As múltiplas faces de um escândalo

Bilionário, celebrado, inimputável e no auge da juventude, o sujeito vê como banal pagar uma viagem de uma potencial ‘peguete’ desconhecida do Brasil a Paris para uma ‘rapidinha’. As intenções da moça estão em segundo plano e para quem se julga inatingivel, não há nada que possa impedí-lo de saciar seus desejos. Fosse Neymar uma empresa (na prática fatura como tal, das grandes) , seria considerado vulnerável a severos riscos operacionais.

Onipotente, lançou-se a mais uma aventura amorosa sem maiores pretensões que não fosse o divertimento e foi surpreendido duas semanas depois por uma acusação de estupro. A moça, que admitiu em depoimento suas intenções sexuais desde o início do flerte, declarou que o pomo da discórdia foi a ausência de preservativo no quarto do hotel, que a fez retroceder em sua vontade de consumar o ato, decisão não compartilhada pelo popstar, que supostamente a teria violentado. Estranhamente, a jovem quis repetir a dose no dia seguinte e aproveitou para gravar cenas que lhe pudessem ser úteis no futuro. O plano fracassou em seu objetivo de prover material para acusação, e o vídeo serviu para fomentar uma grande diversidade de ‘memes’ na Internet e redes sociais. Brasileiro não perde a piada.

O ÔNUS DA FAMA E A DÁDIVA DO ANONIMATO

Sem entrar no mérito da peça acusatória do estupro, que eu particularmente considero uma armação, me atenho a um aspecto interessante dessa história: o ônus da fama e a dádiva do anonimato. Não fosse Neymar uma poderosa marca extra campo, bajulado e paparicado nos mesmos níveis em que ostenta riqueza, não seria alvo da súbita paixão de ‘marias chuteiras’ espalhadas mundo afora e tampouco tentado aos pecados mundanos da ‘luxúria’ fácil. Suas cantadas ao mais juvenil estilo ‘saudade do tempo que ainda não vivemos’ não fariam sucesso e ele seria um reles cidadão comum, possivelmente não passaria pelo constrangimento atual. É pouco provável que nessas condições a acusadora o considerasse em seus intuitos sexuais.

A fama não é responsável pela confusão em que o astro do PSG se meteu, temos vários exemplos de gente que desfruta desse status e nem por isso é suscetível a perrengues como esse. Digamos que a combinação de fama, ostentação e irresponsabilidade no mesmo balaio são o presságio de grandes escândalos. O efeito colateral de uma vida intensamente exposta, característica inerente à construção de uma ‘marca’ geradora de receita, é que ela estará muito mais sujeita a quedas monumentais como a que Neymar experimentou essa semana. Mesmo que prove sua inocência, ele perdeu.

Um brinde ao anonimato.

A TERCEIRIZAÇÃO DA CULPA

Em todas as ocasiões em que Neymar se mete em confusão extra campo, não faltam veredictos nas redes de que a culpa é do pai, que o mimou demais, por ser má influência, isso ou aquilo. Ao fazê-lo, o tribunal da Internet infantiliza o atleta, um marmanjo de 27 anos que já é adulto há muito tempo. A Rede Globo e parte da mídia também corroboram para a criação do mito do menino Ney, que chegou ao cúmulo de se exibir com esse rótulo em uma propaganda da Gillette, logo após o fracasso brasileiro na Copa da Rússia.

Menino? Façam-me o favor.
Culpa do pai? Será que foi o pai que chamou a periguete para a breve temporada em Paris?

Não há explicação para esse fenômeno de terceirização de culpa. Lanço a hipótese de que é o subconsciente brasileiro em eximir-se de responsabilidades, transferindo-a sempre a um terceiro. Por mais que Neymar tenha sido mimado e que isso tenha contribuído para a formação de sua personalidade, a vida ensina, e se ele ainda não aprendeu, a culpa já não é do pai…

A POLARIZAÇÃO DE TUDO

Tão logo saiu a notícia sobre a acusação de estupro, dois posicionamemtos antagônicos brotaram quase automaticamente na web, um deles conferia à acusadora o rótulo de vagabunda interesseira e absolvia o craque de qualquer suspeita, mesmo a de agressão. Outro condenava o jogador, isentando completamente a acusadora do ônus da prova, como se Neymar fosse um predador de mulheres desalmado que sai estuprando jovens indefesas por aí. Ainda nesse grupo estavam os argumentos que ignoravam o assunto propriamente dito e tratavam apenas da cultura do estupro. Em tempos de treta contínua, a ponderação sempre perde.

Muito embora as evidências da história nos levem a acreditar que a acusação de estupro é falsa, o histórico de destempero do craque, aliado ao fato dele mesmo admitir que estava embriagado na primeira noite (a partir das mensagens trocadas pelo WhatsApp), tampouco lhe conferem muita credibilidade. Uma agressão evidentemente pode ter acontecido.

Ao final, será a palavra de uma contra a do outro e a falta de provas certamente inocentará o jogador, que mesmo assim sairá dessa com a imagem arranhada. Em outros tempos, Najila estamparia a próxima capa da Playboy, mas a revista não existe mais, para tristeza das protagonistas de escândalos sexuais.

Como será o desfecho legal da novela pouco importará para o tribunal da internet, cujos juízes julgam conforme suas convicções, independentemente dos fatos. É surgir uma polêmica nova que lá estarão os dois grupos antagonistas a demarcar terreno. São opiniões, e o bom delas é que cada um tem a sua…

E O FUTURO, NEYMAR?

Neymar está na idade em que os atletas atingem o auge. Ao invés de brilhar nos campos, empresta sua fama a delegacias de polícia, departamentos médicos e baladas. Futebol, que é bom, só em Playstation. No FIFA19, ele segue com uma pontuação que não condiz com seu desempenho recente nos gramados. Estará ausente dessa Copa América (não perderá muita coisa) e terá no Qatar a última grande chance de se destacar com a seleção brasileira. Tudo leva a crer que não conseguirá. Tampouco deve obter o título de melhor do mundo, já recebido por Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho e Kaká, todos menos badalados que Neymar, nenhum deles ‘menino’ aos 27. Não saberia dizer se é um caso onde as expectativas em relação a ele são desproporcionalmente altas (afinal, estamos em uma entressafra de muitos anos sem grandes craques…) ou se Neymar efetivamente as frustrou. Um assunto a ser debatido eternamente.

9 Comments
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9 Comentários

  1. João Bottura

    8 de junho de 2019 em 07:50

    De todas essas múltiplas faces, o que ficou escancarado é que o Neymar, que nos gramados é vitimado por faltosas entradas por trás, na cama ele é que é o eficiente faltoso nessa prática… segundo a moça revelou ao Cabrini, o Neymar é eficientíssimo na entrada por trás, só levou alguns segundos no ato, encerrou o jogo e logo correu pro banheiro!

  2. IVAN

    8 de junho de 2019 em 11:23

    Mais um belo texto. Parabéns Victor

    1. Victor

      8 de junho de 2019 em 22:17

      Obrigado, Ivan! Grande abs

      1. Débora

        14 de junho de 2019 em 20:35

        Excelente texto e reflexão!!

        1. Victor

          14 de junho de 2019 em 20:57

          Obrigado, Débora!

  3. zuleica Quicholli

    8 de junho de 2019 em 23:06

    Victor você conseguiu abordar todas as faces desse episódio desastroso do Neymar, com maestria. Parabéns, você é o craque!!

    1. Victor

      14 de junho de 2019 em 20:06

      Obrigado, zuleica!

  4. Arlete

    10 de junho de 2019 em 14:56

    Muito lúcido e coerente, parabéns!

    1. Victor

      14 de junho de 2019 em 20:07

      Obrigado, arlette!

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