Criado em 2003 como tábua de salvação para o ‘Fome Zero’, que patinava na precária articulação entre as diversas esferas da burocracia federal, o programa Bolsa Família (PBF) foi a primeira e maior iniciativa de sucesso do governo Lula para inclusão social, tornando-se posteriormente seu grande trunfo eleitoral, decorrente do enorme impacto positivo no aumento da renda de mais de 13 milhões de famílias, abrangendo uma população superior a 45 milhões de pessoas.
Muito embora não tenha sido a iniciativa pioneira como programa de distribuição de renda, uma vez que o ‘Bolsa-escola’ já era utilizado em alguns municípios desde 1994 e foi posteriormente adotado pelo governo FHC, tal qual o ‘Bolsa-alimentação’ e o ‘auxílio-gás’; o PBF caiu nas graças da população por proporcionar seu acesso simplificado, ancorado no cadastro único de programas sociais, ferramenta também criada no governo FHC e aprimorada na gestão petista, que permite mapear as famílias em situação de pobreza em todos os municípios brasileiros. Reforçado por ações de marketing extremamente eficazes e capitaneadas pelo presidente, o programa ganhou ‘paternidade’, apesar de no fundo ser filho de vários pais, representados pelos diferentes órgãos e funcionários públicos que ao longo das duas últimas décadas buscaram encontrar soluções que aliviassem o problema da miséria no país.
Não considero que o fato do Lula e PT tomarem para si a paternidade do Bolsa-família seja algo condenável; afinal de contas, foi na sua gestão que o processo expandiu-se e massificou-se. Temos aqui uma situação onde os protagonistas do momento aproveitaram-se das circunstâncias favoráveis para amplificar o seu reconhecimento e criar um vínculo quase indissociável com os beneficiados do programa, valendo-se também da falta de sensibilidade do governo anterior, que não percebeu que as benesses da estabilização da economia já não surtiam efeito eleitoral e que o clamor das ruas vinha na direção de melhorar a distribuição de renda. O PSDB perdeu a chance de também ter a sua ‘paternidade’ sobre o PBF endossada pela população e terá que conviver com essa situação até que sua influência se atenue, tal qual ocorreu com a eliminação da inflação, que passou de feito histórico a fato corriqueiro ( ameaçado pela displicência do governo de plantão).
Me agrada o conceito do PBF em um país repleto de miséria, como o nosso. Porém, ele deve ser tratado como ‘anestesia’, e não como ‘remédio’. E a primeira não cura enfermidades, apenas alivia temporariamente a dor. Ao longo dos últimos dez anos, dezenas de milhões de brasileiros foram submetidos a uma longa e aliviadora anestesia, que apesar de mitigar a dor da miséria, não eliminou a doença original. Nesse caso, é necessário um ‘tratamento de choque’ mais vigoroso, para o qual ações assistencialistas são inócuas.
Até hoje, ainda não vi ninguém fazer uma pergunta fundamental para medirmos a eficiência do PBF como ‘remédio’: quantas famílias, beneficiadas desde o início, seguem associadas mensalmente ao programa? Se a resposta indicar que a maioria permaneceu vinculada continuamente ao PBF ao longo de todos esses anos, teremos uma prova irrefutável de que o mesmo não passa de ‘anestesia’, sendo um tremendo fiasco enquanto ‘remédio’.
Suspeito que esse índice de continuidade é muito alto, apesar de não ter encontrado uma informação oficial, fato decorrente da ausência de curiosidade sobre a pergunta-chave, que se fosse disseminada por todos os rincões do Brasil, forçaria os órgãos do governo a se manifestar. Em alguns textos encontrados na Internet fala-se que aproximadamente 1 milhão de pessoas abandonaram o programa por já terem condições de se auto-sustentar. Se esse número for verdadeiro, e cabe a dúvida, por desconhecer a credibilidade da fonte, teríamos uma efetividade no combate à miséria muito baixa, inferior a 10%, ou seja, para cada 1oo famílias patrocinadas pelo PBF, menos que 10 conseguem abandonar o estado de miséria por conta própria. Isso corrobora com a tese de que o governo é bom assistencialista, mas péssimo fornecedor de instrumentos para que a população pobre tenha condições de se desenvolver.
Por enquanto, os efeitos positivos do PBF seguem geradores de satisfação na população mais carente, cuja memória ainda remonta aos tempos do mais absoluto ‘miserê’. Mas gradualmente, o bem-estar adicional proporcionado pelo PBF será incorporado à rotina. Os filhos dos beneficiários (além dos próprios) estarão acostumados ao novo ‘status-quo’ e a natureza humana irá demandar mais competência do governo: o desejo de melhorar é intrínseco a todos nós.
Nessa hora, infelizmente a ausência do remédio será notada. Mas até que isso aconteça, o imenso contingente de beneficiários do PBF estará satisfeito com a anestesia. Em um país onde quase metade da população não completou o ensino fundamental, com 7.7 anos de estudo por pessoa (em média) e com quase 30% de sua gente funcionalmente analfabeta, a comunicação é mais importante que o conteúdo, em geral muito complexo para ser devidamente assimilado por pessoas despreparadas.
O Brasil do Bolsa-família teve o mérito de anestesiar a dor da miséria, mas até o momento tem sido incapaz de prover o único remédio capaz de aniquilá-la definitivamente: oferecer educação de boa qualidade para TODOS. O Brasil fracassará se daqui a 10-15 anos o Bolsa família continuar sendo o grande carro-chefe do governo de plantão e se continuarmos a encher o peito para dizer que 1/4 da população brasileira é assistida por ele. Anestesia não dura para sempre e não cura doenças, apenas alivia a dor, temporariamente…
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Victor Loyola
Os textos refletem minha opinião pessoal sobre qualquer assunto, não há nenhum tipo de vinculo com corporações, grupos, ou comunidades. Comentários são extremamente bem-vindos. Me esforçarei ao máximo para fazê-lo um hobby permanente. No segundo tempo de minha vida, está definido que continuarei escrevendo. Se eu parar, de repente é por que eu surtei ou houve algum apagão de criatividade. Essa versão do blog está turbinada – é para ser mais agradável e acessível ao leitor. Há até um espaço para enquetes, uma maneira bem-humorada para encarar o mundo. Boa leitura!!!!!
1 comentário
Walter
26 de maio de 2013 em 13:59Ótimo texto…