Luto de uma tragédia anunciada

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Imagine…um país onde a inexistência da aprovação do Corpo de Bombeiros para o funcionamento de um estabelecimento comercial é razão suficiente para mantê-lo fechado até que a situação seja regularizada, sem jeitinho. Imagine…um país onde donos de bares ou boates respeitem sua capacidade máxima permitida, demonstrando maior apego à segurança de seus clientes do que à tentação de faturar um trocado extra. Imagine…um país onde profissionais que  lidam com espetáculos, sejam eles empresários, técnicos ou artistas, tenham discernimento suficiente para evitar práticas que coloquem em risco a vida do seu público. Imagine…um país onde mesmo indivíduos na humilde condição de seguranças de uma casa de espetáculo tem condições de entender uma situação de emergência e contrariar uma prática usual pelo bem comum. Ou então, imagine…um país onde esses mesmos seguranças não fiquem apenas guardando a saída, mas também presentes no ambiente interno, munidos de rádio para alertar imediatamente os colegas em caso de algum imprevisto.

As situações descritas acimas parecem ser bastante razoáveis, longe do Brasil. Também seriam uma demonstração de civilidade, que infelizmente não é matéria prima abundande por essas bandas. Fossem seguidas à risca, o país não estaria consternado em lágrimas pela segunda maior tragédia de sua  história. Com apenas uma saída de emergência, há indícios de que o local comportaria um público máximo que não ultrapassaria metade da lotação na madrugada de Domingo, para que fosse minimamente seguro. É claro que os donos da Boate Kiss, os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, seus empresários e os seguranças do local nunca desejaram a desgraça que se abateu sobre a cidade de Santa Maria, mas suas pequenas atitudes poucos civilizadas, somadas, permitiram a conjuntura de fatores que culminaram na morte de 231 pessoas. O pior é constatar que poderia ter ocorrido em qualquer lugar do Brasil, do Oiapoque ao Chuí.

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Infelizmente, fatalidades como essa tendem a acontecer em países ditos ‘em desenvolvimento’, maneira elegante de se referir àqueles onde as instituições não são suficientemente sólidas para garantir o mínimo de bem-estar à sua população. Nesse século, incêndios similares e de grandes proporções aconteceram na China, Tailândia, Rússia, Argentina, Brasil e Estados Unidos (Rhode Island, 2003), esse último uma exceção que apenas comprova a regra. Em terras tupiniquins, estamos acostumados à tragédias que vez por outra nos causam extrema indignação. Recordo-me do caso do ‘Bateau Muche’, um pequeno barco de passageiros que naufragou com mais de uma centena deles às vésperas de assistir aos fogos de Copacabana, na virada de um ano da década de 80, superlotado. Também do edifício da Barra da Tijuca que foi abaixo no começo do século, cuja construtora era propriedade de um deputado federal mineiro. Recentemente, uma explosão colocou abaixo um prédio no centro do Rio. Há poucos verões, a região serrana carioca foi vítima de uma série de temporais que matou centena de pessoas e deixou milhares desabrigados, a maioria deles vivendo em área perigosas sob os olhos negligentes das autoridades de governo.

Apesar do luto, da tristeza, da indignação momentânea, o brasileiro está acostumado a esse tipo de situação. E nossa natureza permissiva, excessivamente tolerante e conformada não nos permite visualizar progresso no que diz respeito à civilidade. Afinal, elegemos e reelegemos os mesmos sujeitos que roubam descaradamente o nosso dinheiro, somos coniventes com pequenos atos de corrupção, tal como subornar um guarda de trânsito ou aliciar funcionários públicos para obter vantagens, damos a mínima para assuntos prioritários como educação, saneamento, saúde pública, não cobramos de quem governa satisfações sobre a situação precária nessas áreas. Essa omissão, disseminada em quase todos os aspectos da nossa vida em sociedade, proporciona espaço para que atitudes ‘pouco civilizadas’ registradas na história da tragédia de Santa Maria, sejam o usual e não a exceção. Somos individualmente solidários e coletivamente desagregados.

O país está chocado. A indignação é generalizada. Até quando? O carnaval está logo ali, depois temos Copa das Confederações, Copa do Mundo…e como diz o comercial ufanista de cerveja…imagine a festa…

Que as famílias e amigos das vítimas dessa tragédia tenham serenidade, fé e muita força para seguir em frente, por mais que isso pareça uma missão impossível. Que os 231 jovens vitimados no Domingo sejam assistidos no outro plano e possam compreender a razão para tamanha brevidade dessa vida. Que essa tragédia nos obrigue a progredir como nação e que a indignação se traduza em um permanente comportamento de respeito ao próximo.

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3 Comments
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3 Comentários

  1. Rui Pereira

    29 de janeiro de 2013 em 07:12

    Victor, leio o teu blog com regularidade. Concordo com a sua reflexão. Ser um país em desenvolvimento implica saber investir em “civilidade” e segurança do seus cidadãos.. Forte abraço de Lisboa, Rui Pereira

  2. Flora

    29 de janeiro de 2013 em 14:28

    Pois e!!! Agora cada um vai colocar a culpa no outro numa corrente infinita de irresponsabilidade. o Governo vai a TV com a maior serenidade.. Em Buenos Aires o Prefeito foi pra cadeia!!! Sera que depoiscdestacdesgraca vamos aprender algo?

  3. Cezar Chiarantano Jr

    29 de janeiro de 2013 em 23:44

    Luto e Revolta, pois esta segunda é a que mobiliza para mudanças.

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