O país do carnaval

Meu carnaval já terminou há mais de 20 anos. São décadas em que ele não passa de um feriado prolongado que antecede ao início do ano real no Brasil. Isso quando não estive fora do país, onde ele nem existe. Em tempos de solteiro, fui um folião moderado. Hoje, nem isso. Acho extremamente tediosa a cobertura jornalística dessa época, pois todo ano é igual. Os desfiles, os blocos, os trios, as bundas da hora. O mesmo roteiro de sempre.

Apesar do lamurioso parágrafo de abertura, estou longe de ser um reclamante. Não vejo problema na folia, que afinal se tornou um grande negócio do segmento ‘festas populares’, patrimônio cultural e atração turística. Talvez eu mesmo com 20 anos a menos fosse um adepto fervoroso. Somente nessas terras tropicais o sujeito recebe de brinde mini férias no meio do verão. Ganha um presentão em forma de cinco dias e o direito de fazer o que quiser com esse tempo. Sob a ótica do turismo, do hedonismo e do ‘nadismo’, um privilégio. Pelo critério de produtividade, nem tanto.

O que me causa certa inquietação nesses dias de confete e serpentina é perceber que o nível de engajamento da população com a folia não tem equivalência em qualquer outro momento da vida cotidiana, com exceção de algumas finais futebolísticas. É verdade que o Brasil é sempre pujante em qualquer evento festivo. Ouso dizer que não há povo no planeta tão animado, focado e comprometido com uma causa, quando em seu centro está uma festa, e isso não é demérito. Por alguma razão, o bom astral é uma característica genuína nessas terras do luminoso Cruzeiro do Sul.

Mas é de alguma maneira melancólico constatar que terminada a festa, as multidões que a protagonizaram país afora retomam seu estado de catarse coletiva, conformadas com o estado natural das coisas nesse Brazilzão corrupto, burocrático, impune, injusto, violento  malandro. Como seria bom se tratássemos todos os assuntos que nos rodeiam com a mesma intensidade com a qual festejamos a festa pagã.

Mas por enquanto, seguimos sendo o país do carnaval, quiçá do futebol. E só.

6 Comments
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6 Comentários

  1. Evandro

    10 de fevereiro de 2018 em 00:13

    Povo hiena. Come merda e dá risada. Triste.

  2. Rosa Cerqueira

    10 de fevereiro de 2018 em 21:04

    É isso mesmo…não sei como isso possa mudar… educação talvez…Mas o objetivo do governo é manter as pessoas na ignorância para poder manipular melhor.

  3. Luiz Antonio Tozato Lima

    10 de fevereiro de 2018 em 22:57

    Parabéns pelo trabalho acompanho sempre o Blog do Victor.

  4. Marcia

    11 de fevereiro de 2018 em 18:04

    O meu carnaval terminou há mais de 3 décadas, também estou cansada dessa insistente mídia…..um bom livro me faz companhia nesses dias de folia!

  5. José Tosi

    12 de fevereiro de 2018 em 20:56

    Cá estou, nessa segundona bruta de Carnaval, dando um “tempo” para os meus afazeres formais. Acompanho seus escritos bem menos do que gostaria porque gosto do estilo e, mais ainda, dos seus pontos de vista.
    Também ando muito “prá baixo” quando vejo a nossa perspectiva a curto prazo. Sei que teremos um ano razoável na economia, mas também sei que o establishment ganhará um espaço importante. Elegerá um presidente (terá que ser com p minúsculo porque não temos ninguém que efetivamente vá se comprometer com um processo de mudança, ainda que lenta!). Mas, também, elegeremos um congresso que eu gostaria que tivesse uma melhor qualidade do que esse e convenhamos que não seria muito difícil. Porém, nosso poder de escrutíneo é leviano e votamos para cumprir uma obrigação.
    Infelizmente, a eleição para a grande maioria da classe média brasileira começa e acaba naquele dia que somos obrigados a buscar nossa urna e votar. Isso se o dia da votação não tiver nenhum feriado por perto, senão preferiremos uma fujidinha para algum canto e, depois, justificaremos a nossa ausência. Tudo colabora para nossa tristeza.
    Precisamos voltar a ter orgulho de nossos professores, de nos sentirmos protegidos por nossa polícia, de estarmos seguros que temos uma justiça que funciona e aplica a lei e não que distorçam a lei para atender suas convicções pessoais.
    Para que isso aconteça, temos que tirar a bunda da cadeira e conversar sobre política com todos que possamos alcançar. Em qualquer classe social, sei que o que falta é consciência do quanto podemos se escolhermos bem.
    Gosto de história e gosto de estatísticas. Sei que o País está melhor do que foi, mas sei que está longe do que pode ser. Lendo as estatísticas, está claro que muita coisa está melhor: menos mortalidade infantil, menos analfabetos, mais leitos hospitalares por habitante, mais isso, mais aquilo.
    Infelizmente, isso já não nos serve mais. O Brasil não evoluirá e participará do mundo com o que temos construído. O tempo urge e precisamos fazer com que nossos representantes (gostemos ou não) trabalhem de acordo.
    Hoje, temos um legislativo que executa um orçamento (o executivo não tem espaço para fazer a gestão); um executivo que legisla (através dos DL, porque o congresso não se interessa por atualizar nossas leis) e, infelizmente, um judiciário que governa (através de suas decisões monocráticas e autoritárias).
    Levará tempo para tudo isso se acomodar novamente. Sempre conseguimos ajustar as coisas no tempo. Só que o tempo – agora – tem outro compasso. Tudo é “prá ontem” e a próxima geração precisa estar pronta para entender que ninguém terá um trabalho se não conhecer tecnologia; que uma visão holística das questões mundanas será absolutamente necessária; que entendermos diferentes culturas é crucial dentro do mundo global que vivemos.

    Desde a posse de Lula, paramos com nossas mudanças estruturais e compramos um jeito de consumir e viver que nos embalou e embaçou nossa vista – coisa que não nos entristece porque podemos dizer que não temos culpa nisso ou naquilo. Ficamos órfãos de lideranças! De um lado, Lula que está muito claro que seu papel foi claramente de locupletar-se no cargo. D’outro lado, FHC que, ou está com demência senil, ou continua se esforçando para que ninguém faça-lhe sombra e que ele consiga chegar à sua morte como o grande Presidente que foi. Ora, ora, que injustiça com Ruth Cardoso! O verdadeiro governo transformador – que começou com Itamar – foi o primeiro mandato de FHC. Mas, tínhamos o Serjão que não permitia que FHC se apequenasse nas disputas, Luis Eduardo Magalhães que soube costurar o Congresso como ninguém e Dona Ruth, que acabava criando situações para forçar o Governo a pensar no público miserável que tínhamos.

    Desculpem-me, estou tergiversando. Volto ao meu ponto. Acho ótimo que o Vitor faça uso do Blog para botar seu pensamento e sua visão para fora e, mais ainda, que tenhamos oportunidade de estar por aqui.

    1. Victor

      13 de fevereiro de 2018 em 16:16

      Tosi, também é para ter comentarios como esse que eu tenho meu blog, extremamente enriquecedor. Se me permitir, eu o compartilho. Estamos alinhados em pensamento! Grande abraço

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