiro trilhardário Joesley Safadão e seu assessor Ricardo Saud vieram à tona. Eles imprudentemente se gravaram e em uma trapalhada monumental, a gravação foi parar nas mãos da Polícia, entre outras tantas liberadas posteriormente à famosa conversa nos porões do Jaburu.

Joesley cita em vários trechos os ex-braço direito de Rodrigo Janot, Marcelo Miller, como principal elo na construção de seu perdão judicial. Estarrecedor. Mas malandro que é malandro, impulsionado pelo álcool e ao som de ‘axé music’, desanda a falar groselha e acaba morrendo pela boca. Não faltaram menções vulgares a mulheres e ao STF, permeadas com a arrogância de quem ‘nunca iria preso’. A gramática, coitada, foi torturada sem dó. Apesar de não prevalecerem os palavrões, como aqueles proferidos aos borbotões pelo senador Aécio Neves, faltou educação e sobrou vigarice. Agora, a sociedade aguarda ansiosamente a suspensão da delação e a prisão do malandrão. O churrasco na carceragem será com carne da Friboi.

Na mesma hora, um envergonhado Rodrigo Janot declara à imprensa que áudios comprometedores dos delatores da JBS colocavam a delação sob júdice. Imprudentemente, o procurador geral dá a entender que as conversas implicavam até ministros do STF. Até agora, soube-se apenas que seu ex-braço direito é que está encrencado. Janot, até então obcecado em afastar o presidente, queimou-se. Passou a impressão de que estava procurando arrumar a casa, a alguns dias de passar o bastão para sua sucessora e opositora no PGR, Raquel Dodge. Afinal, se ele deixasse as ‘gavetas desarrumadas’ para a nova mandatária, o desgaste para sua imagem pública seria muito mais devastador. Melhor fazer o ‘mea culpa’.

Em silêncio, o presidente que recebe na surdina vigaristas nos porões do palácio, comemora. Os R$ 51 milhões do seu amigo do peito também tiveram que dividir a atenção do público com a denúncia contra a cúpula do PT, sob acusação de organização criminosa, e também contra Lula e Dilma, sob acusação de obstrução de justiça. Nesse caso, o fato se deu há um ano e meio, durante a frustrada tentativa da Dona Pinóquia em nomear o célebre Jararaca como ministro. A equipe de Janot levou ‘somente’ 18 meses para formular a denúncia, em um caso nem tão complicado assim. Movem-se na espetacular velocidade de tartaruga nervosa.

Agora, ao apagar das luzes de seu mandato, Janot parece interessado em agilizar todas as denúncias tão aguardadas durante meses. Deixa também a impressão de que está lançando uma cortina de fumaça para eclipsar o papelão da JBS. Ainda nos próximos dias, espera-se uma denúncia contra o PMDB e outra contra Michel Temer. Aquelas no âmbito da Lavajato serão relatadas pelo ministro Edson Fachin e votadas na segunda turma do STF, onde o trio ‘Melajato’ composto por Lewandsky, Toffoli e Gilmar tem o poder de ”veto”. Já imaginaram o Toffoli, ex-funcionário do PT, julgando o partido por organização criminosa? Será no mínimo, interessante. Convém a sociedade permanecer marcando o STF homem a homem, como se diz no jargão futebolista.

Não foi só isso. A cereja do bolo dessa semana curta foi o depoimento espontâneo de Antonio Palloci, ex-homem forte dos governos Lula e Dilma, ao juiz Sérgio Moro. Nele, o italiano não somente confirmou a participação ativa do chefe na rede de corrupção construída com a Odebrecht, como passou detalhes dos ilícitos. O ‘pacto de sangue’ travado entre Lula e Emilio Odebrecht na prática vendia o Brasil à empreiteira em troca de propinas milionárias ao partido e ao seu comandante. Não que seja exatamente uma novidade, mas a confirmação dos fatos através de um personagem da relevância de Palloci é uma bomba atômica sobre a moribunda organização criminosa.

Enquanto isso, o chefe supremo encerrava sua caravana pelo Nordeste, um fiasco de público e conteúdo, onde falou bobagens a torto e a direito, ensaiando uma candidatura presidencial que não vingará. A essa altura, o interesse maior do velho corrupto condenado, mesmo que não expresso publicamente, é fugir da prisão. Para isso, vale-se de sua popularidade, ainda grande no segmento dos desinformados, e de seu status de ex-presidente. Pela gravidade de seus crimes, já era para o grande Marechal estar desfrutando de um tranquilo sabático em Curitiba, fazendo uma dupla de truco com o Italiano no campeonato do presídio, seriam os reis do blefe. Mas, infelizmente, o Brasil parece ainda não estar institucionalmente preparado para tal evento. O juiz Sergio Moro preferiu não inflamar a falta de juízo dos religiosos e não prendeu preventivamente o meliante. Merecia.

Esse capítulo ainda está inacabado. Na próxima semana, o ex-presidente comparecerá em juízo para depor no caso do sítio de Atibaia, com evidências bem mais escandalosas que no processo do Triplex, pelo qual já foi condenado. Cada vez mais desitratado politicamente e alvejado pelo seu ex-homem forte, o velho Alibabá de São Bernardo certamente fará menos ruído nessa ocasião. Já durante o seu primeiro depoimento, a militância fracassou no comparecimento ao ato de desagravo na capital paranaense. Com a sequência dos acontecimentos e a falta de pão com mortadela, há o risco do grande Marechal ser recebido em Curitiba pela incansável Gleisi Hoffman e algumas moscas. A máscara do maior farsante da história do Brasil já caiu, apesar de alguns fanáticos religiosos ainda enxergarem no semblante do grande picareta a figura do Messias.

Foram três dias intensos, o que mais teremos pela frente? O Brasil é uma fonte de inspiração contínua para jornalistas, comediantes e blogueiros amadores, como eu. Haja minutos para escrever sobre tanta picaretagem em tão pouco tempo! No aguardo das cenas dos próximos capítulos…

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