Cristiane, do Brasil

A celeuma sobre a nomeação da nova ministra do trabalho é um reflexo da esculhambação em que se converteu a vida política nacional, além de ser uma demonstração de como a judicialização em excesso atrapalha a independência entre os poderes, retardando a velocidade naturalmente em marcha lenta da máquina pública.

Nomeações equivocadas de assessores fazem parte da vida de qualquer governante, não é um privilégio tropical. Os desdobramentos do constrangimento é que ganham proporção de tragicomédia por aqui.

Assim que denúncias por má conduta atingem os candidatos a ministros em países civilizados, o desfecho usual normalmente é a sua substituição por outro nome. Afinal, não deveriam faltar opções incapazes de constranger o principal mandatário. Foi assim, por exemplo, com Barack Obama e Donald Trump. Feita a troca corta-se a crise em potencial pela raiz e não se fala mais nisso.

No sul do mundo, algo tão banal e de fácil resolução se transforma em problema institucional. A ainda candidata à ministra do trabalho, Cristiane Brasil, tem como grande atributo para função ser filha de Roberto Jefferson, cacique do PTB, conhecido nacionalmente por ter delatado o esquema do Mensalão, pelo qual o próprio cumpriu pena em regime fechado. Deputada do baixo clero, foi alvo de denúncias logo após o anúncio de seu nome, condenada por um ex-motorista em uma ação trabalhista e ré em outra. Para piorar, descobriu-se que uma assessora sua é que bancava a conta, parcelada, da primeira ação. No país onde o litígio trabalhista é uma indústria, esse tipo de anotação pode até ser considerado comum, mas é desaconselhável que alguém com esse histórico assuma a pasta do ministério do trabalho. Certo?

Errado para o governo Temer, que ignorando o bom senso, resolveu insistir na nomeação de Cristiane, a despeito de todos os fatos constrangedores. Foi o começo da tragicomédia. Quatro juízes federais negaram liminar que pretendia impedir a posse da nova ministra, e um acatou, sob a alegação de que não tinha condições para assumir o cargo, decisão que posteriormente foi confirmada pelo TRF, após recurso do governo.

Tecnicamente, Michel Temer tem o direito de cometer esse erro, e a candidata a ministra pode assumir. O caso, que será avaliado em breve pelo STF, é uma barbada do ponto de vista jurídico. O que causa espanto é a teimosia com alguém de credenciais tão frágeis para a função. Qual seria o custo em substituí-la por alguém do PTB, partido mais leal ao governo desde sua concepção? Nenhum. Mas essa gestão atrai encrenca como um imã e adora transformar brisa em furacão.

Se o resultado no STF for desfavorável ao governo, estará materializado o desbalanceamento na independência dos poderes, já ameaçada pelas tantas liminares que surgem em qualquer parte do Brasil, interferindo diretamente nas ações do Executivo. Um dia, um juiz de Pernambuco proíbe a privatização da Eletrobrás, no outro, um colega proíbe a posse de um ministro. Do nada, alguém interfere na gestão dos gastos públicos. O Brasil caminha para ingovernabilidade.

Para quem achava que o roteiro dessa novela já estava à altura dos melhores pastelões, Cristiane, do Brasil, surgiu hoje em um depoimento na Internet para nos lembrar que por essas bandas, não há nada que já esteja ruim que não possa piorar. Aparentemente de biquíni em um barco, rodeada de marmanjos anônimos também em trajes de banho, peitoral exposto, à primeira vista a cena parecia se tratar daqueles vazamentos ‘picantes’ que vez por outra viralizam em grupos de WhatsApp. Engano. O cenário, os trajes e as companhias, todos inadequados para o momento, foram escolhidos pela candidata à ministra para dizer ao Brasil em alto e bom tom que ela…não sabia de nada!

Nossos políticos pecam pela falta de originalidade, além da ignorância. Desde que Lula usou esse roteiro pela primeira vez, em meados da década passada, ele foi copiado à exaustão. Cristiane, do Brasil, é mais uma que não sabia de nada. Outros virão com a mesma ladainha, é uma questão de tempo, escândalo não falta.

Michel Temer ganhou mais uma chance de corrigir seu futuro erro, desistindo da nomeação da filha do Roberto, por falta de decoro antes mesmo de assumir. A bola está quicando na área e sem goleiro. O que ele fará? Provavelmente desperdiçará a oportunidade. Tudo isso por uma função cujo prazo de validade expira em 11 meses.

Falta a todos os personagens algo raro na vida pública brasileira: uma boa dose de ‘semancol’. Poderíamos prescrever à Cristiane, ao Michel, ao juiz que concedeu a liminar e ao Tribunal que a manteve. Haja paciência…

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