
O jovem dirigiu-se ao pai apressado para lhe contar a boa nova, uma decisão que acabara de tomar, após muita reflexão e observação…
‘Pai, já decidi pela minha carreira, serei político.’
Surpreso, o pai julgava que por detrás de inusitada decisão, havia um genuíno interesse de fazer algo em prol do coletivo.
‘Que ótimo! Quer ajudar a melhorar o Brasil?’
O jovem, despido de qualquer pudor, adotou o sincericídio.
‘ Não, pai. Quero fazer carreira no crime mesmo. E um político no Brasil tem a função perfeita para isso, e uma recompensa financeira extraordinária. E ainda banca de bonzinho para os burros que o elegem’.
Incrédulo, o pai ensaia uma reprimenda, mas contém seu ímpeto e parte para a argumentação.
‘ Você está brincando comigo? Não foi para isso que eu lhe eduquei! Onde você aprendeu que o crime compensa?
Resoluto, o jovem não se intimidou.
‘Admiro sua integridade, pai. Você sempre foi um sujeito honesto e trabalhador, sou grato por tudo isso, mas veja como está a sua situação, vive contando os dias para não acabar o salário, o patrimônio em uma hipoteca a perder de vista, pouco dinheiro no banco. Olhe para os políticos, que em nada são melhores que você! Um telefonema e recebem uma mala de dinheiro clandestina, coisa que você levaria anos para economizar. E ainda fazem pose de santos nas mídias. E quando a corda aperta, uma delação premiada resolve, colocam uma tornozeleira, e ficam de boa’.
Acuado com a resposta e suas várias frentes, o pai escolheu o final da argumentação para fazer o contraponto.
‘ Não é bem assim. Olhe o Sergio Cabral, vai mofar na cadeia. O Eduardo Cunha também’.
Aparentando já ter enfrentado esse tipo de questionamento, o jovem não titubeou.
‘Esses pecaram pelo excesso de ambição, pai. Roubaram como se não houvesse amanhã. Mas olhe os outros, todos soltos. Olhe o Sarney, no crepúsculo da vida, nada lhe acontecerá.’
Sentindo-se em desvantagem e ainda boquiaberto com aquela discussão, o pai continuou, claudicante.
‘ O Sarney prosperou por que se fez em um lugar remoto, pouquíssimo desenvolvido. Você não me parece um sujeito disposto a se mudar para os grotões do Brasil para virar bandido’.
O jovem não se intimidou. Estava determinado.
‘ Não seja por isso. E o Malufão, prosperou em São Paulo, está velhinho e solto por aí. Até hoje tem gente que o adora. Garanto que está com a vida feita até a terceira geração. O Quércia morreu bilionário, exemplos não faltam.’
Nas cordas, o pai buscou argumentos na renovação do quadro político.
‘Seus exemplos são parte do Brasil velho. As coisas mudaram, não há mais espaço para esse tipo de gente.’
O jovem estava achando o embate fácil. Sentia que os argumentos de seu pai estavam cada vez mais etéreos.
‘ Conversa fiada, pai. Que tal o Kassab, que é relativamente novo na política? Dizem que faturou R$ 14 milhões com propina da JBS, isso sem falar nos outros corruptores.’
Aturdido pela sucessão de golpes, o pai não queria jogar a toalha, mas sentia-se em grande desvantagem.
‘ Mas isso ainda não provaram’, foi o que lhe veio à cabeça. Arrependeu-se no instante seguinte, mas já era tarde.
Com a bola quicando na sua frente, o jovem, confiante, arrematou.
‘Conversa de petista, pai! Logo você! Acha que ele emitiu recibo? Põe a mão no fogo pelo sujeito? O cara é um gênio. Montou um partido que não era de esquerda, nem de direita, nascido para mamar no governo, seja ele qual for, desembarcou da Dilma e no dia seguinte estava com o Temer. Tenho certeza de que ele será ministro do próximo presidente também. E se bobear, já é milionário sem chamar a atenção de ninguém!’
Silêncio. Até ali, o pai só recebera bordoadas. O filho avisava que queria ser ladrão e ele ainda não havia conseguido encontrar razões para demovê-lo da ideia. Tentaria por outros caminhos.
‘Filho, corrupção é um crime tão grave quanto um assalto à mão armada na rua. É até pior, pois a usurpação do dinheiro público nesses volumes implica na ausência de ações para melhoria da vida dos mais pobres. A grana que vai para o bolso do bandido poderia construir mais escolas, hospitais, creches, saneamento. Você teria o mesmo valor de um bandido pé de chinelo, por mais que nunca fosse pego. É isso o que você quer?
Opa. Pela primeira vez, o embrião de corrupto sentiu o golpe. A conversa mudava dos exemplos práticos para princípios.
‘ Olhe, pai. O político corrupto não vive só de maldades. Você tem que encarar como uma atividade muito bem remunerada. O sujeito se apropria de benefícios ilícitos, mas converte algo em troca de sua comunidade: uma ponte, uma escola, uma lei para beneficiar empresários que o apoiam e geram empregos. Enfim, um país não existe sem política, e ela é uma atividade meio suja, entende?’
O pai não estava acreditando. Seus olhos já lacrimejavam, mas ele insistia.
‘Então você prega o rouba, mas faz. Não vê que essa é uma das razões do nosso atraso, olhe para as sociedades desenvolvidas, não existe isso de fazer carreira de ladrão, a sociedade não tolera esse comportamento.’
O projeto de bandido tangenciou.
‘ Pai, isso aqui não é a Suécia. Aqui é Brasil. Acredite em mim, como político, poderei fazer muito pelos pobres, quem sabe até não seja endeusado por eles, e ainda serei muito bem remunerado. Requer um pouco de hipocrisia, eu sei, mas até aí, nem tudo são flores’.
Quase rendido, ao pai restavam poucos argumentos.
‘Seu fim é ser preso por uma Lavajato então. Já vou te avisando que não irei lhe visitar na cadeia’.
O futuro político replicou com facilidade.
‘ Nada disso. Basta estar sempre com mandato. Você não percebeu que no Brasil, o político é um semi Deus? Principalmente se for Deputado Federal e Senador. É julgado pelo STF. Ou seja, se der mole, ainda pode contar com a lerdeza das tartaruguinhas. Vou começar por baixo, como vereador. Daí passo para estadual e depois federal. Nessa hora, começarei a crescer na vida…’
A essa altura, o pai já havia perdido a paciência.
‘Quer dizer que eu criei um Renanzinho Calheiros, um Lulinha, um Aecinho?’
Indiferente à ironia, o jovem mantinha a conpostura
‘ Serei melhor que eles, pai. Já disse que não serei mordido pela mosca azul, nunca darei o passo maior que as pernas. O poder não me cegará. Conte para mim, em que outra carreira você consegue milhões sem fazer nada, só na base do relacionamento?’
Quase desistindo, o pai apelava para suas últimas réplicas. A peleja se encaminhava para o fim e ele sentia-se um grande derrotado.
‘ Mas é isso que precisamos mudar, filho. Você não pode pensar somente em si. Como vai se encarar no espelho, sabendo que lesou o interesse de milhões de pessoas que lhe concederam o direito de representá-las? Como vai dormir com isso? E a sua consciência? Ser um político corrupto é tão grave quanto ser um traficante de drogas, que no final do dia está apenas saciando o desejo de um dependente químico, e com isso destrói a sua vida e dos que lhe cercam. O corrupto também faz isso, impede que os que mais precisam tenham acesso a melhores condições. Se não chega a destruir suas vidas, obstrui seu desenvolvimento, perpetua o mal estar. E não me venha com essa conversa de contra cheque, posso não ter o patrimônio dos seus ídolos, mas consigo andar na rua de cabeça erguida e não perco o sono por nenhum malfeito que fiz. Estou no lado da maioria silenciosa, que resiste, mas persevera. Esse país ainda há de ser digno e um dia, nos livraremos dessa corja de parasitas. E se você insistir nessa ideia de se bandear para política pelas razões erradas, boa sorte. Aliás, não lhe desejo sorte. A vida lhe punirá, cedo ou tarde. E nessa hora, você só vai contar com advogados interesseiros e gente da sua laia, que estará encrencada no mesmo nível, compartilhando das mesmas aflições que só os bandidos tem, estará pedindo dinheiro aos espertalhões que lhe bancaram e que fazem troça de você pelas costas. Terá o desprezo da gente de bem, por mais que possa ter hipnotizado alguns ingênuos ao longo do caminho. E nessa hora, quando tudo desabar, você não contará comigo. Nem aqui, nem do outro plano, se por lá eu estiver. Pense nisso antes de se bandear para o lado do Brasil velho. Essa é a minha posição final, não discutirei mais esse assunto’.
Silêncio absoluto. A autoridade paterna havia enfim dado o ar de sua graça. O jovem calou-se. Talvez seu pai tivesse razão. Saiu de fininho da sala, derrotado, com um ‘Ok, vou pensar’.
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Victor Loyola
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