O capitalismo de compadre

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Grandes pensadores do liberalismo econômico devem se surpreender com a metamorfose pela qual o modelo capitalista é submetido no Brasil, eterna potência emergente da periferia do mundo, recém desempossado do título de queridinho dos mercados, hoje tartaruga dos países em desenvolvimento, assolado por um complexo ambiente econômico e social onde reinam a incompetência, a corrupção, a ineficiência, a violência e a falta de educação, tudo isso camuflado em uma roupagem de falsa tolerância e cordialidade sob a batuta de um Estado obeso, intrometido e perdulário, grande incentivador de uma nova ideologia econômica tipicamente tropical: o capitalismo de compadre.

Seguidores do lulopetismo costumam reagir aos intermináveis escândalos de corrupção com a alegação envergonhada de que sempre foi assim no Brasil, aludindo especialmente ao governo FHC, por quem nutrem uma paixão platônica inconfessável. Basta que mais um petista de carteirinha seja envolvido no mar de lama que o coro dos ‘injutiçados’  trata de minimizar a relevância da roubalheira e resgatar memórias de um governo que terminou no milênio passado, como se a corrupção pretérita justificasse o presente ‘sujismundo’.  O Brasil sempre conviveu com a corrupção, é irrefutável. Nossa cultura patrimonialista, que costuma misturar na mesma panela interesses públicos e privados, ajudou-nos a construir uma sociedade tolerante com a bandalheira. Mas a industrialização da corrupção que experimentamos nesse século só foi possível por que estamos diante de um modelo de capitalismo onde o estado ‘todo poderoso’ atrai para sua órbita uma iniciativa privada sedenta por novos negócios. Onipresente, como um grande foco de luz na escuridão, o estado brasileiro suga e alimenta os mais diversos tipos de insetos.

Nosso estado representa quase 40% da economia, arrecada impostos equivalentes a 100 dias úteis do trabalho de quem os paga, é incapaz de prover serviços básicos à população e campeão em fomentar negócios escusos. Intrometido, dá pitaco em tudo e servido por um sem número de ministérios, autarquias, estatais, aliado à uma burocracia infernal, acaba sendo inevitável. Não há como corporações atuarem no Brasil sem ter que lidar com ‘Ele’.

A Petrobrás, epicentro de um dos maiores escândalos de corrupção da história do planeta, foi levada à lona também por seu gigantismo e sua presença desnecessária em todos os estágios da cadeia produtiva, mesmo aqueles distantes de sua atividade fim, que é a exploração de petróleo. Não resistiu ao peso da responsabilidade que lhe foi atribuída pela ideologia do governo de plantão, sempre buscando aumentar a participação do estado. Muito maior e mais ampla, as relações perigosas com os seus inúmeros fornecedores, a maioria deles grandes empresas da iniciativa privada, tornaram- se incontroláveis e opacas. Diretores nomeados politicamente que em uma canetada podiam decidir o destino de bilhões elegiam seus compadres, representantes de empresas que lhes pagavam pedágio para estarem presentes nos negócios da divina estatal. Amplie-se o contexto para outros setores da economia, e teremos milhares de compadres bebendo na fonte do estado, bancados por nós e abastecendo as contas bancárias de alguns privilegiados servidores públicos. Uma intricada teia de corruptos e corruptores onde nem mais sabemos quem é quem.

Iludem-se os que acreditam que o período de inclusão social que vivenciamos na primeira década desse século é decorrente de uma ideologia ‘socialista’, outrora pregada pelo partido majoritário do governo. Aproveitamos a bonança global e o ‘boom’ de commodities e mesmo preguiçosos para implantar mudanças que proporcionassem um salto de qualidade em nossa produtividade, surfamos a onda, que há tempos se esvaiu. A administrações lulo-dilmistas ao engrandecer o estado e seus tentáculos, aguçaram as relações de compadrio entre as esferas pública e privada e tropicalizaram o capitalismo praticado pelas bandas de cá. Os amigos do rei podem tudo.

Mesmo com a surpreendente operação lava-jato trancafiando em cadeia muitas figuras importantes no ambiente empresarial nacional, seria ingênuo pensar que uma nova era se inicia. É muito difícil reduzir a corrupção  em um ambiente em que o estado é onipresente e guiado pela lógica do capitalismo de compadre. Para melhorar, precisaríamos emagrecê-lo. Menos estado, eis o verdadeiro lema da mudança.

 

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