Será o nosso melhor momento?

De Julho/40 a Junho/41 a Inglaterra foi continuamente atacada pela Alemanha, no período mais difícil da segunda Grande Guerra para os aliados, quando a Europa continental já havia sido dominada pelos nazistas, que até então mantinham o apoio da Rússia. Do outro lado do Atlântico, os EUA permaneciam neutros. O Reino Unido estava isolado e em clara posição de inferioridade bélica. A derrocada parecia uma questão de tempo.

Em uma das resistências mais heróicas da história da humanidade, os britânicos prevaleceram sobre os nazistas na famosa batalha da Inglaterra, onde sua Força Aérea, em desvantagem numérica, protegeu a ilha da invasão germânica, forçando Hitler a desistir da ideia e concentrar seus esforços na frente oriental, não sem antes causar sérios danos à várias cidades inglesas, com avassaladores bombardeios noturnos sobre áreas civis.

A famosa fleuma britânica, capaz de forjar dias normais sobre os escombros de edificios destruídos, destacou-se sob a líderança incontestável de Winston Churchill, capaz de unir seus conterrâneos em torno de uma causa comum, a vitória dos regimes de liberdade democrática contra a opressão nazista. Durante esse período crucial de derrota quase iminente, que mais tarde foi classificado por Churchill como ‘nossos melhores momentos’ (‘Our finest hours’), os britânicos esqueceram suas animosidades e se concentraram no seus obejtivos: permanecerem livres e derrotar os nazistas. Churchill, como sabemos, ganhou a guerra e perdeu a eleição. Mas nunca deixou de ser reconhecido mesmo por seus opositores como um líder extraordinário naqueles momentos sombrios.

Vamos acelerar o tempo em quase 80 anos. Cá estamos no Brasil em estado pré calamitoso por causa de um vírus causador de estragos inimagináveis por onde passou e que aterrisou por essas bandas há algumas semanas.

Caso medidas de prevenção não sejam efetivamente executadas, o vírus pode se alastrar e causar o colapso do sistema de saúde, ocasionando a morte de milhares de pessoas por falta de atendimento médico adequado. Não é, portanto, uma guerra comum. Trata-se de uma batalha contra a disseminação de uma doença.

Uma situação completamente atípica se avizinha no horizonte: escolas, shoppings, clubes, bares e restaurantes fechados. Um contingente enorme de pessoas trabalhará em ‘home office’ e o transporte publico será evitado. Viagens, eventos, seminários, reuniões e calendários esportivos estão sendo cancelados. Todos os setores da economia sofrerão, alguns bem mais que outros.

Quanto melhor for executada a contingência, mais rápido e menos traumatizado o Brasil sairá dessa crise. Eis um período que demanda a convergência de interesses que une um país durante uma guerra.

E como estávamos no momento anterior ao vírus, qual era o cenário com o qual conviviamos diariamente? Pouco animador. Um país polarizado, quase convulsionado por infindáveis tretas semanais emanando dos três poderes, fomentada pela imprensa ávida por notícias bombásticas e permeada por uma guerra de trincheiras nas redes sociais. Enfim, um lugar politicamente inóspito, onde a discórdia prevalecia.

A continuidade desse Brasil beligerante nesse período de tempestade nos levará ao naufrágio. A persistência da falta de diálogo e as agendas paralelas e independentes dos três poderes semearão nossa desgraça.

É hora de unir forças.

Jair Bolsonaro deve portar-se como chefe de estado e não um político em campanha, deixar de caçar inimigos em cada esquina e aceitar que o diálogo com o Congresso é inevitável e indispensável em uma democracia. Esse último por sua vez, precisa desapegar de seus interesses paroquiais e trabalhar em prol da coletividade. O bem comum deve prevalecer sobre o espírito corporativista, marca registrada da casa por décadas. E O STF, se não atrapalhar, está ótimo.

Temos o direito de não gostar dos líderes dos poderes estabelecidos no Brasil: Bolsonaro, Maia, Alcolumbre, Toffoli, mas é o que há para hoje. Essas criaturas deviam ao menos conceder uma trégua uns aos outros nesse período de intensa incerteza e inquietação e deixar de lado as provocações infrutíferas. A boa vontade, nesse caso, seria sinal de apreço à população, a quem todos exaltam em retórica. Chegou a hora de agir.

Mas a tarefa de convergência não cabe somente aos políticos. Nós aqui, no piso térreo, devemos fazer nossa parte. Ao invés de fomentarmos a discórdia, ação corriqueira em tempos bipolares, devíamos concentrar nossos esforços na mitigação dos riscos da grave situação que vivemos. Nada pode ser mais importante.

Precisamos de tolerância zero com político que saia do ‘prumo’. A agenda deve se conduzida pela necessidade de atravessarmos essa tempestade sãos e salvos. Tal qual os ingleses fizeram há 80 anos, o foco é na resolução dos problemas, as eleições podem ser deixadas para depois.

Naqueles difíceis tempos de guerra e escassez, os britânicos mostraram seu valor, colocando os interesses coletivos acima dos individuais. Seus líderes, em especial Churchill, não fugiram à responsabilidade e se mostraram à altura dos imensos desafios que as circunstâncias lhes impuseram.

Chegou a nossa hora. Não é uma guerra comum que mobiliza exércitos, mas pode causar tantas baixas quanto em um amplo período de batalhas sangrentas. Os precedentes de quem nos conduz não são encorajadores. Nem os nossos, enquanto sociedade, individualmente cordial e coletivamente mesquinha. Quem sabe o destino não está nos oferecendo uma possibilidade de mudarmos o rumo da história.

Que venha o covid-19. Cada um fazendo sua parte, é possível superá-lo. Vamos à luta, vencer essa!!!

2 Comments
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2 Comentários

  1. Helmuth Hoeller

    18 de março de 2020 em 20:33

    Realmente vc está de parabéns pelo texto. Só gostaria que nossos políticos pensassem assim, acho bem difícil e o pior nosso povo também não pensa assim. Mas cabe uma esperança, pessoas com discernimento de mundo e sociedade começar a influenciar. Eu sempre disse que eu não posso mudar o mundo, mas posso mudar meu pequeno mundo, as pessoas com quem eu me relaciono.

  2. Guilherme Souza de Morais

    1 de junho de 2020 em 11:00

    Oi Victor,
    Li este texto so hoje, 1º de junho.
    INACREDITAVEL como nossos politicos não fizeram nesses 70 dias NADA do que seria o certo ….

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