Steve Jobs por Walter Isaacson

Quando estava prestes a se submeter à primeira cirurgia contra o câncer, Steve Jobs pediu a Walter Isaacson, autor de biografias de Albert Einstein e Benjamin Franklin, para que escrevesse a sua. Como muitas outras decisões corretas em sua vida, ele foi muito feliz em sua escolha.

O livro ‘Steve Jobs por Walter Isaacson’, um tijolaço de 586 páginas, foi escrito entre 2009 e 2011 a partir de dezenas de entrevistas com pessoas que de uma forma, ou de outra, passaram pela vida de Jobs, e o resultado é excepcional. Primeiro, por tratar-se de uma biografia despida de ‘puxa-saquismos’. O protagonista do livro não é endeusado como figura mítica, mas tratado de forma realista, com suas virtudes e defeitos, como um ser humano comum. O estilo coloquial flui de maneira muito fácil e o fato da história estar intimamente relacionada a produtos que fizeram parte das nossas vidas nos últimos 30 anos desperta uma crescente curiosidade a cada página virada.

O livro não é dividido em ‘partes’, mas claramente cobre três fases distintas da vida de Jobs. A primeira vai desde a infância até o momento em que é demitido da Apple, a empresa que ele fundou, descrevendo com um bom nível de detalhe alguns fatores que influenciaram o desenvolvimento do futuro Midas da tecnologia de consumo.

Uma passagem marcante logo no início do livro é quando Steve descreve que aprendeu com seu pai a ser perfeccionista com seu trabalho, ilustrando uma situação onde Paul Jobs havia lhe dito ao construir uma cerca no terreno de sua casa: ‘ se preocupe com a perfeição das peças, até com a parte da madeira que não é vista por ninguém, somente por você – pois isso demonstrará que o seu trabalho é realmente bom’. Job sempre foi irritantemente perfeccionista e zelava inclusive pelo visual impecável das placas de circuito que não eram vistas por nenhum usuário, apenas por técnicos de computadores. Importante como uma história corriqueira pode deixar marcas indeléveis na memória e comportamento de quem nos cerca. Da mesma maneira, o modo pelo qual seus pais confrontaram o possível sentimento de rejeição de Steve pelo fato dele ter sido adotado, argumentando que ele era especial, pois fora escolhido a dedo entre milhares de crianças possíveis, também é desses momentos cruciais que se eternizam na vida de uma pessoa.

Em sua juventude, foi um tipo meio ‘bicho-grilo’, gostava de se definir como um conector entre o mundo da tecnologia e o das artes. Não era muito dado à higiene pessoal, tinha hábitos alimentares estranhos, passava semanas se alimentando de uma fruta só ou somente um tipo de vegetal, e achava equivocadamente que isso o tornava asséptico, e daí descartava o hábito de tomar banho ou usar desodorante. Seu aspecto juvenil era, vamos dizer assim, horripilante. Isso é uma lição para todos nós, pois ao encararmos alguém com fisionomia suja e odor desagrádavel, completamente despreocupada com a aparência, não podemos subestimá-lo…esse sujeito pode mudar o mundo daqui a alguns anos!

Com o tempo, à medida que ganhava musculatura no mundo corporativo, foi civilizando seu aspecto, mas nunca deixou de ter o espírito rebelde que o caracterizou na juventude. Ao fundar a Apple em uma garagem com seu parceiro nerd Steve Wozniak, Jobs sempre desempenhou um papel mais visionário e comercial. O livro aborda o crescimento inicial da empresa, catapultado pelos Apples I e II, e dedica muito tempo ao período de desenvolvimento do Macintosh, seu primeiro grande êxito individual.

De tempermento difícilimo, Jobs nunca foi uma pessoa fácil de conviver. Era egocêntrico, tinha um jeito binário de ver o mundo; as pessoas ou eram extraordinárias, ou eram estúpidas. Extremante controlador,  também sempre foi absolutamente direto ao manifestar suas opiniões e geralmente magoava quem estava ao seu redor. Dizia que seu objetivo não era fazer os outros se sentirem bem, mas se tornarem melhores. Seu perfeccionismo estava presente em qualquer aspecto da sua vida. Após tornar a Apple um ícone dos computadores pessoais no início dos anos 80, e de ser aos 30 anos uma das personalidades mais celebradas do mundo, foi demitido da empresa que fundou e de quem era o principal acionista em 1985. O contexto que levou a esse desfecho é descrito minuciosamente ao longo de algumas dezenas de páginas. John Sculley, executivo trazido da Pepsi por Jobs para chefiar a Apple, e que inicialmente era ‘unha e carne’ com Steve, foi o grande artíficie da queda, algum tempo depois de assumir a empresa. A saída de Jobs marcou um lento processo de decadência da Apple e um gradual processo de amadurecimento de Jobs, que retornaria 12 anos depois para resgatar a empresa de uma situação de quase falência.

A segunda etapa do livro cobre o período de doze anos de divórcio com a Apple, onde Jobs desenvolveu uma empresa de sistemas, a NeXT, não muito exitosa, mas principalmente descreve a sua partipação decisiva na criação da Pixar, que viria a ser responsável por uma revolução no mundo das animações, de onde surgiram obras-primas como Toy Story, Vida de Inseto, Os incríveis, Procurando Nemo, Rattatoule, Cars, entre outros. As negociações da parceria com a Disney, o quase-fiasco de Toy Story antes de ser lançado e outras histórias da época trazem uma faceta mais ‘cool’ de Steve Jobs. Nessa fase também, o autor arrisca-se a entrar um pouco mais em sua vida privada, destacando seu casamento com Laurene Powell, com quem veio a ter três filhos. Ao longo do livro ele também descreve o relacionamento turbulento com a filha que Jobs teve aos 23 anos com a sua namorada da época e a sua busca pela família biológica. Interessante notar que ele reatou contato com sua mãe e irmã biológicas, mas nunca quis conhecer seu ‘pai’, talvez por ele, além de abandoná-lo, também tê-lo feito com sua mãe e irmã alguns anos depois. Também não há muita menção à sua irmã de criação, com quem Jobs parecia não ter uma relação próxima. Mas a realidade é que o livro deixa a desejar para quem espera conhecer um pouco mais da vida particular de Jobs. Sempre zeloso de sua privacidade, claramente o aspecto mais íntimo de sua vida é abordado dentro de uma fronteira pré-definida. Das duas uma: ou o autor de fato não obteve muito detalhes a ponto de valer pena esmiuçá-los no livro, ou o foco – pelo caráter muito mais interessante – teria que ser mesmo sobre a vida profissional, que foi o que o tornou uma pessoa fora de série.

A partir da página 309 começa a cobertura do regresso de Jobs à Apple, em 1997. Por estar relacionada a histórias e produtos mais recentes, vívidos também em nossa memória, esse trecho provoca no leitor aquela sensação de ‘não quero parar de ler’ e não surpreende se as quase 300 páginas finais sejam devoradas em um dia. A reconstrução da Apple e o engajamento com os executivos que a tornariam a empresa mais valiosa do mundo dali a 10 anos são extremamente interessantes. A sua conexão com Jonny Ive, chefe de design, explica muito do êxito dos produtos lançados nesse século

. Ive era a cara-metade de Jobs no aspecto ‘artístico’ e conseguia lê-lo como ninguém. Dessa interação surgiram muitos dos ‘i’s presentes em nosso cotidiano hoje.

Os quatorze anos em que Jobs esteve à frente da Apple foram insanamente criativos e produtivos. Os lançamentos dos iMacs, Ipods, Iphones, Itunes, Ipads revolucionaram a maneira pela qual as pessoas interagem com tecnologia. Jobs não somente foi o mentor criativo desse processo, como provou ser também um executivo brilhante, contrariando completamente a expectativa de quem o visse descalço, cabelos e barbas desgrenhadas, acompanhado de um odor desagradável de quem não tomava banho há mais de uma semana, situação que seria normal trinta anos antes. Para provar que se o tempo não muda o conteúdo, no mínimo pode mudar a ‘casca’! Soube se cercar de gente extremamente competente a manter a Apple em uma trajetória saudavelmente ascendente por muito tempo, desafio difícilimo de ser atingido.

Nessa fase, destacam-se algumas histórias muito bacanas: a exaustiva negociação com o U2 (particularmente com Bono) para criação do Ipod U2, o encontro de Steve com seu ídolo Bob Dylan e os bastidores da publicidade que o artista fez com o Ipod, a negociação da compra da Pixar pela Disney, que tornou Steve Jobs o maior acionista individual dessa última, os entreveros com Michael Eisner, então CEO da Disney, e com os executivos do Google, as constantes farpas com Bill Gates, por quem nutria uma admiração ‘competitiva’, o processo de fabricação do vidro do Ipad, a correção do problema da antena do Iphone 4 e os mais diversos ‘pitis’, que foram uma constante durante toda a sua vida.

No mínimo infelizes são as declarações de Bill Gates a cada lançamento de impacto que Jobs fez ao longo da última década. Invariavelmente, eles vinham carregados de ceticismo quanto à perspectiva de sucesso dos novos produtos, previsões que eram contundentemente desmentidas logo na primeira semana de vendas, quando se materializavam os fenomenais ‘blockbusters’. Se a  Microsoft venceu a batalha do ambiente aberto contra o ambiente fechado nos anos 90, a Apple se tornou única e imbatível na integralização da vida digital. Ao final do livro, o autor descreve um  longo encontro entre os dois, na sala de estar da casa de Jobs, pouco antes de sua partida definitiva desse mundo. No fundo, eles se alfinetavam, mas se respeitavam.

A sua batalha contra o câncer, iniciada em 2004 e que durou sete longos anos, confere também um aspecto mais humano ao nosso protagonista, que é exposto à efemeridade da vida no auge do seu sucesso profissional. As diversas idas e vindas da doença e seu impacto no dia a dia de Steve, que durante boa parte desse tempo, escondeu sua enfermidade até de pessoas próximas, é descrita com detalhes certamente desconhecidos do público. Aqui, chama atenção o fato de que Jobs não permitu por 9 meses que lhe fizessem uma cirurgia para extração do tumor, tão logo o mesmo foi identificado. Ao invés disso, tratou-se em vão com as mais diversas alternativas naturebas existentes, até que rendeu-se ao inevitável. Porém, apesar do êxito da cirurgia, foi constatado que o câncer havia se espalhado. Os médicos não garantem que se o procedimento tivesse sido feito no momento correto, o resultado futuro teria sido outro, mas é bem provável que Steve tivesse uma sobrevida maior.

Os últimos anos de sua vida foram extremamente profícuos. Uma parte do seu memorável discurso aos formandos de Stanford, em 2006, está na página 475. As sua incursões espetaculares nos MacWorld, mesmo gravemente doente, para o lançamento dos Ipads, o maior sucesso da história da Apple, conferem emoção ao texto que cobre o crepúsculo da vida de Jobs, que dominava como niguém as técnicas de apresentação e  possuía uma capacidade de liderança sobrenatural.

As páginas finais apresentam um Steve despido da sua versão executiva e nos mostram um sujeito já instruído pela experiência que o seu tempo de jornada lhe conferiu. Quando vejo meu filho de 1 ano e 8 meses manuseando meu Ipad como se conhecesse o aparelho há anos, e vibrando com os inúmeros aplicativos que ele mesmo descobre, só posso concluir que Steve Jobs de fato estava um passo adiante do seu tempo, e ajudou a criar o mundo das gerações que ainda estão chegando.

Por tudo isso, trata-se de uma leitura amplamente recomendável.

Compartilho aqui, algumas frases e pensamentos memoráveis de Steve Jobs:

‘Seu tempo é limitado, então não percam tempo vivendo a vida de outro. Não sejam aprisionados pelo dogma – que é viver com os resultados do pensamento de outras pessoas. Não deixe o barulho da opinião dos outros abafar sua voz interior. E mais importante, tenha a coragem de seguir seu coração e sua intuição. Eles de alguma forma já sabem o que você realmente quer se tornar. Tudo o mais é secundário.’

‘Ser o mais rico do cemitério não é o que mais importa para mim… Ir para a cama à noite e pensar que foi feito alguma coisa grande. Isso é o que mais importa para mim’

‘As pessoas não sabem o que querem, até mostrarmos a ela’

‘Na maioria dos casos, forças e fraquezas são dois lados da mesma moeda. Uma força em uma situação é uma fraqueza em outra, mas frequentemente as pessoas não conseguem trocar as marchas. É uma coisa muito sutil falar sobre forças e fraquezas porque elas sempre são a mesma coisa.’

‘Ninguém quer morrer. Mesmo as pessoas que querem chegar ao Paraíso não querem morrer pra estar lá. Mas, apesar disso, a morte é um destino de todos nós. Ninguém nunca escapou. E deve ser assim, porque a morte é provavelmente a maior invenção da vida. É o agente de transformação da vida. Ela elimina os antigos e abre caminho para os novos’

‘Não faz sentido olhar para trás e pensar: devia ter feito isso ou aquilo, devia ter estado lá. Isso não importa. Vamos inventar o amanhã, e parar de nos preocupar com o passado’

‘Às vezes a vida te bate com um tijolo na cabeça. Não perca a fé. Estou convencido de que a única coisa que me fez continuar foi que eu amava o que eu fazia. Você precisa encontrar o que você ama. E isso vale para o seu trabalho e para seus amores.Seu trabalho irá tomar uma grande parte da sua vida e o único meio de ficar satisfeito é fazer o que você acredita ser um grande trabalho. E o único meio de se fazer um grande trabalho é amando o que você faz. Caso você ainda não tenha encontrado (o que gosta de fazer), continue procurando. Não pare. Do mesmo modo como todos os problemas do coração, você saberá quando encontrar. E, como em qualquer relacionamento longo, só fica melhor e melhor ao longo dos anos. Por isso, continue procurando até encontrar, não pare!’

1 Comment
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1 comentário

  1. Carla Freitas

    15 de abril de 2012 em 13:43

    Victor, eu tambem li e gostei muito. Parabens pelo seu blog!

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