Onde estão os nossos números??????

E cá estamos nós, 35 dias após o início da pandemia (que eu tomo a partir da data do caso 150) e praticamente um mês confinados. O maldito covid-19 não tem sido tão letal como inicialmente previsto e o sistema de saúde resiste, mesmo pressionado.

Como tudo no Brasil, o vírus também foi politizado e temos desde os que acham que o apocalipse é amanhã aos que tratam a enfermidade como uma gripezinha. Dependerá do quão próximo ou distante você está das posições de Jair Bolsonaro.

Resta-nos a insegurança sobre a intensidade de contágio, que ainda pode colapsar o sistema em algumas regiões, e a certeza de que em breve nos aguarda a mais avassaladora crise econômica da história, cuja gravidade pode ser atenuada, mas nunca eliminada, dependendo da velocidade de retorno à vida normal.

Testamos apenas pacientes internados e isso é um limitador para ampliar o conhecimento sobre a expansão da pandemia. Essa realidade não mudará. Navegamos à luz de velas, somente com quantidade de óbitos razoavelmente confiáveis, que ocorrem no final do ciclo. Vergonhosamente, todas as demais informações existentes e úteis para avaliarmos a progressão do vírus não são divulgadas, com exceções pontuais.

Quantidade de internações, capacidade e ocupação dos leitos clínicos e de UTI com respiradores, tempo médio de internação, recuperados, previsão de ampliação do número de leitos e respiradores. De posse dessas informações, básicas, seria possível mapear todos os municípios e estados do Brasil e prever com satisfatória confiança a progressão da doença.

Todo esse manancial de dados deveria ser público e atualizado diariamente à população, com máxima transparência. Qualquer gestor minimamente competente estabeleceria uma força tarefa no dia zero da pandemia para coletá-los incessantemente junto a todos os hospitais. Entendo que essa não é uma prática comum em dias de normalidade, mas a guerra exige esforços extraordinários. Um gabinete de crise não vive sem informação de qualidade. Parece simples, não é?

Não no Brasil, um deserto de estatísticas. Como exemplo, o estado mais rico do país permanecerá em quarentena por pelo menos 52 dias sem que sua população saiba qual é a situação das redes pública e privada nesse período. E isso por que seu governador gabava-se em campanha de ser um gestor…

Assistimos a coletivas repletas de retórica, brigas políticas, fofocas e decisões ou desejos desacompanhados de números. O mais incrível de tudo isso é que a imprensa não os questiona, justo ela, cujo papel investigativo é tão importante. Prefere muitas vezes fazer o papel de ‘Dona Fifi’ (a fofoqueira especialista em perturbar a vida da vizinhança), fomentando atritos entre os políticos e reproduzindo bordões superficiais na cobertura da pandemia.

A combinação de incompetência com falta de transparência das autoridades públicas, em conjunto com uma imprensa pouco afeita à exploração de números e detalhes, além do fato de que o vírus tem surrado os ditos especialistas de todo mundo, nos traz um cenário de agonia. A sensação é de que estamos em um barco à deriva que depende da vontade do vento para chegar ao seu destino.

O bom uso de informação é indispensável na tomada de decisão. Em uma situação de crise, leia-se guerra, você se organiza para capturá-la de todos os lados e por todos os meios possíveis. É inaceitável que nesse momento da epidemia ainda estejamos com essa deficiência.

Ao invés de agir, o Brasil é reativo. Para mudar esse cenário, precisa planejar. E o bom planejamento requer informação de qualidade em detrimento de palpites. Se o contraponto a esse argumento é de que a temos, então nossos gestores usam de má fé ou falta de transparência por não divulgá-la. As raras exceções apenas confirmam a mediocridade geral. Não é possível que a nossa única estratégia seja somente o ‘fique em casa’, tática já utilizada na Idade Média como combate à epidemias.

De todas as inquietações que o vírus tem me causado, a certeza de que estamos nas mãos de incompetentes é a maior delas. Por que depois da pandemia, teremos uma crise para enfrentar, e os protagonistas serão praticamente os mesmos.

Seria capaz de reconsiderar minha avaliação ácida sobre as nossas ‘autoridades’ se tivesse acesso aos números que nortearam todas as decisões tomadas até hoje.

Onde estão os nossos números????????

2 Comments
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2 Comentários

  1. Marcus Vinícius Rocha da Silva

    18 de abril de 2020 em 01:53

    Você espera que nossos eleitos exerçam o munus publicum com responsabilidade e, sobretudo, desprendimento? De que adiantaria a coleta de tais dados se, ao invés de nortearem uma gestão otimizada de recursos materiais e humanos para o combate dessa crise em um sentido amplo, seriam muito mais provavelmente utilizados pelos agentes públicos para se atacarem mutuamente?
    Infelizmente discordo de você, meu caro: não estamos nas mãos de incompetentes, pois estes podem ao menos ser bem-intencionados! Estamos sim ao bel-prazer de criaturas que norteiam seus atos pela ganância, com total desdém pelo sofrimento do pobre populacho.
    E seguimos na contagem regressiva orando pelo final da crise…

  2. Edu

    20 de abril de 2020 em 08:33

    Victor, tenho a mesma visão. As vezes, acabo descobrindo um dado relevante que a midia ignora ou não vai atrás, e que muda a minha opinião sobre a pandemia. Estamos no escuro e isso é culpa da midia e do governo. Ambos incompetentes.

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