Lições da tragédia de Brumadinho

A tragédia de Brumadinho, que terá um irreparável custo de quase 300 vidas, tem muito a nos ensinar sobre o tempo em que vivemos, no Brasil e no mundo.

Haverá sempre gente disposta a colocar ideologia à frente de tudo, mesmo que não haja qualquer evidência de que ela faça parte do problema. Via de regra, deveriam ser ignorados

Descobrimos que barragens à montante são estruturas arcaicas e tecnicamente bem mais vulneráveis que à jusante. Tanto em Mariana quanto em Brumadinho essas foram as estruturas afetadas, que não são mais utilizadas em países desenvolvidos. O Chile, por exemplo, as baniu há algumas décadas. Existem dezenas delas em operação no Brasil. Custam três vezes menos que a opção mais segura;

Adotado o padrão mais barato e de maior risco, a fiscalização deveria ser muito mais rigorosa, assim como os planos de contingência, na presença de sinais de risco, facilmente acionáveis. Não parece ter sido o caso ;

É quase inacreditável que a Vale, ciente de todos esses temas, tenha mantido um refeitório localizado na rota da onda de lama. Evitar o trânsito de pessoas nessa rota seria precaução simples e efetiva, ainda mais depois de ter sofrido as consequências da tragédia de Mariana, sob circunstâncias semelhantes. Inadmissível;

A Vale anunciou hoje, com pelo menos 3 anos de atraso, que irá desativar todas as barragens à montante (dez, ao total) . Foram necessários dois desastres e centenas de vidas perdidas para tomar uma decisão já consolidada em locais onde o respeito à vida é substancialmente maior que no Brasil ;

É de se estranhar que a maldita barragem tenha sido aprovada em vistorias recentes. Ou estamos lidando com profissionais incompetentes, ou há algo a ser investigado. Já se fala em uma possível operação Lama jato. Necessária;

Três anos após a tragédia de Mariana, a tradicional complacência brasileira com grandes e pequenos delitos não responsabilizou ninguém criminalmente, não causou grande dano financeiro aos sócios controladores da Samarco (Vale entre eles), não ressarciu adequadamente os prejudicados. Trata-se de um permanente incentivo à negligência;

Diferentemente da última desgraça, a justiça Federal prendeu temporariamente cinco engenheiros responsáveis pela vistoria da barragem. Dois deles eram consultores responsáveis por um relatório anual burocrático, nesse casoa prisão me pareceu injusta. Fora isso, está claro que os engenheiros são os peixes menores desse aquário. Mas, no país da impunidade, um avanço importante que pode ser útil nas futuras investigações da tragédia;

A busca incessante por resultados melhores no curto prazo, com vistas à prestação de contas trimestrais no mercado de ações, pode ter efeitos colaterais sérios na inadequada gestão de risco. Quando uma empresa abdica de controles melhores por causa do fator custo, será responsável direta pelas consequências de um incidente inusitado. Quando a pergunta: ‘foi feito tudo que estava ao alcance para prever o pior’ não tem uma resposta afirmativa, a gestão de risco foi ineficiente;

A reincidência no mesmo erro, em se tratando de uma situação que coloca a vida das pessoas em risco, além de gerar um imenso desastre natural, é imperdoável;

É deprimente constatar que houve críticas à ajuda fornecida por Israel através do envio de 155 soldados especializados nesse tipo de situação. Estupidez, preconceito ou simplesmente antisemitismo?

A maneira pela qual um país trata suas tragédias é um indicativo de seu nível de civilidade. A solidariedade, negação, acusações infundadas, punição, remediação dos equívocos, não reincidência, são elementos que definem o caráter de uma sociedade. Não estamos muito bem: Bateau Mouche, Santa Maria, Museu Nacional, incêndio em prédio ocupado por sem tetos no centro de São Paulo, Mariana, Brumadinho. Nomes que me vem à cabeça de bate pronto como exemplos de ganância e negligência. A lista deve ser maior que essa, sempre com a impunidade como pano de fundo. Será que presenciaremos mais uma vez o mesmo roteiro?

0 Comments
0

Deixe uma resposta

Send this to a friend