Meu encontro fictício com a diva de vermelho

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Já estava há meia hora no consultório do otorrino, meu filho herdara de mim as dores de ouvido insuportáveis da infância,  e a assistente nos alertara sobre o atraso do doutor, apesar da sala de espera vazia. Duas certezas da vida são a lerdeza nos serviços de pedreiros, marceneiros e afins e as longas esperas em consultórios médicos. Naquele, para piorar, só havia revistas de fofocas e celebridades, velhas e amplamente manuseadas. Com o smartphone ocupado pelo meu filho, uma concessão paterna a quem  era desprovido de paciência no auge de seus quatro anos, eu resolvia problemas e fazia listas imaginárias das minhas pendências.

Resolvi ir ao banheiro e solicitei à recepcionista que supervisionasse o meu guri, ao mesmo tempo lhe passando instruções de que não saísse dali, pois logo estaria de volta.Uma logística simples, mas que jamais seria executada pela mãe (‘ onde já se viu largar o menino sozinho com um estranho’). Alguns minutos depois, retorno à sala e presencio a cena mais surreal de minha vida. Pensei estar sofrendo algum tipo de alucinação e fiquei sem reação por alguns segundos. Diante de mim, acomodada tranquilamente em uma poltrona ao lado do meu filho, observando-o jogar ‘Angry Birds’, estava nada mais, nada menos, que a presidente da república, em carne e osso, em seu tradicional ‘terninho’ vermelho.

Ainda me recuperando da surpresa e sem reação, recebo um ‘ boa tarde de sombrancelha’ da senhora, replicado com a mesma ‘simpatia’. Livrei-me aos poucos das algemas com que o inesperado nos amarra, e consegui esboçar as primeiras palavras àquela que até então era a pessoa a quem mais critiquei em vida, e que agora estava ali, pronta para testemunhar minha ironia ácida:

‘ A senhora não devia estar em Brasília?’, foi o que saiu. Era o que tínhamos para aquele momento.

‘ Presidente também tem dor de ouvido, meu filho’, respondeu com certa indiferença.

‘ Brasília também tem otorrino’, repliquei com sinais de desafio no ar.

‘ Não tenho direito de consultar o médico de minha preferência?’

‘ Mas como uma mineira criada no Rio Grande e moradora de Brasília há anos vai ter um otorrino de preferência justo em São Paulo? ‘

‘ Isso já não é de sua conta’,  de forma rude, certamente já percebendo que seu interlocutor de momento não era seu eleitor.

‘ Você é amigo dela, pai?’, invadindo a conversa sem ser convidado, como de praxe. Meu receio era que o excesso de ingênua sinceridade das crianças de quatro anos me colocasse em alguma situação constrangedora.

‘ Não, filho. Conheci agora. Ela também veio no médico’.

‘ Qual o seu nome?’, perguntou sem nenhuma timidez.

‘ O meu nome é Dilma, e o seu?’, aparentemente desarmada e esboçando um leve sorriso na ponta da boca.

‘ Eu sou o Luca. Eu tenho quatro anos!’.

‘ Quatro! A mesma idade do meu neto!’.

‘ Vou fazer cinco esse ano. Você também está com dor de ouvido?’, já quase íntimo.

‘ Estou, com muita dor, mas já vai passar’.

Nessa hora, não resisti: ‘ Com oito anos ouvindo as baboseiras do Mantega, até demorou..!’. Agora sim. Recompus meu estado de espírito usual. Testava a nossa diva. Será que ela levaria na brincadeira ou pisaria no meu pé?

‘ O Mantega foi um ótimo ministro. E agora, você está mais feliz com o Levy?’.

‘ Eu estou. Mas não tenho certeza se a senhora está…’, eu não dava trégua. Quem está na chuva é para se molhar…

‘ Eu estou, meu filho. Os tempos mudam, e nós temos que nos adaptar à nova realidade’, nossa diva não se permitia cair nas minhas provocações.

‘ Confesso que me incomoda vê-la morando em Brasília. Por que não larga tudo e tira um sabático?’, agora eu partia para o ataque direto.

‘ Não me surpreende sua opinião. De cada 3 paulistas, 2 pensam como você!’, ainda polida, mantendo a classe que eu estava em vias de perder…

‘Essa analogia foi boa. A senhora aprendeu no Pronatec?’, eu já beirava a grosseria, no limite de perder a razão..

‘ E o que você sabe sobre Pronatec para fazer essas ironias?’, sem perder a esportiva.

‘ Eu sei que a senhora o recomenda para economistas desempregados’, soberana ironia.

‘ Aquilo foi um lapso, eu estava nervosa’, remetendo-se ao último debate.

‘ Foi engraçado, todo mundo riu. Até o Aécio’, julgando-me em vantagem e abrindo a guarda.

‘ Mas eu ri por último’, um punch no meu estômago.

‘ Você riu de quê?’, perguntou meu filho, de maneira simpática e risonha, concedendo-me um tempo para me recuperar do golpe que levara há pouco.

‘ Eu ganhei uma eleição. Mas seu pai não gostou’, até o momento, nossa diva me surpreendia pela postura serena. Nem parecia aquela mulher confusa da TV…

‘Por que, pai?’, a bola quicava no meu campo e agora devia refletir antes de chutá-la.

‘ Por que eu preferia que outro ganhasse. A Dona Dilma tem amigos muito chatos’, acabei recuando a bola para o adversário.

‘ No meu círculo, me refiro à senhora como Dona Pinóquia’, retomando o embate.

‘ 51 milhões de pessoas devem me dar apelidos bem complicados. Minha mãe  não lida bem com eles’, respondeu com algum sorriso. Sinal de que sentia-se bem na peleja.

‘ O que você  me deu até que é engraçado’, agora eu estava nas cordas.

‘ Em homenagem às suas mentiras de campanha. A senhora não se envergonha delas?’, objetivo e direto.

‘ Eu sou uma metamorfose ambulante. Dando certo, que mal tem? ‘repetindo o termo uma vez usado pelo seu criador.

‘ Seus 54 milhões de eleitores se sentem traídos’, alfinetei.

‘ Boa parte deles, não. O restante entenderá minhas razões’, como um bagre ensaboado deslizando em minhas mãos.

‘ Queria morar no país do João Santana, e a senhora?’, tinha se transformado em pinga-fogo.

‘ O João vê o copo meio cheio, que mal há nisso? ‘, me surpreendendo com o poder da síntese.

‘ E a luz, acaba quando?, perguntei incansável.

‘ Depois que acabar a sua água’, espinhosa.

‘ Eu não votei no Alckmin. Vocês dois podiam fazer um curso de reciclagem em’  gestão pública, que tal?’

‘ Eu gosto do Geraldo, é um bom político’

‘ E do Dirceu, a senhora gosta? Dizem que voltará a mandar no seu partido’, agudo.

” Não sou presidenta de um partido, mas do Brasil’, fugindo do assunto pela enésima vez.

‘ A senhora é pacienta há muito tempo aqui?’, não perdi a viagem…

‘ Você é um provocador…’

O breve silêncio foi interrompido pela chamada: ‘ Luca’. Meu momento mágico chegaria ao fim.

‘ Tchau!’, falou meu sempre sorridente guri, acenando para presidente.

‘ Deixa eu te dar uma lembrança’, e sacou de sua bolsa um pacote de balas de goma, entregando-a ao meu filho. ‘ Meu neto adora essas’, colocando minha alma provocadora nas cordas.

‘ Como é que se diz, Luca? ‘

‘ Obrigado!’

‘ Boa tarde para senhora e bom retorno à Brasília’, desarmado pelas boas maneiras da nossa diva com o meu filho, não conseguir adiante com as alfinetadas.

‘ Obrigado, boa tarde.’

Entrando no consultório, abordei imediatamente o médico, após os diálogos iniciais de praxe:

‘ Você é eleitor daquela senhora na sala de espera?’

‘ De jeito nenhum. Não tolero o PT. Eu a atendo há 20 anos. Foi amiga de infância de minha mãe. Mas jamais falamos de política. Para mim ela sempre foi a tia Dilma, não a vejo como presidente. Melhor que seja assim.’

‘ Tia Dilma?? Para mim ela é a dona Pinóquia!’, fazendo o médico rir.

Terminada a consulta, voltei à recepção para marcar o retorno.

‘ Onde está a presidente?’

‘ Recebeu uma ligação urgente e teve que sair. Voltará mais tarde.’

Caminhando em direção ao carro, recebo uma daquelas perguntas diretas, típicas do universo infantil:

‘ Pai, você não gosta muito daquela tia?’

‘ Por que você acha isso, filho?’

‘ Você estava brigando com ela?’

‘Mais ou menos. Eu não gosto muito dela não.’

‘ Mas você não conhece ela!’, jamais subestime a memória de uma criança.

‘ Todo mundo a conhece um pouco, filho. Ela é a presidente do Brasil.’

‘ O que é presidente?’. Danou-se.

‘ Ela é quem manda no Brasil’, simplificando.

‘ Nossa! Ela manda na gente?’

‘ Não, filho. Não manda, mas atrapalha muito’, sem perder o hábito.

‘ Eu achei ela legal, pai.’, inocência.

‘ Tudo bem filho, você pode. Ainda não vota’.

No caminho de volta, lamentei não ter mencionado o Petrolão. Faltou também educação, segurança, violência, política externa, tanto assunto e muito pouco tempo. Tudo bem, a infeliz estava com dor de ouvido…

No rádio, uma inserção de propaganda do governo.

‘ Escuta pai, é a Tia Dilma falando!’

‘ Tia Dilma!!!!!! ‘.

‘ PQP, um dilmista em casa. Era só o que me faltava!!, pensei. Deixa para lá…

 

 

 

 

 

 

 

 

2 Comments
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2 Comentários

  1. Victor Thomaz

    24 de janeiro de 2015 em 13:15

    Hahahah, mto boa…, devia ter começado a falar baixinho para ela chegar mais perto e quando ela chegasse, vc gritava na orelha dela…, soh pra devolver um pouco da dor que ela nos causa…, hahaha

  2. Márcia

    26 de janeiro de 2015 em 11:03

    Espero que a distinta senhora não seja pacienta do otorrino que vou em SP.
    Encontrar essa senhora, não desejo em lugar algum!

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