Reflexões ‘covidianas’ IX: Será que estamos prontos para a descida?

Na semana que começou em 31/05 (Domingo), o Brasil superou a marca dos 7000 óbitos registrados devido à covid-19, o que lhe conferiu uma média diária superior a 1000, e desde então transita ao redor desse número, com variações para cima e para baixo. Na semana seguinte, experimentamos a primeira queda na série histórica (-3.7%), retornando a 6878, situação que enganou os mais otimistas, como eu, que esperavam por uma sequência similar nos dias que seguiram, fato que nunca ocorreu.

Desde então, oscilamos com aumentos e reduções tímidas, até atingirmos o pico semanal entre 19 e 25/07, com 7516 óbitos. Na semana seguinte, a que terminou Domingo passado, registramos a maior queda relativa de toda séria histórica, com -5.1% e 7131 óbitos. Estaríamos prontos para uma descida mais consistente a partir de agora?

A dobradinha Domingo + Segunda de hoje registrou o menor número de óbitos desde os dias 10 e 11 de Maio. Embora ainda estejamos em um patamar elevado, há sinais de que a ‘descida’ está próxima.

É importante dizer que apesar de estarmos transitando por esse planalto com leve ascendência há quase 3 meses, o Brasil ainda está atrás dos países mais afetados da Europa em total de óbitos acumulados / Milhão de habitantes, indicador que permite comparar qualquer localidade, independentemente do tamanho da população. Os que mais sofreram com doença, que registram hoje pouquíssimos óbitos por covid, fecharam esse ciclo da pandemia ao redor de 600 óbitos/MM, com exceção do Reino Unido, hoje com quase 700 e a Bélgica com 860. A própria Suécia, mal falada por quase todos, atingiu 583 e não chega a ser um destaque negativo. Brasil, com 448 e EUA com 483, ainda não debelaram a ação do vírus e enfrentam problemas semelhantes a um país continental com pandemias em diferentes estágios. Na América Latina, Peru e Chile se destacam negativamente, piores que o Brasil, o México acompanha a curva brasileira com algum atraso, a Colômbia e a Argentina em período de subida forte, a última de um patamar muito inferior. Apesar de estarmos ainda em nível mais baixo, mantido o ritmo atual em 2 meses ultrapassaremos todos, exceto a Bélgica.

A menos que comecemos a descer essa ‘montanha’ em breve. Há muito tempo o Brasil apresenta algo ao redor de 5 óbitos / MM habitantes / dia, nesse momento está em 4.81. Para que possamos enxergar a porta de saída dessa confusão, seria necessário de 2.0 para baixo (alguns estados, depois de sofrer muito, já estão próximos disso: Amazonas, Pará e Amapá).

Via de regra, a pandemia começa a perder força a partir dos 400/500 óbitos /MM acumulados. Trata-se de uma constatação empírica e tem ocorrido em maior ou menor escala em todos os lugares. É possível que a queda seja tímida e os indicadores se deteriorem por mais tempo, a ponto de atingir 1600 óbitos/MM, como na Lombardia, ou os 1200 da cidade do Rio de Janeiro, mas o fato é que a quantidade de óbitos acumulados muito elevada é um indicativo de que já houve uma contaminação alta na população e que o vírus encontra mais dificuldade em se espalhar, causando uma redução no número de novas internações e consequentemente reduzindo a progressão da doença.

Existem exemplos de sucesso do ponto de vista de contenção do vírus que terminaram essa fase da pandemia com um índice muito reduzido de óbitos/MM de habitantes. Alemanha e Portugal são bons casos europeus, com 111 e 168, respectivamente. Países da Ásia, acostumados a lidar com esses eventos, também se saíram bem. Nova Zelândia, que se fechou para o mundo, registrou apenas 22 óbitos, e Austrália até o momento 205. A questão em aberto é se esses locais estariam mais suscetíveis a um repique do vírus, pois teoricamente sua população estaria menos imunizada e para se manterem seguros e fora do alcance de uma segunda onda, deveriam permanecer muito mais alertas do que em regiões muito afetadas. Trata-se de um tema para discussão, é improvável que alguém tenha uma resposta segura, dadas as incertezas ao redor desse maldito corona vírus.

De qualquer maneira, esse não é o caso brasileiro, onde a pandemia não foi contida em nenhum estado, tampouco o propósito desse texto é discutir erros e acertos dessa jornada, mas elaborar a respeito de uma possível queda. Ao observarmos nosso cenário, muito embora os números se mantenham relativamente estáveis, há sinais positivos.

Por exaustão, em alguns estados a pandemia já cedeu ou deve começar a ceder mais forte em breve. É o que se percebe na tabela abaixo, onde a parte direita mede a variação entre a média móvel de hoje com aquela registrada há 7, 15, 30 e 60 dias. Células esverdeadas indicam queda, amarelas equivalem a variações inferiores a 5% e vermelhas indicam aumento. Na parte esquerda da tabela, as médias móveis de óbito/MM de habitantes nas diferentes datas. Células em vermelho indicam resultado superior à média nacional, as amarelas números que variam em até 5% da média e as verdes mostram indicadores abaixo da média nacional.

Como era de se esperar, estados muito afetados caem e os pouco afetados sobem. Possivelmente nesses últimos, estabeleceu-se uma quarentena precoce e pouco efetiva, quando ainda quase não havia circulação do vírus, e agora a população tem que enfrentar a fase aguda de crescimento em momento que já está exaurida por tanto confinamento. A incógnita aqui é saber se os estados mais ‘atrasados’ subirão como um Amazonas ou Pará, que tiveram uma ascensão de óbitos à moda europeia, ou se repetirão a trajetória do estado de São Paulo, que manteve-se praticamente em um platô, sem grandes picos, por muito tempo, e só agora começa a dar sinais de uma possível queda.

Independentemente da resposta, é praticamente certo que os estados representados (no gráfico acima) pelas colunas verdes ainda tem uma jornada relativamente longa pela frente. Antes de melhorar, vai piorar. Aqueles em azul já avistam a porta de saída no horizonte e os que estão em amarelo caminham para isso na sequência. Portanto, a referência da curva brasileira é meramente matemática, pois cada estado tem a sua realidade. Para gaúchos, mineiros, catarinenses, paranaenses, baianos, sul mato-grossenses e tocantinenses, saber que o número do Brasil está caindo (ainda não, mas em breve) não alivia em nada a emergência com a qual terão que lidar por algum bom tempo. Por outro lado, visualizar uma porta de saída pela qual outros estão passando não deixa de ser revigorante.

Assim como é um alento para nós enxergar uma Europa ‘aglomerada’ e praticamente reestabelecida, caminhando para uma vida quase normal no auge do seu verão, sem sinal da temida segunda onda tão divulgada anteriormente. Casos aumentam, mas não internações, nem óbitos. Passou lá, passará também por aqui.

Para que nossa esperança seja comprovada pela realidade, precisamos enxergar o fim da pandemia naqueles estados muito afetados, a partir de registros ínfimos de óbitos diários ( < 2.0 óbitos/MM/dia), uma queda mais consistente nos estados do RJ e SP, epicentros originais da pandemia, para indicadores inferiores aos atuais 5.0 e 6.0 óbitos/MM/dia, e também perceber uma redução nos óbitos naqueles estados em posição intermediária, que hoje ainda tem um comportamento errático (exceção feita ao Maranhão e Alagoas, já inferiores à média nacional). Além disso, torcer para que o sofrimento dos estados mais ‘atrasados’ seja breve e pouco agudo.

Vamos aguardar o desdobramento dos números essa semana. Se o total vier abaixo dos 6500, teremos média móvel se aproximando dos 900/dia, longe do ideal, mas indicativo de que encontramos a trilha da descida. Que o maldito vírus não nos pregue uma peça e retome níveis mais altos de óbitos, como ocorreu em outras ocasiões após uma queda. Os números a serem comparados na terça, quarta e quinta, que normalmente definem o resultado da semana são 1335, 1212 e 1129.

Um dia a menos para o final da crise!

3 Comments
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3 Comentários

  1. Ana Paula Justino

    4 de agosto de 2020 em 12:54

    Graças a Deus você existe! Obrigada pelo seu empenho e pelo seu trabalho!

  2. Rogerio Santana Pires

    4 de agosto de 2020 em 13:36

    Parabéns pelas análises consistentes e pela dedicação a esse trabalho!

  3. Débora Lopes

    4 de agosto de 2020 em 18:05

    Esclarecedor e confortante… muito obrigada pelas suas análises Victor! Que Deus te abençoe.

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