Após breve recesso, aproveito a madrugada de uma segunda-feira para elaborar sobre um assunto que me chamou atenção ao longo da semana. Remete ao nosso DNA macunaíma. Será que nós brasileiros já nascemos com os genes da malandragem ativos? Tomo por exemplo uma situação banal em um jogo de futebol, que pode ser amplificado para outras passagens do nosso cotidiano.
Semi-final do fraquíssimo campeonato carioca, Vasco e Fluminense se enfrentam por uma vaga na decisão. Jogo truncado, tecnicamente pobre. Um jogador do Gigante da colina faz uma falta leve em um adversário, impedindo-o de avançar, com a mão sobre o seu peito. O tricolor faz uma encenação absolutamente desnecessária, coloca as mãos sobre o próprio rosto, simulando uma cotovelada que não houve e cai no chão, esperneando por uma dor que nunca existiu. O árbitro marca falta e ignora a performance do ator-jogador. Os comentaristas passam batido pelo lance, que nem chega a causar repulsa. Tentativas de enganar a arbitragem são comuns em nosso futebol. É o velho ‘ se colar, colou’, mesma prática aplicada pelos donos de lanchonetes na zona sul do Rio de Janeiro, que cobram até o dobro de turistas desavisados, por qualquer item no cardápio. É assim que uma reles porção de omelete de camarão atinge a exorbitante marca dos R$ 100! Em ambos os casos, temos graves desvio da conduta ética, socialmente aceitos em nossa cultura tolerante com pequenos delitos e orgulhosa da malandragem.
Por que consideramos normal um jogador de futebol enganar o árbitro? Vale ganhar de forma ilegal?
Copa de 2002. Jogo de estréia, o Brasil enfrenta dificuldades com a Turquia, até que Rivaldo simula um pênalti, de maneira espalhafatosa. O juizão cai como um pato, o Brasil vence a partida, o atleta brasileiro é duramente criticado pela imprensa européia, enquanto a daqui faz vistas grossas. Quatro anos antes, na final da Copa de 1998, o Brasil tomava um baile da anfitriã, quando o mesmo Rivaldo devolve ao campo da França uma bola recebida por conta de uma contusão de um francês. ‘Fair play’. Não para Edmundo, que quase teve um chilique no campo, aos berros, contestando agressivamente a atitude do colega. ‘ Ele é muito competitivo’, afirmaram os locutores, tapando o sol com a peneira de uma ação eticamente duvidosa. Muitos concordaram com o Edmundo de 98 e com o Rivaldo de 2002. Em 1962, Nilton Santos cometeu um pênalti sobre um jogador espanhol e deu um providencial passo para fora da área. O árbitro não percebeu e marcou falta. Fosse penalidade máxima, os rumos daquele torneio poderiam ser bem distintos. Até hoje, Nilton é endeusado pelo lance matreiro. O que dizer do gol de mão do Maradona, na final da Copa de 86. ‘ La mano de Diós’ também é colocada no pedestal dos espertalhões. Nesse aspecto, nossos ‘hermanos’ se parecem muito conosco. Não temos moral para criticá-los, pois se o episódio fosse com um brasileiro nas mesmas condições, a reação seria muito parecida.
A malandragem faz parte do jogo. Faz? Desviar dinheiro público também?
Campeonato alemão de 2014. Um atacante é supostamente derrubado dentro da área e o árbitro marca pênalti. O jogador vai até ele e confirma que tropeçou sozinho. Por conta disso, o árbitro volta atrás na decisão. Aparentemente, não houve represália dos colegas ou da torcida com a honesta confissão. Dizer a verdade, mesmo sob o risco de ser prejudicado em seu objetivo final ( vencer o jogo), é uma prática corriqueira. Transponha essa situação para o Brasil. É impossível imaginar nossos malandros tomando esse tipo de atitude, e caso o fizessem, é facílimo imaginar a contestação que sofreriam dos colegas, da torcida e até da imprensa.
Não se trata de futebol, é tudo ao nosso redor. A maneira como nos relacionamos com o mundo carrega essa perversa dose de malandragem, exaltada nas anedotas e parte do imaginário popular. Toleramos essa deficiência de caráter como uma característica cultural. Só que o malandro é um perdedor. Enquanto ele sorrateiramente engana alguém, outro lhe puxa o tapete, em um contínuo embate onde a confiança desaparece e todos perdem. No Brasil, até o Estado se protege desse mal, impondo uma burocracia insana aos cidadãos, evitando assim que eles usem de má fé diante da simplicidade. Como consequência, tudo se complica, o país torna-se mais caro e menos produtivo.
Essa desgraça nacional somente será eliminada se passarmos a praticar a tolerância zero com a malandragem. É difícil, pode levar mais que uma geração. Poderia ter começado no Domingo, com o árbitro expulsando o jogador do Fluminense por encenação, após marcar corretamente uma falta leve sobre ele…imaginem a reação da malta, era capaz do juizão apanhar em campo…
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Victor Loyola
Os textos refletem minha opinião pessoal sobre qualquer assunto, não há nenhum tipo de vinculo com corporações, grupos, ou comunidades. Comentários são extremamente bem-vindos. Me esforçarei ao máximo para fazê-lo um hobby permanente. No segundo tempo de minha vida, está definido que continuarei escrevendo. Se eu parar, de repente é por que eu surtei ou houve algum apagão de criatividade. Essa versão do blog está turbinada – é para ser mais agradável e acessível ao leitor. Há até um espaço para enquetes, uma maneira bem-humorada para encarar o mundo. Boa leitura!!!!!
1 comentário
Laureano
2 de abril de 2014 em 08:37Sem falar da copa de 1978 na Argentina, a goleada sobre Peru ou na copa se 90, a famosa agua bendita… tudo vale para conseguir a vitória. Mas isto nao é novo, lembre da teoria Maquiavélica.