O discurso da posse, comentado

Foi um discurso sem surpresas e coerente com que o presidente Jair Bolsonaro pregou na campanha. Alguns trechos foram bastante positivos, desmistificando inclusive a pecha de anti-democrático e autoritário que os derrotados tentam lhe atribuir. Abaixo meus comentários, na sequência do conteúdo em aspas.

Senhoras e Senhores, com humildade, volto a esta Casa [Congresso Nacional], onde, por 28 anos, me empenhei em servir à nação brasileira, travei grandes embates e acumulei experiências e aprendizados, que me deram a oportunidade de crescer e amadurecer.

Volto a esta Casa, não mais como deputado, mas como Presidente da República Federativa do Brasil, mandato a mim confiado pela vontade soberana do povo brasileiro. ”

A última vez que um representante do Congresso Nacional se elegeu presidente da República foi em 1961, quando Jânio Quadros venceu as eleições enquanto era deputado federal pelo Paraná. Antes dele, Getúlio Vargas em 1951 foi eleito presidente quando exercia a função de senador pelo Rio Grande do Sul. Porém, tanto Jânio, quanto Getúlio haviam ocupado anteriormente posições no Executivo, o primeiro como governador de São Paulo, e o segundo como presidente (e ditador). Jair Bolsonaro até ontem era um dos mais longevos parlamentates em exercício no Congresso, com uma experiência de 28 anos (ou sete mandatos). Diferentemente dos dois ex-presidentes citados, trata-se de um congressista ‘raiz’. Reconhecer as próprias origens e a relevância do Congresso na abertura do discurso foi um sinal importante, pois ao longo dos próximos quatro anos o presidente vai precisar de seu apoio para um sem número de medidas cruciais, muitas delas impopulares.

Hoje, aqui estou, fortalecido, emocionado e profundamente agradecido, a Deus pela minha vida e aos brasileiros, por confiarem a mim a honrosa missão de governar o Brasil, neste período de grandes desafios e, ao mesmo tempo, de enorme esperança.”

Nesse trecho ele faz menção indireta ao atentado, ao agradecer a Deus pela sua vida, passagem essa que deverá ser motivo de reclamação dos mais ranzinzas. Não vamos nos esquecer que o presidente sofreu uma tentativa de assassinato, ainda com sequelas e por poucos minutos não bateu as botas. Agradecer a Deus por estar vivo nunca é demais. Há de se respeitar o fato dele ter fé.

Aproveito este momento solene e convoco, cada um dos Congressistas, para me ajudarem na missão de restaurar e de reerguer nossa Pátria, libertando-a, definitivamente, do jugo da corrupção, da criminalidade, da irresponsabilidade econômica e da submissão ideológica.”

Um dos trechos mais incisivos. Não deixa de ser inusitada a solicitação de apoio ao Congresso para o combate à corrupção e à irresponsabilidade econômica. A primeira pode não ter narcido lá, mas encontra em Brasília terreno fértil para sua proliferação. Quanto à segunda, não foram poucas as vezes em que o Congresso agiu irresponsavelmente. Mas, como já foi dito, um presidente tem que negociar com as casas; a mensagem sobre as prioridades precisava ser clara, e foi. A questão da submissão ideológica é subjetiva, mas a convicção de que se trata de um problema o ajudou a se eleger. Natural que Bolsonaro se mantenha firme em sua crença.

Temos, diante de nós, uma oportunidade única de reconstruir nosso país e de resgatar a esperança dos nossos compatriotas. Estou certo de que enfrentaremos enormes desafios, mas, se tivermos a sabedoria de ouvir a voz do povo, alcançaremos êxito em nossos objetivos, e, pelo exemplo e pelo trabalho, levaremos as futuras gerações a nos seguir nesta tarefa gloriosa.”

Esse foi um parágrafo populista, que caberia no discurso de qualquer presidente eleito, em qualquer época.

Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as famílias, as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores. O Brasil voltará a ser um país livre de amarras ideológicas….’

Aqui temos a menção à família, sempre presente na campanha. Também se refere à tradição brasileira judaico-cristã, uma verdade incontestável, e ressalta o respeito às religiões, para que não seja mal interpretado pelos rabugentos. Não acho que o tema de ideologia de gêneros mereça lugar em um discurso de posse, é um assunto para lá de coadjuvante, e a segunda citação às amarras ideológicas foi redundante. É o parágrafo mais conservador do discurso e nele o presidente se dirigiu à população com esse perfil. Previsível , foram seus eleitores e defensores fiéis, não deixaria de agradá-los.

Pretendo partilhar o poder, de forma progressiva, responsável e consciente, de Brasília para o Brasil; do Poder Central para Estados e Municípios. Minha campanha eleitoral atendeu ao chamado das ruas e forjou o compromisso de colocar o Brasil acima de tudo, e Deus acima de todos. ”

Mais Brasil e menos Brasília, a descentralização será bem vinda. A vida acontece nos municípios. Esse trecho do discurso foi ótimo. Na sequência, houve o encaixe do slogan de campanha. Eu não teria feito, ela já acabou. Hora de desapegar e começar a criar uma marca de governo.

Por isso, quando os inimigos da pátria, da ordem e da liberdade tentaram pôr fim à minha vida, milhões de brasileiros foram às ruas. Uma campanha eleitoral transformou-se em um movimento cívico, cobriu-se de verde e amarelo, tornou-se espontâneo, forte e indestrutível, e nos trouxe até aqui.”

Outra citação ao atentado, dessa vez mais direta e emocional, utilizada para encorpar a retórica.

Nada aconteceria sem o esforço e o engajamento de cada um dos brasileiros que tomaram as ruas para preservar nossa liberdade e democracia. Reafirmo meu compromisso de construir uma sociedade sem discriminação ou divisão.”

Uma ducha de água gelada nos rabugentos, ao reafirmar o compromisso de construir uma sociedade sem discriminação ou divisão. Afinal, onde está o autoritarismo?

Daqui em diante, nos pautaremos pela vontade soberana daqueles brasileiros: que querem boas escolas, capazes de preparar seus filhos para o mercado de trabalho e não para a militância política; que sonham com a liberdade de ir e vir, sem serem vitimados pelo crime; que desejam conquistar, pelo mérito, bons empregos e sustentar com dignidade suas famílias; que exigem saúde, educação, infraestrutura e saneamento básico, em respeito aos direitos e garantias fundamentais da nossa Constituição.”

Um dos melhores momentos do discurso, dando ênfase às reais preocupações do brasileiro médio. Eu teria elaborado com mais profundidade, esses temas são mais efetivos e menos sujeitos às reclamações do que as corriqueiras menções à submissão ideológica. A citação à Constituição é um tapa na cara dos ‘mimizentos’ que falam de um retorno a 1964.

O Pavilhão Nacional nos remete à “ORDEM E AO PROGRESSO”. Nenhuma sociedade se desenvolve sem respeitar esses preceitos.

O cidadão de bem merece dispor de meios para se , respeitando o referendo de 2005, quando optou, nas urnas, pelo direito à legítima defesa. Vamos honrar e valorizar aqueles que sacrificam suas vidas em nome de nossa segurança e da segurança dos nossos familiares.”

No meu entendimento, essa questão do armamento é periférica no combate à violência que assola o Brasil, e espero que a solução para um dos nossos maiores problemas não seja pautada apenas por esse assunto, uma obsessão do presidente, que pode se converter em distração. A conferir.

Contamos com o apoio do Congresso Nacional para dar o respaldo jurídico aos policiais para realizarem seu trabalho. Eles merecem e devem ser respeitados! Nossas Forças Armadas terão as condições necessárias para cumprir sua missão constitucional de defesa da soberania, do território nacional e de nossas fronteiras.”

Acho importante a valorização do policial militar, uma profissão que ganha pouco pelo risco que corre, normalmente difamados pela grande imprensa.

Montamos nossa equipe de forma técnica, sem o tradicional viés político que tornou nosso estado ineficiente e corrupto.  Vamos valorizar o Parlamento, resgatando a legitimidade e a credibilidade do Congresso Nacional.”

Gostem ou não dos nomes indicados para compor o Ministério, há de se reconhecer que a promessa de campanha foi cumprida e não houve o tradicional ‘toma lá, dá cá’ para sua composição. Difícil será resgatar a credibilidade do Congresso Nacional. Isso é algo que não depende da vontade de um presidente. A conferir.

Na economia traremos a marca da confiança, do interesse nacional, do livre mercado e da eficiência. Confiança no compromisso de que o governo não gastará mais do que arrecada e na garantia de que as regras, os contratos e as propriedades serão respeitados. Realizaremos reformas estruturantes, que serão essenciais para a saúde financeira e sustentabilidade das contas públicas, transformando o cenário econômico e abrindo novas oportunidades.”

Esse trecho foi música para os liberais. A menção ao livre mercado, eficiência, responsabilidade fiscal, respeito a contratos, reformas estruturantes e sustentabilidade das contas públicas são todas pautas emergenciais para o país. Nenhuma delas será fácil.

Precisamos criar um ciclo virtuoso para a economia que traga a confiança necessária para permitir abrir nossos mercados para o comércio internacional, estimulando a competição, a produtividade e a eficácia, sem o viés ideológico.”

Mais música: comércio internecional, competição, produtividade!!!! Finalmente um presidente se importa com o assunto, uma de nossas maiores vulnerabilidades. A conferir se de fato não haverá viés ideológico nas relações comerciais do Brasil.

Nesse processo de recuperação do crescimento, o setor agropecuário seguirá desempenhando um papel decisivo, em perfeita harmonia com a preservação do meio ambiente.”

Importante destacar um dos pilares da economia brasileira, sem esquecer do balanço com a preocupação ambiental.

Da mesma forma, todo setor produtivo terá um aumento da eficiência, com menos regulamentação e burocracia. Esses desafios só serão resolvidos mediante um verdadeiro pacto nacional entre a sociedade e os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, na busca de novos caminhos para um novo Brasil.”

Mais música: eficiência, menos regulamentação e burocracia. Citar um pacto entre os três poderes para resolver essas questões também foi um sinal positivo.

” A política externa retomará seu papel na defesa da soberania, na construção da grandeza e no fomento ao desenvolvimento do Brasil.”

Adequado.

Senhoras e Senhores Congressistas, Deixo esta casa, rumo ao Palácio do Planalto, com a missão de representar o povo brasileiro. Com a benção de Deus, o apoio da minha família e a força do povo brasileiro, trabalharei incansavelmente para que o Brasil se encontre com o seu destino e se torne a grande nação que todos queremos. Muito obrigado a todos vocês.

BRASIL ACIMA DE TUDO! DEUS ACIMA DE TODOS!”

Fechamento protocolar.

Faltou uma menção especial aos 53 milhões de brasileiros que vivem na miséria, 25% da população, que foi iludida pelas falsas promessas e voos de galinha das gestões anteriores e que acorda todos os dias com a difícil missão de sobreviver. Esse pessoal não tem nenhuma preocupação com a tal submissão ideológica e um Brasil melhor e mais eficiente terá condições de resgatá-los das condições sub-hunanas a que são submetidos há tanto tempo.

Fosse eu o redator, não deixaria de incluir algo nesse sentido, colocando a verdade sobre o mal da pobreza, nunca deterrotada no Brasil, no discurso de abertura. Há 16 anos, um futuro presidiário assumiu o poder com a promessa de combatê-la. Falhou amplamente. O objetivo não mudou, apenas os protagonistas.

Boa sorte, presidente Jair Bolsonaro.

4 Comments
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4 Comentários

  1. sonia pedrosa

    2 de janeiro de 2019 em 08:03

    Vamos torcer para tudo dar certo!!!
    Feliz ano novo, Victor!
    Grande abraço,
    sonia

    1. Victor

      2 de janeiro de 2019 em 09:00

      Obrigado, para você também, Sonia!

  2. Christina Carvalho Pinto

    2 de janeiro de 2019 em 14:44

    Excelente interpretação, Victor! A questão super preocupante é a completa falta de consciência sobre a gravíssima questão ambiental. Essa absorção do Ministério do Meio Ambiente pelo Ministério da Agricultura, com a raposa (Blairo Maggi e outros ruralistas) tomando conta do galinheiro, tira dessa questão crucial, completamente, a possibilidade do obrigatório bom-senso e equilíbrio. O Brasil é a Maior Potência Ambiental do Planeta. Isso significa Recursos, Saúde, Cura de Doenças, Segurança Alimentar etc. etc. O desmatamento desvairado da Amazônia já está provocando seca no Centro Oeste e Sudeste. Tudo está interligado. Enfim, é fundamental que haja conscientização do Bolsonaro e da sociedade. É perverso o cacoete (criado por pessoas com i ter esses excusos) de chamar pejorativamente de “verdinhos” todos os que se aprofundam na questão ambiental e compreendem a urgência de buscar o equilíbrio. O novo Governo precisa tomar pé do assunto, com conhecimento claro, científico, pois essa exclusão da pauta e do Programa de Governo, e as decisões já tomadas, constituem grave perigo. Acredito na postura do novo Governo e torço pelo sucesso de seu plano. O Brasil precisa se limpar. Mas a questão ambiental precisa fazer parte. Abraço grande e vamos juntos fazer um 2019 Novo de verdade! Christina Carvalho Pinto.

    1. Victor

      3 de janeiro de 2019 em 10:09

      De fato, essa de decisão preocupa, aliado ao fato do ministério ter sido esvaziado

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