O leão Cecil e o mundo estranho em que vivemos

imageEu tenho apreço pelos animais. Admiro os veganos, que negam qualquer tipo de carne. Há uma certa superioridade moral nessa postura, um quê de rebeldia contra o mundo que massacra os bichos em busca de proteína. Não tenho planos de tornar-me um deles, pelo menos nessa encarnação. O meu DNA carrega nossas raízes históricas, quando os humanos primitivos precisavam caçar para sobreviver. Não vivo sem um bom churrasco, preciso me aprimorar em outras virtudes. Ao me deparar com uma picanha mal passada, não tenho pena da vaca. Dizem que quando criança eu nutria essa compaixão pelos bovinos, a ponto de só consumir carne quando ela era dita como de ‘soja’. Em algum momento, regredi. Hoje sou quase um canibal, devorador de corações de frango. Um pecador. 

Apesar do apreço inestimável, também não considero os animais como humanos. Não tenho na conta que o adorável cachorro Golden Retriever que temos seja meu filho. Ele não é irmão dos meus guris. Nós somos seus donos, e acho que ele – o cão – está bem contente com esse ‘status’.

Não vejo graça nenhuma em ‘caçar animais’, na infância nunca fui desses que caçavam passarinhos, meu auge nessas empreitadas sempre foram os insetos, grupo pelo qual nutro asco e antipatia, admito. Em muitos verões assassinei sem dó centenas de pernilongos vampiros, que além de chupar nosso sangue, produzem aquele zunido insuportável. Enfim, tudo isso para introduzir o assunto do leão Cecil, mascote do Zimbabue, abatido por um caçador cretino que o atraiu para fora do parque em que reinava e que se tornou o personagem mais odiado do planeta na semana que passou. Sinto uma grande repulsa quando vejo fotos de caçadores com suas presas estampadas como troféu. Não podemos esquecer, porém, que trata-se de atividade legalizada em muitos países e que economicamente fornece subsídios para que ocorra a manutenção de parques de preservação onde as espécies permanecem intocadas. Dito isso, o que o infeliz dentista americano fez ocorre diariamente em vários lugares do mundo, dentro da lei. A polêmica se dá pelo fato dele supostamente ter atraído o leão para a área de caça permitida com o objetivo de abatê-lo. Não fosse o felino uma celebridade do reino animal, o episódio teria passado em branco e o dentista retornado aos EUA com a cabeça do bicho empalhada.

Um tipo que gasta dezenas de milhares de dólares para ter a chance de matar um animal e deixá-lo em exposição em sua sala talvez seja um caso a ser estudado pela psiquiatria, para mim trata-se de um personagem exótico, com possíveis desvios de comportamento. Eu disse  ‘possíveis’, pois há gosto para tudo. Quem pode afirmar que o dentista é na essência mau? Ninguém. Não li reportagens que remetessem a uma psicopatia do sujeito, nem que fosse a ruindade em pessoa. Mas ele é candidato a vilão do ano. Esqueçam o Estado Islâmico, que a essa altura pode estar reavaliando sua estratégia terrorista (os animais selvagens que se cuidem), esqueçam os milhares de estupradores soltos pelo mundo, esqueçam as fábricas de aborto, esqueçam os pedófilos, os traficantes de droga, os assassinos impunes, os corruptos que roubam dinheiro que poderiam salvar vidas. Esqueçam os ditadores, como o presidente do Zimbabue, terra do leão Cecil, que matou dezenas de milhares de conterrâneos e certamente muitos leões. O vilão é o dentista. Mas podemos imaginar que sua vida agora tornou-se um verdadeiro inferno, foi condenado a pária do planeta nas redes sociais, um campeão mundial de ‘dislikes’. Será que ele merece o ódio do mundo? Talvez o desprezo, mas ódio?

E todas as atrocidades que humanos cometem diariamente contra humanos, por que não despertam a revolta que a morte do leão Cecil causou? É possível que o mesmo sujeito que brada contra os caçadores faça vistas grossas aos decapitadores de gente do Estado Islâmico, por lutarem contra um sistema opressor. Mundo cada vez mais estranho esse em que vivemos…

2 Comments
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2 Comentários

  1. Nardy

    6 de agosto de 2015 em 13:45

    Ojalá tivesse sido o Lula quem matou o leão Cecil. Melhor ainda se o tivesse feito com uma estátua de Maomé…

  2. Márcia

    9 de agosto de 2015 em 17:28

    Há muitas coisas que o dinheiro, ainda, permite…..há muitas coisas voltadas, única e exclusivamente, ao princípio do prazer!

    Coitados dos animais….é muito complicado pensar analítica e criticamente sobre tudo!!!

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