As 10 principais diferenças entre vida empreendedora e a corporativa

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Sempre achei que em minhas veias não corria sangue de empreendedor. Até pelo histórico familiar, repleto de profissionais liberais e funcionários públicos, nada indicava que poderia abraçar a causa. Foi assim por mais de 40 anos. Uma janela de oportunidade me permitiu experimentar brevemente uma jornada empreiteira. Tempo insuficiente para mudar minha opinião sobre meu DNA, mas o bastante para tornar-me capaz de definir claramente as diferenças entre  a vida corporativa e o empreendedorismo.

Exerci a maior parte de minha carreira em multinacionais, portanto minha análise se dá pela ótica da vida corporativa em grandes empresas, com o viés de mercado financeiro. Minhas empreitadas também se deram em setores sob a influência desse segmento.

1 – Quem possui certa quilometragem em grandes corporações provavelmente tem mais de um chefe, fato oriundo das tradicionais estruturas matriciais, e não raro seus interesses e objetivos não convergem, o que  cria situações típicas dos quadrinhos de Dilbert e impõe ao sujeito o desenvolvimento obrigatório de jogo de cintura e paciência. Eis aí uma possível vantagem para o empreendedor, que navega em mares desprovidos da figura do chefe, certo? Errado. Nada mais ilusório. Na ausência de um chefe protocolar, clientes e investidores capitalistas podem assumir esse papel e tornar a vida do empreiteiro igualmente turbulenta nesse quesito. Clientes chatos como xarope amargo e investidores não habituados ao seu ramo de atuação tem grande potencial de estragar seu dia. Em outras palavras, em ambas as situações há igualdade de chances de (in)satisfação.

2 – Todos em uma grande corporação já ouviram o mantra: ‘tome a decisão como se o dinheiro fosse seu’, incentivando uma disciplina espartana na condução das despesas de qualquer tipo. A analogia é válida e a mentalidade por trás dessa afirmação está correta, mas na prática isso é impossível. Por mais que você seja extremamente diligente na condução dos gastos em uma empresa, jamais conseguirá tratar a situação como se fosse o seu próprio capital. Em uma grande empresa, um eventual problema de fluxo de caixa é resolvido através das linhas de crédito às quais ela tem acesso. Um gestor pode travar uma batalha campal para conseguir aumento para seus funcionários mesmo em um ambiente de lucro negativo. Quando o dinheiro é seu, sua ausência seria coberta com incremento de dívida própria e o caminho da insolvência pode começar por aí. Não existe comparação entre o nível de ‘stress’  nas situações de possível escassez de caixa. Como funcionário de uma empresa, no limite você pode perder seu emprego ou ter que promover demissões. No seu empreendimento, você pode quebrar e sumir do mapa. E se tiver funcionários, passa a sentir-se indiretamente responsável por eles. A pressão para que não cometa erros que comprometam suas vidas financeiras é enorme. A relação com o dinheiro é portanto muito mais ‘nervosa’ quando você é ‘dono do seu próprio nariz.

3 – A sensação de liberdade e a flexibilidade para balancear sua vida pessoal são muito mais amplas para o empreendedor. Eis uma diferença gigantesca. Na vida corporativa, você é escravo de sua agenda, sobre a qual brotam compromissos como ervas daninhas, sem que você consiga controlá-los. Boa parte deles não é produtivo, pois estão atrelados à prioridades de terceiros onde você pode ser mero coadjuvante. E não há como escapar dessa rotina cruel. Empreendendo, a situação se reverte e  a agenda passa a ser sua subordinada. Mesmo que você passe uma quantidade menor de horas no trabalho, essas serão bem mais aproveitadas, pois você saberá discernir as suas prioridades e o seu precioso tempo sempre o terá como protagonista.

4 – Como empreendedor, a liberdade lhe permite exercitar o ócio. Você tem mais tempo para se encontrar com outras pessoas, ouvir histórias diferentes de seu ambiente usual, trocar ideias a respeito dos mais variados assuntos. Situações corriqueiras podem se converter em novas oportunidades de negócio . O universo conspira para que você seja criativo. Na vida de funcionário ou executivo ocorre exatamente o contrário. Sob a vigilância rigorosa de sua agenda e as rédeas curtas da governança corporativa, seu tempo para voos fora da caixa é limitadíssimo e somente com muita disciplina você consegue dedicar uma insignificante parte do seu dia a isso. A exaustão da rotina mina sua capacidade criativa e suas preocupações consomem a maior parte de sua atenção.

5 – A diversidade das relações humanas é muito mais rica no mundo corporativo, com uma fauna quase infinita de personagens. Apesar de tratamos com fornecedores, prestadores de serviço, clientes, pares ou sócios e funcionários em ambos os universos, o dinamismo dessas relações nas corporações é muito maior. Pessoas vem e vão em uma velocidade incomparável, oportunidades de movimentação ou promocão, além  de mudanças internas de carreira, ocorrem com muito mais frequencia. Seus efeitos colaterais também são sentidos. Mais exposto à essa diversidade, você automaticamente estará mais sujeito  a levar rasteiras, experimentar frustrações de expectativas não atendidas, ser envolvido em conspirações políticas de toda ordem. Nesse aspecto, as maiores emoções oferecidas pelo ambiente corporativo são diretamente proporcionais à periculosidade do terreno em que você pisa.

6 – Uma corporação é uma sociedade com cultura própria e ao viver dentro dela você automaticamente passa a se comparar com os outros. Por que fulano foi promovido e você não, sentimentos híbridos em relação à avaliações que fazem a seu respeito, a necessidade de tolerar gente com a qual você não tem afinidade. Em maior ou menor escala, todos passamos por isso. Como empreendedor, seu sucesso está relacionado à sua habilidade de cumprir os objetivos que você mesmo se impõe. É verdade que à medida que seu negócio cresce, ele pode adquirir características similares às grandes corporações, mas jamais com a mesma complexidade.

7 – Ainda utilizando a analogia com uma sociedade de cultura própria, nesse micro universo as pessoas também se aproximam por afinidade ou interesses, grupos são formados e muitas das movimentações nos níveis gerenciais mais altos são conduzidas por decisões políticas. Quem nunca ouviu a história de que fulano ‘rodou’ por que não estava alinhado com o novo chefe? É absolutamente normal isso acontecer. É difícil alguém conseguir uma carreira na vida corporativa sem que em algum momento tenha que posicionar-se politicamente. Essa situação é rara para o sujeito na posição de empreendedor. Em outras palavras, nesse aspecto a vida corporativa lhe exige mais estômago.

8 – O usual é que empreendedores sem muito capital tenham sócios na sua empreitada, muitas vezes necessários para aumentar as chances de êxito. Sócios não são como chefes, pares ou funcionários, que passam. Mesmo a empresa em que você trabalha não estará lá para sempre, você pode mudar a qualquer momento. Com um sócio, a coisa muda de figura. A princípio, tal qual em um casamento, o objetivo é de que ele seja duradouro. Com o tempo, podem surgir divergências de interesse e uma ruptura se fazer necessária. Ela poderá ser completamente amigável e sem sobressaltos ou parar nos tribunais. Quanto maior for o interesse financeiro em jogo, mais provável é o cenário litigioso. Não existe paralelo da figura do sócio no mundo corporativo, e ela é crucial na vida do empreendedor. Isso pode ser bom ou ruim, e dependendo do alinhamento da sociedade, a sua empreitada pode ser um sucesso fenomenal ou um fracasso retumbante.

9 – A dedicação exclusiva na vida corporativa lhe dá direito à férias periódicas. Como empreendedor, você também pode usufruir de um descanso a qualquer momento, mas seu negócio não vai parar por causa disso. Um sócio ajuda nesse caso, pois há cobertura mútua. A partir de um determinado tamanho e infra-estrutura, o empreendedor passa a desfrutar de maior liberdade também nesse quesito, mas até atingir esse estágio, terá ‘pastado e devorado muita grama’. Não são poucas as histórias de pequenos empreendedores que só conseguem se desconectar entre o Natal e o ano novo.

10 – A  capacidade de conviver com a incerteza é indispensável na vida empreendedora, onde você tem que construir do zero o faturamento do mês seguinte. Em uma grande empresa, faça chuva ou faça sol, o salário e os benefícios vinculados a ele pingarão todo final de mês. Imprevistos podem afetar o resultado da empresa e até impactar o seu bolso, mas nunca a ponto de lhe privar do básico contratado. É bem verdade que por algumas das circunstâncias listadas nesse texto, você poderá se ver sem emprego de uma hora para outra, mas não por muito tempo. O mercado não tardará em lhe absorver. Como empreendedor, a incerteza é um fato da vida. Haja estômago.

As pessoas terão mais afinidade com uma ou outra vida dependendo do quanto se encaixam nessas dez situações, não existe exatamente a ‘melhor’ opção. Quando eu comecei a minha vida empreendedora, a liberdade de agenda e a inexistência de picuinhas políticas foram fatores extremamente atrativos, a tal ponto que eu dizia a mim mesmo que não desejava mais assinar a carteira de trabalho. O tempo foi passando e a precária situação econômica do país ampliou em demasia o incômodo da incerteza. Diante de uma boa oportunidade, esse fator foi determinante para o meu retorno ao mundo corporativo. Não me arrependo. Há fases para tudo na vida e a minha está cheia de boletos a pagar. Mas o gosto da liberdade criativa me atrai. Pretendo experimentá-lo novamente no futuro, mesmo sendo a perder de vista.

 

 

 

 

 

4 Comments
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4 Comentários

  1. Beatriz Nicolau

    15 de fevereiro de 2015 em 15:07

    Victor adorei o seu texto!! Mto verdadeiro. Penso constantemente sobre esse assunto. Não há mesmo mundo ideal ou perfeito, e sim o que funciona para cada um de nós em determinados momentos de nossas vidas. Bjs, Bia

  2. Patricia

    8 de março de 2017 em 22:46

    Adorei seu texto! Conseguiu retratar de forma muito realista a diferença entre o mundo empreendedor e corporativo.
    Me identifico muito com a sua história de vida mas ainda não sucumbi a volta ao mercado corporativo! E haja coragem e estômago pra ser empreendedor neste país não!
    Parabéns! ?

  3. Cláudia Garbin

    9 de março de 2017 em 11:05

    Caro Victor,
    Estou na fase “empreendedora” há 6 anos!! Na verdade não é mais uma fase…. a empresa cresceu, temos aqui 40 funcionários e continuamos crescendo! O texto reflete exatamente tudo o que acontece comigo, exceto o item 3 onde você fala sobre o tempo. Não tenho tempo livre … Trabalho de 10 a 12 horas por dia! O meu cliente é dono da minha agenda!
    Grande abraço!

  4. SIMONE BARBOSA

    19 de julho de 2018 em 11:07

    Excelente reflexão. A vida pós experiência corporativa não é fácil, sendo empreendedor ou não. Para ter uma vida mais ou menos equilibrada é necessário fazer uma poupança desde muito, muito cedo, assim conquista-se uma certa tranquilidade.

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