Um sentimento de profunda revolta o acompanhava em seu retorno para casa, após ser vítima de um arrastão em um restaurante durante um jantar com amigos. Além de perder seu celular e a carteira com todos os documentos e cartões, passou pela agonia de sentir o gélido metal de um revólver pressionar levemente sua fronte. Um movimento em falso e poderia ter partido desta para melhor. À noite, não conseguiu dormir.
A insônia o fez refletir a respeito de sua angústia. E chegou a algumas conclusões. A primeira delas é que a sensação de impotência diante de uma imposição autoritária, contra a qual não tinha como se defender, era a causa primária de sua sensação de repulsa. Sem direito à escolha, sob a ameaça de violência maior, teve que entregar o que estava disponível ao ladrão. E o que dizer dos bens materiais?
Não constituíam um valor financeiro tão alto. Fez as contas, e o prejuízo da noite anterior lhe custara uma semana de trabalho, o equivalente a 40 horas de sua vida. Além disso, a burocracia necessária para tratar da reposição dos documentos lhe tomaria mais um dia, para azar da empresa em que ele trabalhava, que não contaria consigo por pelo menos 8 horas. A sua segunda conclusão veio arrebatadora durante a madrugada. Os desgraçados que renderam dezenas na noite anterior, eram na verdade ladrões de tempo. No fundo, eles roubaram centenas de horas das pessoas subjugadas pelas armas e indiretamente também de suas empresas, escritórios e locais de trabalho, pois de alguma maneira haveria uma perda de produtividade associada ao evento.
Após breve sono e despertar na manhã seguinte, essa conclusão continuava a martelar em sua cabeça. O tempo que dispomos e o valor que criamos com ele é que nos proporciona a aquisição de bens materiais, cobiçado pelos ladrões. Quando somos roubados, sem nos darmos conta, entregamos muitas horas de nossas vidas aos bandidos. Obviamente que a amplitude do seu tempo é muito mais que uma mera associação com o consumo, difícil atribuir um valor financeiro às horas em que você passa com a família ou amigos, certamente muito mais valiosas que qualquer bem material, mas até nisso a bandidagem interferiria. Resolver os temas burocráticos relativos ao assalto poderia lhe consumir tempo útil que teria para ficar com a família, ou então deixá-lo tão mal humorado que a convivência consigo por algumas horas ou dias seria insuportável, e por isso evitável. Em qualquer exemplo que lhe surgia, conseguia sempre fazer a associação com o tempo.
Sua teoria causou surpresa aos amigos, quando estes lhe questionaram a respeito do prejuízo que tivera com o assalto: ‘ Com certeza me roubaram quarenta horas da minha vida, além da terrível sensação de impotência diante do uso autoritário da violência!”. Depois que explicou a resposta tão pouco usual, desenvolvida ao longo das horas de sono perdidas, que ele não havia somado aos danos, um dos seus mais chegados lhe desafiou com algumas ideias complementares: ‘Concordo contigo, e obedecendo à sua lógica, chego à lamentável conclusão de que ladrões de tempo nos assaltam diariamente!’. !!!!!!!
Atraiu olhares interrogativos de todo o grupo, e explicou-se: ‘Passamos pelo menos 50 horas da nossa semana trabalhando, para obter um valor financeiro com o tempo gasto na labuta. Ninguém nos pergunta se estamos de acordo com a quantidade absurda de impostos que pagamos e que são extraídos dos nossos salários, dos bens que consumimos, dos serviços que usamos, sem direito à escolha. Não deixa de ser uma forma de violência, e apesar de nesses momentos não estarmos com um revólver sobre a cabeça, não temos alternativa: uma parte do nosso tempo é desapropriada, tal qual acontece nos assaltos!’
Um silêncio constrangedor tomou conta do grupo. Todos se julgaram idiotas. A ação dos marginais que nos assaltam à mão armada se diferencia pela ameaça à vida, que não faz parte do procedimento estatal. Fora isso, os termos da violência são muito parecidos: entregamos parte do nosso tempo aos ladrões, sejam eles bandidos que assediam a população desprotegida por um Estado inoperante, sejam eles personagens invisíveis de uma burocracia institucional constituída por sofisticados ladrões de tempo.
Rompendo com o mal-estar, um dos amigos finalizou, implacável: ‘Em lugares mais civilizados, esse tempo não é roubado, pois o retorno é perceptível. Nesse caso, estaria mais para doação voluntária’. Isso repercutiu ainda mais forte no grupo, absorvido por um silêncio definitivo. Cada um retornou calado à sua atividade, absorto naquela descoberta assustadora…estavam todos submetidos diariamente à ação dos ladrões de tempo!!!!!!!!!
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Victor Loyola
Os textos refletem minha opinião pessoal sobre qualquer assunto, não há nenhum tipo de vinculo com corporações, grupos, ou comunidades. Comentários são extremamente bem-vindos. Me esforçarei ao máximo para fazê-lo um hobby permanente. No segundo tempo de minha vida, está definido que continuarei escrevendo. Se eu parar, de repente é por que eu surtei ou houve algum apagão de criatividade. Essa versão do blog está turbinada – é para ser mais agradável e acessível ao leitor. Há até um espaço para enquetes, uma maneira bem-humorada para encarar o mundo. Boa leitura!!!!!
3 Comentários
Patricia
15 de março de 2014 em 12:51Concordo muito, isso me fez refletir bastante na minha vida aqui nos Estado Unidos, sinto uma falta incrível de calor humano, amigos, diversão que você sabe bem que não existe muita por aqui… Hoje mesmo vendo o quanto foi tirado de taxas do meu bônus anual que trabalhei muito para ganhar fiquei um pouco revoltada até que li seu blog! Wow What a wake up call… Sim paguei muito de imposto, portanto vivo numa vida calma, escola do meu filho e grátis impecável, como também minhas ruas.,, deixo meu carro aberto sem querer mas não me angustio… Dirijo 140 milhas por dia para o trabalho em uma hora em estrada impecáveis e a única preocupação que tenho e que música escutar… Não me sinto roubada de tempo… Muito obrigada por ter dado uma perspectiva diferente e me ver perceber a não levar o que tenho for granted!!
Abraços!!
Victor
15 de março de 2014 em 13:44Pois é, Patricia, aí há muito menos assalto ao tempo nosso de cada dia do que aqui. É fsto, ninguém pode negar….abs!
Dagô
18 de março de 2014 em 08:31Pois é, Victor, temos nosso tempo roubado e somado ao fato de que não sabemos nosso “prazo de validade”, melhor aproveitar ao máximo o tempo que nos resta, porque se não cuidarmos, vai ser roubado também.