Propinolândia

Ontem, o juiz Sérgio Moro tornou pública a delação de Antonio Palocci, ex-homem forte dos governos Lula e Dilma, presidiário já condenado por corrupção, e detentor de inconfessáveis segredos palacianos da era de ouro da gestão petista.

Os fiéis seguidores do divino preso constestarão a decisão do juiz, acusando-o de perseguição política e outras ladainhas, farão vistas grossas às centenas de páginas de confissão, como se Palloci fosse um ilustre desconhecido.

O ex-ministro, que há um ano foi citado pelo grande chefe como amigo de sua estrita confiaça, comprometeu-se em devolver R$ 35M roubados dos cofres públicos, uma quantia nada irrisória.

Dentre as histórias pouco surpreendentes relatadas pelo ex-ministro, uma me chamou atenção pelo caráter simbólico e pela representação atual de um Brasil que adotou o capitalismo de compadre como modo econômico dominante: segundo Palloci, 900 das 1000 medidas provisórias editadas pelo PT foram concedidas via pagamento de propina ao partido, aliados e seus parlamentares.

Em outras palavras, 90% das leis ou decisões tomadas em Brasília foram compradas, negociadas nesse imenso bazar que é o Congresso Nacional. Sob essa ótica, os parlamentares brasileiros poderiam ser comparados a mercadores, cujo objetivo é enriquecer através da venda de benefícios públicos a agentes privados e perpetuar-se no poder, mantendo a boquinha por tempo indeterminado.

Está claro que o PT, como protagonista da coalizão que governou o Brasil por 16 anos, foi o maior beneficiário do esquema, mas todos os partidos aliados se lambuzaram na festa e mesmo os que estiveram na oposição fariam o mesmo, caso tivessem oportunidade, conforme já foi demonstrado em exemplos pontuais onde o PSDB está encrencado. O sistema é corrupto e portar-se com dignidade é anomalia.

É lamentável que mesmo diante de acusações tão graves, vindo de quem exercia um papel proeminente na gestão do país até há pouco tempo, parte da população bem informada simplesmente prefira ignorar a situação, focando atenção na forma da denúncia e não em seu conteúdo. Para eles, a corrupção faz parte da paisagem do cenário político, trata-se de um mal menor, relativizado diante de um objetivo superior, que é o exercício do poder propriamente dito.

Será que Palloci mente? Seriam todos os acusados pessoas injustiçadas e de coração puro, incapazes de cometer esses crimes? Seria tudo uma grande perseguição a gente honesta que só deseja o bem do país? Os R$ 35M a serem devolvidos são um trocado diante do benefício trazido pelo governo então intocável?

A falta de autocrítica destruirá o que sobra de dignidade ao PT, se é que ainda resta algo disso no partido. A submissão de seus interesses à vontade do chefe, maestro do grande esquema, que desde a cadeia tem a ambição de reconquistar o poder, será a pá de cal na sua existência.

O mais lamentável, entretanto, é constatar que esse tipo de denúncia não causa mais constrangimento, como se fosse mais uma em nossa rotina acostumada a barbaridades. Esse é o maior perigo, tomarnos crimes graves como fatos corriqueiros e por conta disso deixarmos de combatê-los.

Para uma sociedade onde o patrimonialismo e a corrupção estão impregnados no tecido social, só há uma solução que possibilita alguma mudança de cenário no curto prazo: permitir que haja punição. Até há pouco tempo, essa era uma situação impensável, corruptos jamais eram punidos. Avançamos muito nesse sentido com o advento do caso Mensalão e posteriormente da operação Lavajato, o histórico de gente poderosa e criminosa atrás das grades nos últimos anos causa inveja a qualquer país cívilizado. Embora haja resistência dentro do próprio STF e a faxina ainda não tenha chegado aos políticos com mandato, o progresso é nítido, mas não a ponto de intimidar a prática mercantilista no Congresso.

A manutenção da prisão em segunda instância, o fim do foro privilegiado e uma renovação mais intensa no Congresso são os três pilares de sustentação para uma mudança efetiva de comportamento da classe política e de seus possíveis corruptores. O medo da punição deve ser maior que a cobiça pelo enriquecimento ilícito. Somente assim deixaremos de presenciar os desgraçados episódios de roubalheira que tanto envergonham os bons cidadãos desse país.

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