Uma campeão não se faz com histórias clichês. Em suas trajetórias haverá drama, coragem, superação, supremacia técnica ou emocional. No mínimo um desses componentes estará presente para legitimar quem ocupa o lugar mais alto do pódio. Na história das Copas, não há campeão sem um bom roteiro que lhe acompanhe.
Em 2010 tivemos o triunfo de um estilo de jogo imbatível em seu tempo, que reinou soberano por alguns anos e ganhou o mundo nos pés da ‘tikitaka’ espanhola, surpreendentemente derrotada na estréia. Em 2006, uma Itália desacreditada por escândalos de corrupção e quase batida nas oitavas de final diante de uma simplória Austrália, emerge tetracampeã do mundo após o cabeçazo do maior jogador do torneio em um zagueiro casca grossa. O que dizer do Brasil de 2002? Classificado a duras penas, humilhado na Copa América, deixando para trás o maior artilheiro do futebol daquele ano, começa o torneio como azarão e ganha os sete jogos. Que tal a França mestiça de 1998, símbolo de um novo país, liderada por um argelino fenomenal? Invariavelmente, campeões tem uma história brilhante para contar.
Após quatro jogos burocráticos e sem inspiração, a trajetória do Brasil na Copa fluía carente de boas histórias. O futebol não empolgava, nem a torcida, superada em vibração pelos rivais latinos. O apagão após sofrer o empate contra o Chile, quase responsável pelo maior vexame da história e a choradeira durante e após o jogo. Os 200 milhões de técnicos se transformaram em psicólogos. Afinal, pode chorar ou não? O técnico Felipão cada vez mais rabugento, começava a instransigir com a imprensa, lembrando um pouco o antecessor Dunga. Futebol, que é bom, andava em falta. No campo, o herói era o Julio César, ex-vilão redimido. Boa história para um jogo, insuficiente para uma Copa.
Diante da Colômbia, sem tradição, mas dona da melhor campanha do torneio até ontem, a seleção brasileira buscava não somente reencontrar seu bom futebol (jogado ano passado): precisava de um rumo, de uma história. Começou bem. Marcando a saída de bola colombiana sob pressão, logo encontrou o primeiro gol, com Thiago Silva, o capitão emotivo. Ao contrário da partida contra o Chile, seguiu imprimindo seu ritmo e não deixou nossos vizinhos do norte jogarem. Poderia ter ampliado o placar e liquidado a fatura. Não o fez. A avenida Daniel Alves, por onde os adversários passavam sem preocupações e nos criavam problemas, foi obstruída pelo vigoroso Maicon, que veio para ficar. A dupla de zaga se agigantava a cada espetada do ataque colombiano, tornando-o ineficaz. Marcelo fazia sua melhor partida na Copa, os volantes acertavam na marcação e Paulinho chegou a ter lampejos do jogador que foi no útlimo biênio. Lá na frente, Oscar era eficiente na marcação, mas não chegava a brilhar, assim como Neymar, somente regular. Hulk fazia jus ao nome. Muita luta, força, movimentação. O problema dele é o seguinte: quando queremos que ele cruze a bola, ele chuta. Quando queremos que ele chute, ele cruza. Mas tudo bem, segue muito mais perigoso que Fred, nosso cone, agora com rodinhas. Como a bola está batendo no Fred nessa Copa…
No segundo tempo, nosso ritmo caiu. Quando já flertávamos perigosamente com o sofrimento, David Luis, o melhor jogador brasileiro da atualidade, cobra uma falta do olho da rua, com perfeição. 2×0. Efeito calmante. Alívio, finalmente. Doce ilusão. Aos 31’, em uma das poucas cochiladas da defesa brasileira, um atacante colombiano penetra sozinho na área e sofre pênalti, cometido por Júlio César, até então mero espectador da partida. James Rodriguez, provável artilheiro do torneio, com 22 anos e 6 gols, converte e cria o ambiente com o qual já estamos acostumados: drama. E não é privilégio do Brasil.
Neymar leva uma joelhada desleal do lateral Zuniga. Saiu de maca, chorando. Àquela altura, tínhamos Henrique e Ramires em campo. O esquema era o 5-4-1. Cinco defensores, quatro meio-campistas, sendo três deles volantes e o Fred na frente. Bem, então melhor seria descrevê-lo como 5-4-0. Faltavam 10 minutos, e realmente não era momento para maiores arroubos ofensivos. Se o jogo fosse para a prorrogação, estaríamos fritos. Não foi. Uns escanteios aqui, outros ali, passamos ilesos. Resultado justo. Um primeiro tempo excelente e um segundo, que se foi longe de ser espetacular, mostrou um time dedicado, atento, valente.
Notas:
Júlio César: ganhou ingresso para observar o jogo do campo e fez um pênalti. Dou 7, ainda pelo jogo contra o Chile. Nesse, não teve trabalho.
Maicon: Resolveu o problema da Avenida Daniel Alves. Desarmou muito bem e apoiou com eficiência. Não sai mais do time. 8.
Thiago Silva: Excelente. Fez um gol, salvou uma bola crucial logo em seguida. Foi injustamente amarelado, pois não teve a intenção de fazer falta no goleiro. Ausência importante contra a Alemanha. 8.5.
David Luis: Gigante. Zagueiro, fez o dobro de gols de Fred na Copa, eficiente no ataque e na defesa. Certamente será o novo capitão contra a Alemanha. 10.
Marcelo: Ótimo no apoio e dessa vez eficiente na defesa. 8.
Fernandinho: Foi melhor como primeiro volante, do que na partida anterior. Andou abusando das faltas, fosse o árbitro mais rigoroso, poderia ser um problema. 7.
Paulinho: Voltou bem. Dá sinais que pode voltar a ser o velho Paulinho que conhecemos. Retomou seu lugar no time, para queimar minha língua, já que eu achava que passaria o resto da Copa no banco. 7.
Oscar: Bem na marcação, apenas regular no apoio. 6.
Neymar: Mesmo jogando mal, ele atrai atenção do time oponente. Hoje não esteve bem. 5.5.
Hulk: atuou como o herói verde. Mesmo tosco, o melhor do ataque. 7.
Fred: se movimentou muito mais. Já não dá para taxá-lo de cone. Agora é um cone com rodinhas. Segue apanhando impiedosamente da bola. Até quando? 4.
Ramires, Henrique e Hernandes: Pouco tempo para avaliar. Sem nota.
Felipão: Rendeu-se aos fatos ao substituir Daniel Alves. Resta saber até quando insistirá com Fred. De qualquer maneira, a postura do time mudou, e isso deve ter o dedo do chefe. 7.
O Brasil, outrora tido como excessivamente dependente de Neymar, de longe o seu melhor jogador, fazia a sua grande apresentação na Copa no dia em que sua maior estrela não brilhava. Pior, saía antes do final do jogo, alquebrado por uma entrada dura nas costas. Poucos minutos antes do fatídico lance, eu ouvia um comentarista pedir a saída de alguns pendurados com amarelo, para que não corressem o risco de ficar fora da semifinal. Neymar, que não vinha bem, poderia ter sido substituído. Difícil entender o destino.
Como diz um amigo meu, Neymar fará falta pelo que ele poderia jogar nas duas últimas partidas, não pelo que jogou na Copa. Simplificação brilhante. Isso signfica que alguém terá que jogar pelo garoto. Provavelmente mais de um. O Felipão deve concentrar sua energia no time e esquecer a imprensa. Será uma semana de intenso trabalho tático e psicológico. Os jogadores terão que evitar o dramalhão criado ao redor do assunto. Se o grupo já estava unido, agora é a chance de obter aquele ‘algo a mais’. A própria presença do atacante na concentração ajudará.
Está criado o roteiro do campeão. Uma equipe que começou desnorteada, batendo cabeça e que encontra o caminho do título a partir da tragédia do seu maior craque, vitimado pela violência impune. Um time que contraria a lógica da dependência e que encontrará no espírito coletivo e na superação os atalhos para conquistar a Copa do Mundo. Será difícil bater a Alemanha? Claro que sim. Sempre. Mas os alemães são fregueses históricos. Me preocupo mais com a Holanda, na final. Há risco de outro Maracanazo. Mas até lá, teremos crescido mais. O Hexa virá de forma épica.
Neymar será o melhor jogador da Copa de 2018, na Rússia. Ano do Hepta.
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Victor Loyola
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2 Comentários
Daniel Celeguim
5 de julho de 2014 em 10:02Muito bom !!!
Excelente resumo de toda a nossa trajetória, seja no jogo de ontem ou na Copa!!!
Obs – Cone de rodinhas foi demais
Márcia
8 de julho de 2014 em 23:51Infelizmente, foi difícil bater NA Alemanha….bem melhor seria “ser difícil bater A Alemanha! E que venha o Hexa….na Russia?