Violência: muito além da impunidade

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Qual seria a causa raiz da violência? Como resolver esse problema, que já é uma das maiores preocupações contemporâneas brasileiras? De bate-pronto, ouviríamos que a impunidade, nossa cultura de tolerância com delitos, o tráfico de drogas, a desigualdade social, a legislação frouxa, a falta de presídios, todos essas variáveis tornaram nossa sociedade mais violenta, refletindo em índices de homicídio que praticamente triplicaram em 30 anos. Essas justificativas, em maior ou menor grau, correlacionam-se com a criminalidade  (aqui eu excluo da lista a desigualdade, que não se prova nem um pouco correlacionada com os índices de homícidio, uma vez que esses subiram drasticamente ao mesmo tempo em que aquela era reduzida na mesma intensidade), mas é difícilimo isolar as causas e efeitos quando uma série de fatores podem influenciar no resultado final do que está se pesquisando.

Os autores dos badalados livros ‘Freakonomics’, ‘Superfreakonomics’ e ‘Think like a freak’ (S. Leviner e S. Dubner), desenvolveram e comprovaram uma teoria bastante polêmica e extremamente provocadora: ao analisar a dramática redução da criminalidade em diversos estados americanos ao longo de 30 anos, eles concluíram que o fator que mais contribuiu para que isso ocorresse foi a legalização do aborto em várias unidades da federação no início da década de 80. Com essa lei, foram evitados 1.6 milhões de nascimentos, que se concebidos, gerariam crianças indesejadas, elemento que seria o primeiro e grande passo para uma família desestruturada onde filhos cresceriam sem o amor dos pais, aumentando e muito as chances de que se tornassem criminosos no futuro, ou no mínimo se envolvessem em problemas que culminariam em homicídio. Dentro do universo de 1.6 milhões de vidas não concebidas a partir da legalização do aborto, muitos futuros criminosos deixaram de nascer, o que contribuiu decisivamente para a derrocada da violência, 20-30 anos depois. Os bandidos não estavam lá para cometer os crimes. Esses índices não se alteraram com o recrudescimento das condições econômicas pós-crise de 2008 e seguiram resilientemente baixos. Os autores não são panfletários da legalização do aborto, apenas constataram um fato, que uma vez evidenciado, parece óbvio, mas que nunca havia sido levantado antes.

violencia3Aprofundando-se mais no tema, percebe-se que não é a legalização do aborto o fator preponderante para a redução da criminalidade, mas sim a presença de famílias onde as crianças sejam cuidadas e cresçam em um ambiente salutar, de amor e respeito. A ausência dele nutre adultos desequilibrados  e com maior tendência de sucumbir ao crime. Reduzir o contingente de desamparados emocionalmente ao longo do tempo foi a maneira mais eficaz de combater a violência.

Se aplicarmos essa teoria no Brasil, e não há por que duvidar de que seja um conceito universal, vamos concluir que algum elo importante no seio da família se perdeu por aqui ao longo das últimas décadas, período em que ao contrário dos EUA, nosso índice de criminalidade triplicou. É fato de que somos um país onde a impunidade faz parte da rotina e fornece incentivos à bandidagem, mas tampouco isso foi algo que mudou para pior em 30 anos. O problema das drogas cresceu exponencialmente nesse período, passando de exceção exótica à uma das principais chagas do nosso tempo e talvez isso também seja consequência e não a causa raiz da violência.

Dito isso, o combate ao crime no longo prazo deveria passar por uma revisão, e deixaria de ser um complicado problema policial, tornando-se também um desafio cultural. Famílias que cuidam, amam e zelam pelos seus filhos são o melhor remédio para reduzir a criminalidade. Seria ótimo que essa provocação fosse debatida por especialistas no assunto, isso poderia mudar a abordagem em relação à violência no Brasil, acostumado a colocar em prática soluções focadas no curto prazo e que invariavelmente atacam os sintomas, e não a causa dos problemas. Para pensar profundamente a respeito…!

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5 Comments
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5 Comentários

  1. Marcia

    29 de maio de 2014 em 08:30

    Interessante essa teoria. Nesse contexto tudo deve ser considerado. Valores de familias estruturadas certamente são o melhor remédio. Como diz o título de um livro “Quem ama cuida” e cuidar diferencia-se muito do criar, embora muitas vezes confundido. Cuidar demanda mais trabalho, cria-se com mais facilidade ou….nem se cria a cria.

  2. Tammy

    29 de maio de 2014 em 18:58

    Bastante interessante essa abordagem para a causa da violência e totalmente pertinente.

  3. Isis

    30 de maio de 2014 em 08:28

    Victor, muito bom esse texto! Você já pensou em escrever sobre engenharia genética? Tem um filósofo bem interessante que discute esse assunto, é o Michael Sandel!

  4. Milene

    31 de maio de 2014 em 08:44

    Concordo com o autor. Existem inúmeras outras variáveis que podem ter afetado a queda no indice de violência, muito mais significativas, do que a legalização do aborto. Não  tenho base de conhecimento para elaborar mais sobre isso, porém, na minha humilde opinião, seria o mesmo que entrar nas salas de educação infantil das escolas do país, aplicar um teste psicológico e condenar à pena de morte todas as crianças que “potencialmente” se tornariam marginais. Quem é que aceitaria assistir a milhões de criancinhas de 2, 3, 4 aninhos, indefesas, serem brutalmente executadas (o aborto é isso), em prol de um futuro menos violento para aqueles que passarem nos testes? Praticar um ato de violência contra outra pessoa é uma escolha…a menos que a pessoa seja um psicopata (e mesmo esta tem o livre arbítrio), são seus VALORES que irão prevenir que cometa um ato de violência contra outra pessoa. E valores são ensinados durante a infância! Uma sociedade com pais presentes, que ensinam a diferença entre o certo e o errado em casa –  e não pela novela da Globo ou pelas cartilhas comunistas do governo –  com uma polícia bem equipada e treinada, com leis que descartam a impunidade, tem mais chances de conter, eficientemente, a violência, do que simplesmente exterminar aqueles que, estatisticamente, poderiam fazer as escolhas erradas no futuro.

  5. Ricardo Liranço

    29 de maio de 2015 em 14:42

    Muito bom esse texto e principalmente a teoria dos autores dos livros, mas de todos as variávies que foram ditas no texto a que mais mudou nos últimos 30 anos foi a instituição FAMÍLIA, nossa legislação é a mesma de 30 anos atras, nossos governantes não se preocupam com a educação desde Dom Pedro. Então se eles não fazem, no minimo as famílias tem que permanecer unidas, pais com mais amor, paciência e interesse em acompanhar a caminhada dos seus filhos.

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